ACÓRDÃO N.º 134/85
Processo n.º 91/84.
2.ª Secção.
Relator: Conselheiro Mário
Afonso.
Acordam
no Tribunal Constitucional:
1 — Na
acção especial de despejo pendente no 2.º Juízo, 1.ª Secção, do Tribunal Judicial
da Comarca de Coimbra em que são autores A. e mulher, residentes em Gouveia, os
réus B. e mulher, residentes em Coimbra, requereram o desentranhamento da
resposta à contestação, referida na alínea b) do artigo 972.º do Código de Processo Civil.
Invocaram
como fundamento deste pedido a violação do princípio da igualdade das partes no
processo, decorrente do artigo 13.º da Constituição da República.
O M.mo
Juiz, por despacho de fls. 97, indeferiu o requerido.
2 — Os
réus interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional.
O M.mo
Juiz, por despacho de fls. 109, não admitiu o recurso, com fundamento na sua
manifesta inadmissibilidade, face ao artigo 70.º, n.º 2, referido ao seu n.º 1,
alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro.
3 — Os
RR. reclamaram do despacho do M.mo Juiz, nos termos do n.º 4 do
artigo 76.º da mesma lei.
Invocam
os seguintes fundamentos:
a) A
inconstitucionalidade da alínea b) do referido artigo 972.º,
suscitada pelos requerentes, é uma questão prévia;
b) Este
vício tem efeitos sobre os termos subsequentes do processo e é susceptível de
influir «no exame ou na decisão da causa»;
c) O
n.º 2 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, embora limite o recurso a decisões que
não admitam recurso ordinário, não esclarece se se refere «a decisões finais»
ou a «decisões intermédias»;
d)
«Ora, o vício arguido é mais grave que qualquer outro contemplado na lei
processual e foi suscitado na fase instrutória do processo»;
e) «O
mesmo versa sobre direitos fundamentais, mais concretamente sobre o princípio
da igualdade processual das partes (afloramento do artigo 13.º da
Constituição), pelo que tem e deverá ter prioridade sobre qualquer outro.»
Conclui
pedindo se receba a reclamação e se promovam os termos processuais
subsequentes.
4 — O
M.mo Juiz proferiu o seu despacho a fls. 5, mantendo o despacho
reclamado.
5 —
Foram colhidos vistos legais.
6 —
Finalmente, o processo foi com vista ao Ex.mo
Procurador-Geral-Adjunto neste Tribunal, que emitiu parecer no sentido de se indeferir
a reclamação.
7 — A
reclamação é tempestiva, os requerentes gozam de legitimidade para a deduzir e
o Tribunal Constitucional é competente, nada obstando ao seu conhecimento.
7.1 —
Apontemos os elementos constantes dos autos com interesse para a decisão de
reclamação, além dos anotados no antecedente n.º 1:
A) O M.mo Juiz
fundamenta deste modo o seu despacho reclamado:
a) Trata-se de acção de
despejo relativo a arrendamento para habitação, em que é sempre admissível
recurso para a Relação, seja qual for o valor da causa (artigo 980.º, n.º 1, do
Código de Processo Civil);
b) O
n.º 2 do citado artigo 70.º dispõe que «os recursos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior apenas
cabem das decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou
por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam»;
c) É, assim, manifesta a
inadmissibilidade do recurso do despacho que indeferiu o requerimento de
desentranhamento da resposta à contestação;
B)
Referentemente à notificação do mencionado despacho de fls. 97, que indeferiu o
requerimento de desentranhamento da resposta, foi lavrada, a fls. 101 da acção
de despejo, a seguinte cota:
Em 20
de Abril de 1983 passei notas de notificação a fim de serem enviadas aos mandatários
das partes, notificando-os do douto despacho antecedente, enviando ainda o
duplicado da reclamação do mandatário dos AA.
C) Os
RR. interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional em 6 de Maio de 1983;
D) A
acção em causa é de despejo relativo a arrendamento para habitação.
7.2 — O
M.mo Juiz, ao admitir a resposta à contestação e ao indeferir o
requerimento de desentranhamento da mesma, aplicou uma norma — o artigo 972.º,
alínea b), do Código de Processo
Civil — cuja inconstitucionalidade havia sido invocada pelos RR., como se vê
dos antecedentes n.ºs 1 e 2.
Por
isso, a recorribilidade da decisão para este Tribunal encontra fundamento no
disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º
da Constituição da República, na sua actual redacção, e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de igual
teor, que se transcreve:
1 —
Cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais:
a)
b) Que apliquem norma cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Porém,
nos termos do n.º 2 do artigo 70.º, o recurso previsto na citada alínea b) apenas cabe «de decisões que não admitam recurso
ordinário, por a lei não o prever ou por já haverem sido esgotados todos os
que no caso cabiam».
Vigora,
pois, no recurso de decisões deste tipo o princípio da exaustão dos recursos
ordinários.
7.3 —
No caso em apreço, constitui objecto da acção o despejo do locado num
arrendamento para habitação.
Nestas acções,
face ao disposto no artigo 980.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, é sempre
admissível recurso para a Relação, independentemente do valor da causa.
Assim,
os RR. podiam interpor recurso para o Tribunal da Relação, cujo prazo de
interposição estava em curso ao tempo do requerimento de interposição de
recurso para o Tribunal Constitucional.
Com
efeito, como acima se anotou, as notas para notificação do despacho de
indeferimento do aludido desentranhamento foram passadas em 20 de Abril de
1983.
Ora,
mesmo que o envio sob registo tivesse sido efectuado na mesma data, a
notificação só se poderia considerar feita no imediato dia 26, atento o
disposto no n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 121/76, de 11 de Fevereiro,
uma vez que, sendo o mencionado dia 20 quarta-feira, o terceiro dia posterior
ao registo ocorreria num sábado e a segunda-feira seguinte era feriado — 25 de
Abril.
Deste
modo, o prazo para o agravo terminaria no dia 6 do referido mês de Maio,
descontados os dias 30 de Abril, sábado, e 1 de Maio, domingo e feriado
(artigos 685.º, n.º 1, e 144.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil).
Não se
encontrava, portanto, exaurida a possibilidade de recurso ordinário quando os
réus recorreram para o Tribunal Constitucional.
Consequentemente,
estava ainda vedada a via do recurso de inconstitucionalidade.
7.4 — A
argumentação expendida pelos reclamantes não assume qualquer relevância para a
decisão da reclamação.
Na
verdade, nesta sede apenas interessa apurar se o despacho de inadmissão do recurso
de inconstitucionalidade merece ou não censura.
É óbvio
que não, considerando o exposto nos antecedentes n.os 7.1 e 7.2.
A
argumentação dos RR., expressa nas alíneas a), b), d) e e) do antecedente n.º 3,
interessaria tão-somente para a decisão de fundo, no recurso de
inconstitucionalidade.
Por
isso, não há que a apreciar aqui.
O
argumento constante da alínea c) desse número é
manifestamente irrelevante e inconcludente. Por um lado, o n.º 2 do citado
artigo 70.º não distingue entre «decisões finais» e «decisões intermédias». Por
outro, os próprios reclamantes não extraem qualquer conclusão interpretativa do
preceito.
7.5 —
Assim, o despacho reclamado não merece censura.
7.6 —
Nos termos expostos:
a)
Indeferimos a reclamação e mantemos o despacho reclamado;
b)
Condenamos os RR. B. e mulher nas custas, com o mínimo de imposto de justiça.
Lisboa,
24 de Julho de 1985. — Mário
Afonso — Luís Nunes de Almeida — Mário de Brito — Messias Bento — José
Magalhães Godinho — José Manuel Cardoso da Costa — Armando Manuel Marques
Guedes.