TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

237 acórdão n.º 618/17 (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal , 3.ª edição, Universidade Católica Editora, 2015, p. 492) Ora, a eternização da ação penal para execução da pena de multa (necessariamente correspondente a criminalidade de menor gravidade) ultrapassa os limites do constitucionalmente admissível, colocando o sujeito condenado numa situação de incerteza, prejudicial à sua recuperação, inserção social e estabilidade de vida (resultado incompatível com a finalidade das penas e que já não está legitimado pela tutela da efe- tividade da pena de multa). Por este motivo, entendo que a aplicação dos efeitos da contumácia à prisão subsidiária não passa o teste da proporcionalidade, na vertente da proibição do excesso. A inclusão da prisão subsidiária no conceito de pena de prisão, contido no artigo 97.º, n.º 2, do CEP, configura um recurso à interpretação extensiva ou à analogia, métodos hermenêuticos que, em direito penal e em direito processual penal, estão vedados pelo princípio da legalidade.    Admitir a extensão teleológica ou por analogia do artigo 97.º, n.º 2, do CEP seria equivalente a criar uma causa de suspensão da prescrição da pena (sem limite temporal máximo), à margem da lei, para uma situação – a pena de multa – para a qual a lei não consagrou esse regime jurídico, apenas pensado e previsto para a criminalidade mais grave, em que o arguido é condenado a pena de prisão principal.  A este propósito, entendo, com Maria João Antunes (cfr. Direito Processual Penal , Almedina, Coim- bra, 2017, p. 24) que o princípio da legalidade criminal (artigo 29.º, n.º 1, da CRP) se estende, na medida imposta pelo seu conteúdo de sentido, ao processo penal, com a consequência de não ser legalmente admis- sível a analogia in malam partem . A doutrina tem entendido que as razões de garantia que levam a que seja proibido o recurso à analogia conduzem também a que a interpretação extensiva in malam partem deva ser proibida (cfr. Taipa de Carva- lho,   ob. cit. , pp. 175-176): «É certo que, para além das objeções metodológicas à distinção entre analogia e interpretação, é difícil a distin- ção prática entre a analogia e a interpretação extensiva. Com efeito definindo-se esta como um processo hermenêu- tico que consiste em alargar o sentido do texto legal de forma a fazê-lo coincidir com a finalidade da norma jurídica (ou com o “pensamento legislativa”, na expressão do nosso Código Civil, art. 9.º), e utilizando ela os argumentos da igualdade e da maioria de razão ( a pari ou a fortiori ) – argumentos ou processos lógico-metodológicos estes que (…) parecem ser materialmente idênticos aos utilizados no procedimento de aplicação analógica –, então não se vê qual a distinção material entre a interpretação extensiva e a aplicação analógica de uma norma. (…) Com efeito, quando se diz que, na interpretação extensiva, o caso decidindo não está abrangido pelo “teor literal” mas está abrangido pelo “espírito da lei” e, portanto, há que alargar o âmbito (dos sentidos possíveis) do texto legal, parece estar, implicitamente, a dizer-se que o caso concreto vai sere decidido com base num sentido imputado à norma, sentido esse que exorbita do texto legal, isto é, que vai para além dos sentidos literais possíveis». Como se afirmou já no Acórdão deste Tribunal n.º 183/08, o princípio da legalidade decorre de uma opção “axiológica” de fundo que é a de, nas situações legalmente imprevistas, colocar a liberdade dos cida- dãos acima das exigências do poder punitivo. Assim se justifica que as incompletudes, falhas ou omissões do legislador não possam ser supridas nem pela interpretação extensiva nem pelo recurso à analogia. Reconhece-se que a inconstitucionalidade da interpretação normativa, segundo a qual a prisão subsi- diária está abrangida pelo conceito de prisão utilizado no artigo 97.º, n.º 2, do CEP, provoque os entorses e desequilíbrios no sistema invocados pelo Ministério Público, nas suas alegações, desde logo o benefício do infrator e a redução da efetividade das penas de multa. Mas tem sido este historicamente o significado do princípio da legalidade: fazer prevalecer a liberdade sobre a repressão da criminalidade, sempre que a restrição do direito não decorra claramente da letra da lei.  Verifica-se, sem dúvida, uma semelhança entre a prisão como pena principal e a prisão subsidiária, que fundamenta que o intérprete possa dizer que a sujeição de ambas à declaração de contumácia se justificaria de um ponto de vista teleológico; mas não se pode afirmar que a declaração de contumácia esteja prevista

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