TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
540 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da respetiva concretização para outras fontes normativas, permitindo a incorporação no direito penal das mais atuais ou recentes valorações técnicas em matérias compreendidas e reguladas em distintos setores nor- mativos. Trata-se aqui, muito especialmente, das chamadas normas penais em branco, isto é, daquelas que têm a particularidade de descrever de forma incompleta a atuação criminalmente relevante (previsão típica), remetendo parte da sua concretização para outras fontes normativas (norma complementar ou integradora). Sendo frequentemente utilizada na tipificação dos ilícitos pertencentes ao chamado direito penal do risco – cujo incremento se deve ao exponencial aumento do poder da ação humana desencadeado pelo incessante desenvolvimento científico e tecnológico –, a técnica remissiva subjacente às normas penais em branco apre- senta a vantagem de assegurar a permanente sincronização do direito penal com a evolução registada em áreas específicas de conhecimento ou atividade, desiderato este não concretizável através de uma preferência por enumerações descritivas e fechadas, por inerência tendencialmente incompletas e estáticas. Ora, neste contexto, em que se reconhece a impossibilidade de um ordenamento jurídico-penal com- posto apenas por normas incriminadoras de conteúdo integralmente predefinido, a função do princípio da legalidade não poderá deixar de ser a de estabelecer limites à abertura dos tipos penais, assegurando que tanto a inclusão dos referidos elementos na tipificação dos ilícitos criminais, como a remissão para normas complementares, não obste à «determinabilidade objetiva das condutas proibidas e demais elementos da punibilidade» ( idem ). Acompanhando uma vez mais Figueiredo Dias, dir-se-á que o critério decisivo para aferir do respeito pelo princípio da tipicidade – e, consequentemente, da conformidade constitucional de toda a norma incrim- inadora – «residirá sempre em saber se, apesar da indeterminação inevitavelmente resultante da utilização d[aqueles] elementos [e técnica], do conjunto da regulamentação típica» continua a derivar «uma área e um fim de proteção da norma claramente determinados» ( idem ), ou, pelo contrário, é de algum modo posta em causa, por uma ou outra via, a certeza e determinabilidade do conteúdo do ilícito, impossibilitando-se a apreensão pelos destinatários da norma penal dos elementos essenciais do tipo de crime. Como se afirmou no Acórdão n.º 168/99 (e se repetiu nos Acórdãos n. os 383/00, 93/01, 352/05, 20/07 e 76/16), «averiguar da existência de uma violação do princípio da tipicidade, enquanto expressão do princípio constitucional da legalidade, equivale a apreciar da conformidade da norma penal aplicada com o grau de determinação exigível para que ela possa cumprir a sua função específica, a de orientar condutas humanas, prevenindo a lesão de relevantes bens jurídicos. Se a norma incriminadora se revela incapaz de definir com suficiente clareza o que é ou não objeto de punição, torna-se constitucionalmente ilegítima». 19. No âmbito da interpretação do artigo 7.º da Convenção, é essa também a orientação, que, pelo menos desde o acórdão Cantoni v. France , proferido em 1996, ainda hoje se extrai da jurisprudência do Tri- bunal Europeu dos Direitos do Homem (doravante, «TEDH»). Partindo igualmente do pressuposto segundo o qual a preservação da margem necessária para acomodar as múltiplas situações e circunstâncias não só veda à norma penal uma precisão absoluta, como implica o recurso, como uma das técnicas standard de regulação, a categorizações gerais em detrimento de formulações exaustivas e fechadas, o TEDH considera, porém, que o princípio consagrado no artigo 7.º da Convenção impõe, mesmo em tal contexto, que os elementos que integram a infração, bem como a sanção que lhe cor- responde, se encontrem definidos com clareza na lei, isto é, em termos que assegurem a cognoscibilidade e a previsibilidade da norma de comportamento. De acordo ainda com o TEDH, o próprio conceito de previsibilidade tem um alcance variável, depen- dendo em larga medida do conteúdo da norma incriminadora concretamente em causa, do âmbito ou domínio que pretenda regular, bem como do número e condição dos respetivos destinatários. De todo o modo, tal exigência deverá considerar-se satisfeita onde quer que os sujeitos possam conhecer, através do texto da lei complementado, se necessário, pela respetiva interpretação jurisprudencial, assim como pelo recurso a aconselhamento técnico especializado, quais os atos e omissões suscetíveis de os responsabilizar.
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