TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

173 acórdão n.º 262/20 14. Vejamos: A separação e interdependência de poderes constitui uma característica inerente do Estado de direito democrático. Como o Tribunal referiu no Acórdão n.º 214/11, do Plenário: «9. Nos termos do n.º 1 do artigo 111.º da Constituição, “os órgãos de soberania devem observar a separação e interdependência estabelecidos na Constituição”. Este princípio de separação e interdependência de poderes, que anteriormente apenas aparecia formulado no capítulo da organização do poder político (o atual preceito constitucional corresponde ao anterior n.º 1 do artigo 114.º), passou também a figurar, com a revisão operada pela Lei Constitucional n.º 1/97 (RC97), no artigo 2.º da Constituição. Com a diferença de que, enquanto na caracterização do Estado de direito democrático se menciona, de modo mais abrangente, a “separação e interde- pendência de poderes”, no capítulo relativo à organização do poder político a separação e interdependência que a Lei Fundamental manda observar respeita aos poderes dos “órgãos de soberania”. Esta dupla referência reafirma a posição do princípio da separação de poderes simultaneamente como um princípio fundamental do momento organizatório da Constituição e como um dos princípios definidores da comunidade política e do Estado. Como se disse no Acórdão n.º 24/98 (disponível, como os demais citados em www.tribunalconstitucional.pt ) , o princípio ficou explicitado “inequívoca e claramente como um dos  essentialia do Estado de direito democrático”. Admite-se modernamente que o princípio da separação de poderes não cumpre apenas o papel, com que entrou na história do constitucionalismo, de repartição orgânico-funcional dos poderes do Estado com vista à proteção das liberdades e direitos fundamentais dos cidadãos. Desempenha uma pluralidade de funções consti- tucionais: função de medida, função de racionalização, função de controlo e função de proteção. Como salien- tam Gomes Canotilho e Vital Moreira ( Constituição da República Portuguesa Anotada , Vol. I, 4ª edição revista, Coimbra, 2007, p. 209) o texto constitucional articula a ideia de separação com a ideia de interdependência de poderes, apontando a fundamentalidade do princípio para a ideia de ordenação dos órgãos de soberania pautada pela adequação orgânica, de modo a que as medidas e decisões do poder público para cumprimento das tarefas do Estado sejam preferencialmente adotadas pelos órgãos que, “segundo a sua organização, função, atribuição e procedimento de atuação estão em melhor posição para analisar os pressupostos, os juízos e os resultados indispen- sáveis a medidas ou decisões constitucionalmente ajustadas”. Ele implica, como refere Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo VII, Coimbra, 2007, p. 83 “a necessidade de um núcleo essencial de competência de cada órgão, apurado a partir da adequação da sua estrutura ao tipo ou à natureza de competência de que se cuida”. Com efeito, enquanto instrumento de inibição da atuação dos poderes públicos, através do modelo tradicional de checks and balances , em salvaguarda da liberdade individual dos cidadãos – a chamada dimensão negativa do princípio da separação de poderes –, o princípio cedeu campo operativo a um conjunto de institutos garantidores dos preceitos materiais da Constituição e dos direitos, liberdades e garantias. Designadamente, centrando desde já a atenção no âmbito relacional entre o poder legislativo do Parlamento e o poder executivo (…), perante a aplica- bilidade direta dos direitos fundamentais e a tendencial plenitude de acesso ao direito e aos tribunais para proteção contra qualquer lesão dos direitos e interesses individuais, incluindo a garantia de tutela jurisdicional efetiva dos direitos e garantias dos administrados. A maior virtualidade ou dimensão operativa do princípio, ao menos em termos de justiciabilidade – o que, num sistema de justiça constitucional como a portuguesa, releva pela via da apreciação de constitucionalidade de normas jurídicas – é a que respeita à sua dimensão de elemento de interpretação e de delimitação funcional das normas constitucionais de competência no sentido da racionalização do exercício das funções do Estado. Nesta sua dimensão positiva, o princípio da separação de poderes “assegura uma justa e adequada ordenação das funções do Estado e, con- sequentemente, intervém como esquema relacional de competências, tarefas, funções e responsabilidades dos órgãos constitucionais de soberania” (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, Almedina, 2003, p. 250). Como diz Jorge Reis Novais, Separação de Poderes e Limites da Competência Legislativa da Assembleia da República, Lisboa, 1997, p. 37, o princípio “é hoje essencialmente invocável na praxis jurídica no seu significado de princípio organizatório estruturante de uma organização racional dos poderes do Estado”.

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