ACÓRDÃO
N.º 334/89
Processo n.º 270/88
1ª Secção
Relator: Conselheiro Martins da Fonseca
Acordam no Tribunal Constitucional
I. Vem o presente recurso obrigatoriamente
interposto pelo Ministério Público contra a decisão do Senhor Juiz do Tribunal
do Trabalho de Santarém, que, ao ordenar a penhora na presente execução, fez
implicitamente aplicação da norma constante do artigo 57.º do Decreto-Lei n.º
491/85, de 26 de Novembro, segundo o qual:"As decisões das autoridades
referidas no artigo 46.º, n.º 2, que apliquem uma coima são passíveis de
impugnação judicial mediante recurso a interpor para o tribunal competente em
matéria laboral com jurisdição na área onde foi cometida a infracção", norma
essa já anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.
No presente caso, porém, não está em causa a
determinação do tribunal competente para a impugnação judicial da decisão
administrativa de aplicação de coima laboral, mas antes a determinação do
tribunal competente para a execução dessa coima. Porém, mesmo para este efeito,
é decisiva a norma em causa, atento o disposto no artigo 89.º, n.º 1, do
Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, nos termos do qual o tribunal
competente para o recurso é também o tribunal competente para a execução.
Constitui, assim, objecto do presente recurso a
questão da constitucionalidade da norma do artigo 57.º do Decreto-Lei n.º
491/85, na medida em que, conjugada com a norma constante do, artigo 89.º, n.º
1, do Decreto-Lei n.º 433/82, atribui aos tribunais competentes em matéria
laboral com jurisdição na área onde foi cometida a infracção competência para
proceder à execução das respectivas coimas.
II. Em obediência ao disposto nos artigos 280.º, n.ºs
1, alínea a) e 2 da Constituição e 70.º, n.º 1, alínea a) e 72.º, n.ºs 1,
alínea a) e 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, interpôs o Ministério
Público recurso daquele despacho em ordem à apreciação e julgamento da
respectiva desaplicação normativa.
Nas alegações produzidas pelo Exmo. Procurador
Geral da República Adjunto suscitou-se primeiramente a questão prévia da falta
de interesse jurídico relevante no conhecimento do objecto do recurso,
sustentando-se depois, para a eventualidade dessa questão não alcançar
vencimento, que a decisão recorrida deve merecer confirmação mercê da
inconstitucionalidade orgânica de que padece a norma do artigo 57.º do
Decreto-Lei n.º 491/85, na parte em que, conjugada com a norma constante do
artigo 89.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, determina o
tribunal competente para a execução das coimas laborais.
A recorrida não contralegou.
Passados os vistos legais cabe agora apreciar e
decidir, começando-se necessariamente pelo julgamento da questão preliminar do
não conhecimento do objecto do recurso.
III. Questão prévia.
1 - O artigo 57.º do Decreto-Lei n.º 491/85,
diploma que introduziu o ilícito de mera ordenação social no âmbito do direito
laboral, dispunha do modo seguinte:
"As decisões das autoridades referidas no
artigo 46.º, n.º 2, que apliquem uma coima são passíveis de impugnação judicial
mediante recurso a interpor para o tribunal competente em matéria laboral com
jurisdição na área onde foi cometida a infracção".
Todavia, já após a prolação do despacho impugnado
– e a interposição do recurso ora em apreciação, entrou a vigorar o artigo 66.º
da Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro (Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais), por
força do início da vigência do Decreto-Lei n.º 214/88, de 17 de Junho, que veio
regulamentar, aquela, preceito esse assim concebido.
"Compete aos tribunais do trabalho julgar os
recursos das decisões das autoridades administrativas em processo de
contra-ordenação nos domínios laboral e de segurança social".
Ora, da disciplina conjugada deste preceito com a
constante do artigo 89.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, extrai-se que os
tribunais do trabalho passaram a deter competência para a apreciação dos
processos de execução das coimas laborais.
À luz desta realidade, sustenta o Ministério
Público que "sendo relevantes para os processos pendentes as modificações
da lei reguladora da competência de que resulte a atribuição a um órgão de
competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa (n.º 2
do artigo 18.º da Lei nº 38/87)" deve entender-se haver "desaparecido
o interesse jurídico no conhecimento do presente recurso, pois, qualquer que
seja o sentido da decisão (isto é: quer se julgue inconstitucional quer se
julgue não inconstitucional a norma do artigo 57.º do Decreto-Lei n.º 491/85),
sempre será o Tribunal do Trabalho de Santarém o competente para prosseguir a
execução".
Mas dever-se-á, porventura, conceder aceitação a
este entendimento das coisas?
No acórdão n.º 306/88, de 20/12/1988, foi
declarada com força obrigatória geral a inconstitucionalidade da norma do artigo
57.º do Decreto-Lei n.º 491/85, de 26 de Novembro, na parte em que, conjugada
com a norma do n.º 1 do artigo 89.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de
Outubro, atribui competência para a execução das coimas previstas naquele
decreto-lei aos tribunais competentes em matéria laboral.
Foi igualmente decidido que continuava a existir
interesse juridicamente relevante no conhecimento e declaração da
inconstitucionalidade da norma daquele artigo 57.º, apesar da sua revogação
pelos artigos 66.º e 18.º, n.º 2, da Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro.
Após essa decisão, não parece agora razoável
voltar a discutir o problema de saber se subsiste interesse na aplicação
daquela declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral nos
casos concretos, qualquer que tenha sido a posição assumida naquele aresto pelo
ora relator.
Por este fundamento se desatende a questão prévia
suscitada.
IV. A fundamentação.
1- A norma desaplicada pela decisão recorrida veio
a ser, como já se disse, neste ínterim, declarada inconstitucional, com força
obrigatória geral, pelo Acórdão n.º 306/88, publicado no Diário da República, I
Série, de 20 de Janeiro de 1989, cuja parte decisória dispôs do modo seguinte:
" (…) por violação
do disposto nas alíneas d) e q) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição,
declara-se a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do
artigo 57.º do Decreto-Lei n.º 491/85, de 26 de Novembro, na parte em que,
conjugada com a norma do n.º 1 do artigo 89.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27
de Outubro, atribui competência para a execução das coimas previstas naquele
decreto lei aos tribunais competentes em matéria laboral".
É esta, em todos os seus exactos termos, a
situação que vem posta no processo em apreciação.
Ora, tendo em atenção que, uma vez declarada a
inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de certa norma, não é já
consentido ao Tribunal Constitucional proceder à reapreciação da questão de
constitucionalidade objecto daquela declaração, pois que a vinculação dela
adveniente para todos os órgãos constitucionais e para todas as autoridades
administrativas também necessariamente abrange o tribunal donde ela dimanou.
Resta assim, tão só, fazer aplicação daquela
doutrina ao caso concreto e proceder em conformidade com os princípios que se
deixaram expostos.
V. Decisão.
Nestes termos, desatende-se a questão prévia
suscitada pelo Ministério Público e, fazendo-se aplicação da declaração de
inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, contida no Acórdão n.º
306/88, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão impugnada.
Lisboa, 12 de Abril de 1989
Martins da Fonseca
Vital Moreira
Antero Alves Monteiro Diniz
Raul Mateus
José Magalhães Godinho