TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
474 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL R. Como já reconhecido, na interpretação da norma jurídica conforme à Constituição, há necessidade de se procurar soluções jurídicas que conduzam à unicidade da ordem jurídica pois apenas assim é possível salva- guardar os valores de justiça e, cumulativamente, da certeza, da segurança jurídica e da proteção da confiança, ínsitos nos princípios do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva; S. Pelo que, a interpretação do artigo 28.º, n.º 1, alínea c) do RJAT deve ser no sentido de permitir o controlo de decisões arbitrais para além do vício de “excesso de pronúncia”, com vista a que questões atinentes, mor- mente, à competência da jurisdição arbitral, tenham um entendimento uniforme no que respeita aos limites da vinculação da AT à jurisdição arbitral; T. Neste paradigma, a interpretação mais restrita da norma – a que se encontra aqui em causa – será inconsti- tucional, exatamente por, na medida inversa, colocar em cheque os referidos princípios constitucionais, uma vez que permite que, na ordem jurídica, coexistam interpretações distintas, insindicáveis, quanto à compe- tência de determinado tribunal, solução que se afigura pouco razoável, injustificada e desproporcional, em especial, por ser contrária ao direito de acesso aos tribunais; U. Com efeito, o direito ao processo, conjugado com o direito à tutela jurisdicional efetiva, impõe, por conse- guinte, a prevalência da justiça material sobre a justiça formal; V. Num Estado de Direito, a plenitude do acesso à jurisdição e os princípios da jurisdicidade e da igualdade pos- tulam um sistema que assegure a proteção dos interessados contra os próprios atos jurisdicionais, a favor de uma unicidade do ordenamento jurídico e do respeito pelos valores de justiça e, cumulativamente, da certeza, da segurança jurídica e da proteção da confiança, razão pela qual, atento o exposto, se deve concluir que a interpretação restrita do artigo 28.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, acima melhor identificada, é inconstitucional; W. Considera-se ainda que há violação do princípio da legalidade (artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º e do artigo 266.º, n.º 2, da CRP), no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, ínsito no artigo 30.º, n.º 2, da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT; X. Com efeito, todo o concluído é mais premente face ao referido princípio constitucional, por, na arbitragem tributária, estarem em causa créditos tributários indisponíveis e relações de interesse público (tendo a sua consagração levantado dúvidas quanto à sua constitucionalidade); Y. Assim, defende-se que, apenas o entendimento que possibilite a impugnação da decisão arbitral junto dos tribunais estaduais com fundamento num conceito de “pronúncia indevida” que não se restrinja somente ao vício de “excesso de pronúncia”, como configurado na lei processual civil, salvaguarda a compatibilidade constitucional dos tribunais arbitrais previstos no RJAT na medida em que, apenas deste modo, se salvaguar- da a tutela judicial efetiva enquanto garantia da correção de erros graves das suas decisões; Z. Com efeito, tal princípio, na vertente da garantia da correção de erros das decisões dos tribunais arbitrais (exigida igualmente pelos princípios da igualdade e da legalidade), deve evitar que uma questão fundamental, como a da competência material da jurisdição arbitral, permaneça sob a incerteza adveniente de decisões contraditórias; AA. Justificando-se tal entendimento, especialmente, por se estar perante uma relação jurídica que decorre do exercício de poderes de autoridade, devendo, nestes casos, reservar-se ao juiz estadual a possibilidade de uma última palavra (cfr. acórdão do TC n.º 230/13); BB. Face ao exposto, crê-se que o princípio da legalidade, no seu corolário da indisponibilidade dos créditos tri- butários, constitui coordenada adicional no sentido de se interpretar o conceito de “pronúncia indevida” na perspetiva de um maior alcance da recorribilidade das decisões arbitrais, mitigando o princípio da celeridade a favor da tutela jurisdicional efetiva, da segurança jurídica e da proteção da confiança; CC. Pelo que, consequentemente, nesta medida, a interpretação contrária, aqui sob apreciação, excluindo os vícios de competência ao controlo de qualquer tribunal estadual (cabendo em exclusivo ao Tribunal Arbitral apre- ciar da sua competência) é violadora dos princípios constitucionais referidos e, por isso, inconstitucional; DD. Em suma, face ao exposto, o conceito de “pronúncia indevida”, inserto na norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT, como fundamento de impugnação da decisão arbitral, não pode deixar de contemplar a sindicância de questões relativas à (in)competência do tribunal arbitral;
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