TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
664 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL a retroatividade das leis fiscais seria constitucionalmente legítima sempre que não ferisse «de forma inad- missível ou intolerável, a certeza e a confiança na ordem jurídica dos cidadãos por ela afetados; ou que não trai[sse], de forma arbitrária e injustificada, as expectativas juridicamente tuteladas e criadas na esfera jurídica dos cidadãos ao abrigo das disposições vigentes à data da ocorrência dos factos que as geraram» (cfr. Acórdãos n. os 41/90 e 1006/96). Procurando lançar luz sobre a ambiguidade e a incerteza que, em razão dos critérios necessariamente fluídos de controlo, vinha caracterizando a jurisprudência constitucional em matéria de leis fiscais retroati- vas (neste sentido, cfr. Acórdão n.º 128/09), o legislador constituinte optou por consagrar, em termos tão enfáticos quanto precisos, a proibição de cobrança de impostos retractivos, objetivando-a no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição. Após tal alteração, o Tribunal passou a interpretar a proibição de leis fiscais retroativas não já na base ponderativa em que o vinha fazendo até 1997 – isto é, em função das circunstâncias informadoras da rela- ção jurídico-tributária afetada pela aplicação da nova lei –, mas antes em termos objetivos, informados pela contraposição entre retroatividade autêntica (ou pura) e retroatividade inautêntica (ou impura) ou retrospe- tividade: de acordo com o entendimento desde então reiteradamente expresso na jurisprudência do Tribunal, a proibição de retroatividade em matéria de impostos consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, apenas abrange as situações de retroatividade autêntica, mas não já as de retroatividade inautêntica e de retrospetividade (cfr., a título de exemplo, os Acórdãos n. os 128/09, 85/10 e 399/10). Reproduzindo a formulação já anteriormente seguida no Acórdão n.º 67/12, tal entendimento foi sin- tetizado no Acórdão n.º 85/13, tirado em Plenário, nos termos seguintes: «2. Conforme se disse, o tribunal recorrido recusou a aplicação da norma do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, por violação do princípio da proibição da retroatividade fiscal consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição. Esta norma constitucional dispõe que «Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei». Sendo o poder de lançar impostos inerente à noção de Estado, como manifestação da sua soberania, perante um longo passado de abusos e arbitrariedades, a introdução do princípio da legalidade nesta matéria veio conferir- -lhe um estatuto de cidadania no mundo do Direito. Assim, para que o Estado possa cobrar um imposto ele terá que ser previamente aprovado pelos representantes do povo e terá que estar perfeitamente determinado em lei geral e abstrata, só assim se evitando que esse poder possa ser exercido de forma abusiva e arbitrária, indigna de um verdadeiro Estado de direito. Por outro lado, o mesmo princípio da legalidade não poderá deixar de impedir que a lei tributária disponha para o passado, com efeitos retroativos, prevendo a tributação de atos praticados quando ela ainda não existia, sob pena de se permitir que o Estado imponha determinadas consequências a uma realidade posteriormente a ela se ter verificado, sem que os seus atores tivessem podido adequar a sua atuação de acordo com as novas regras. Esta exigência revela as preocupações do princípio da proteção da confiança dos cidadãos, também ele prin- cípio estruturante do Estado de direito democrático, refletidas na vertente do princípio da legalidade, segundo o qual, a lei, numa atitude de lealdade com os seus destinatários, só deve reger para o futuro, só assim se garantindo uma relação íntegra e leal entre o cidadão e o Estado. É neste sentido que deve ser entendida a opção do legislador constituinte de, na revisão constitucional de 1997, consagrar no artigo 103.º, n.º 3, a regra da proibição da retroatividade da lei fiscal desfavorável. Com esta alteração constitucional não se visou explicitar uma simples refração do princípio geral da proteção da confiança dos cidadãos, inerente a toda a atividade do Estado de direito democrático, mas sim expressar uma regra absoluta de definição do âmbito de validade temporal das leis criadoras ou agravadoras de impostos, prevenindo, assim, a existência de um perigo abstrato de grave violação daquela confiança.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=