TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

585 acórdão n.º 544/14 SUMÁRIO: I – A questão de constitucionalidade objeto do presente recurso prende-se essencialmente com a dimen- são externa do direito fundamental à liberdade religiosa (artigo 41.º, n.º 1, da Constituição), ou seja, o direito de agir em conformidade com as convicções religiosas, sendo invocado o direito de exercício do culto e o direito de guarda imposto pela religião professada pela recorrente ( in casu , desde o pôr do sol de sexta-feira até ao pôr do sol de sábado), de modo a justificar a não permanência no local de trabalho nesse período. Nesta dimensão externa, a liberdade religiosa conflitua com os deveres decorrentes da situação laboral da recorrente, coincidindo temporalmente os períodos de observância dos deveres de assiduidade e prestação do trabalho com os períodos de guarda para o exercício da religião. II – Da jurisprudência internacional regional relevante importa sublinhar que, para a Comissão Europeia dos Direitos do Homem e para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o despedimento de um trabalhador que se ausenta do seu local de trabalho para respeitar o Sabbath ou para ir à mesquita rezar em conjunto com outros crentes, em determinados períodos do dia, não corresponde a uma viola- ção do direito de liberdade religiosa já que se entendeu não ser aquele despedimento motivado pelas convicções religiosas do trabalhador, mas sim pelo incumprimento de obrigações contratuais, por este voluntariamente assumidas, podendo, a todo o tempo, demitir-se ou fazer cessar a relação laboral e assim retomar de pleno o exercício da liberdade religiosa. Ora, não obstante o âmbito de proteção conferido ao direito de liberdade religiosa pela citada jurisprudência se confinar à dimensão (negativa) de não discriminação a observar na cessação das relações laborais em causa, não pode deixar de ser tido em consideração que a proteção da liberdade religiosa tem hoje um enquadramento multinível, nacio- nal, regional e universal, no qual deve prevalecer a proteção mais elevada. E, à luz da Constituição portuguesa, a tutela do trabalhador que exerce a sua liberdade religiosa afigura-se mais ampla do que Interpreta, ao abrigo do disposto no artigo 80.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, as normas do artigo 14.º, n.º 1, alíneas a) e c) , da Lei da Liberdade Religiosa, aprovada pela Lei n.º 16/2001, de 22 de junho, no sentido de que incluem também o trabalho prestado em regime de turnos. Processo: n.º 53/12. Recorrente: Particular. Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita. ACÓRDÃO N.º 544/14 De 15 de julho de 2014

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