TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
103 acórdão n.º 299/20 os números seguintes, designadamente os n. os 8 e 9, contêm normas específicas que põem em causa a quali- ficação da prioridade do arrendatário como verdadeiro direito de preferência. Com efeito, no caso de alienação de prédio não constituído em propriedade horizontal que esteja par- cialmente arrendado, o objeto da venda deixa de ser a totalidade do imóvel arrendado para passar a ser uma quota-parte do mesmo. Assim, a alteração do objeto da venda, imposta pela norma da alínea a) do n.º 8 do artigo 1091.º, implica que o arrendatário não pode adquirir através da preferência a propriedade do local arrendado, mas apenas uma parte alíquota do imóvel. Diferentemente do que ocorre na preferência do arrendatário de fração autónoma, em que se adquire a propriedade plena do local arrendado, na preferência do arrendatário de parte de prédio não constituído em propriedade horizontal constitui-se uma comproprie- dade sobre o imóvel. Em rigor, o alcance do direito de preferência previsto naquela norma não é o de conferir ao arrendatário um meio para aceder, de imediato, à propriedade plena do local arrendado, mas apenas a atribuição ao arrendatário habitacional de um direito à constituição de compropriedade sobre o imóvel. Como é visível, a conversão legal do objeto da preferência, que deixa de ser o imóvel para passar a ser uma parte alíquota do mesmo, põe em causa a exigência de que a prioridade do direito do preferente seja estabelecida em estrita igualdade de condições. Se o proprietário decidir vender a totalidade do prédio não constituído em propriedade horizontal, a preferência do arrendatário não é exercida em paridade com as condições oferecidas por terceiro, já que o objeto dos contratos em concurso é sempre diferente: num caso, a totalidade do prédio; no outro, uma parte alíquota do mesmo. Neste caso, o contrato objeto da preferência não é economicamente idêntico ao contrato celebrado entre o vinculado à preferência e o terceiro. E assim sendo, não se pode dizer que a prioridade do arrendatário na celebração do contrato que certo terceiro cele- brou com o proprietário ocorre em paridade com as condições que esse terceiro está disposto a aceitar. A preferência traduz-se sempre numa prioridade atribuída ao titular do respetivo direito na celebração de determinado contrato. Mas a generalidade da doutrina defende que o direito de preferência só pode ser exercido se o preferente se dispuser a igualar as condições propostas por terceiro. Como refere Agostinho Cardoso Guedes, «apesar do aparente silêncio da lei, a “paridade de condições” é, de facto, um elemento essencial da preferência tal como esta resulta dos art. os 414.º e seguintes do Código Civil. A razão pela qual o legislador omitiu a referência à locução “em igualdade de condições” foi, muito simplesmente, por entender desnecessária face à nossa tradição jurídica e à unanimidade da doutrina a esse respeito – face a um tão grande consenso, mencionar o uso da expressão “em igualdade de condições” seria até pleonástico» ( ob. cit. , p. 99). Ora, a preferência prevista no n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil envolve um sentido de prioridade, sem o requisito da paridade de condições. A singularidade deste regime resulta da impossibilidade jurídica do “local arrendado” constituir objeto do contrato projetado. Como se referiu, a parte arrendada de prédio não constituído em propriedade horizontal não pode ser alienada por falta de autonomia jurídica. O bem que pode ser objeto de venda ou dação em cumprimento ou é o prédio na totalidade ou uma parte alíquota da propriedade do mesmo. Por isso, a preferência do arrendatário só poderia ser exercida “tanto por tanto”, em paridade de condições, se o direito de preferir abrangesse a alienação a terceiro do imóvel na sua totalidade ou uma quota-ideal do mesmo. Nesses casos, o preferente poderia aceder à propriedade singular ou comum do imóvel em igualdade de condições com as oferecidas por terceiro. Porém, o direito de preferir previsto no n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil refere-se à venda ou dação em cumprimento da totalidade do prédio não constituído em propriedade horizontal, mas o direito a adquirir pelo arrendatário restringe-se a uma quota-parte ideal. Ou seja, a lei pré-determina o contrato objeto da preferência em dois elementos essenciais: (i) o bem que pode ser objeto do contrato, que consiste numa quota-parte do prédio correspondente à permilagem do locado; (ii) e o respetivo valor, que corres- ponde ao valor proporcional dessa quota-parte face ao valor total da transmissão. Prevê-se, assim, um “direito de preferência” sui generis , cujo exercício é desligado das condições ajustadas com terceiro e que se traduz na aquisição de um direito de compropriedade, caso ocorra a alienação do prédio parcialmente arrendado. De modo que o direito de preferência não foi aqui tomado no seu significado técnico-jurídico, referido a dois direitos opostos ou inconciliáveis referentes à transmissão da mesma coisa, a exercer em paridade de
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