TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 93.º Volume \ 2015
503 acórdão n.º 391/15 2.3. Da interpretação do artigo 127.º do Código de Processo Penal O recorrente questiona a constitucionalidade da norma constante do artigo 127.º do Código de Pro- cesso Penal, na interpretação de que a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador permite o recurso a presunções judiciais em processo penal. Alega que esta interpretação é incompatível com a presunção de inocência, consagrada no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, e com o dever de fundamentar as decisões judiciais imposto no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição. Na apreciação desta questão, não se pode ter em atenção os argumentos invocados pelo recorrente relativamente ao modo como, em concreto, foi efetuada pela decisão recorrida a apreciação da prova no que respeita à avaliação da existência dos indícios a que se refere o artigo 202.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, uma vez que esse plano extravasa as competências do Tribunal Constitucional. Ou seja, este Tribunal apenas poderá apreciar a referida questão de constitucionalidade enquanto esta tem por objeto o critério normativo da decisão consubstanciado numa regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplica- ção potencialmente genérica, não podendo sindicar o puro ato de julgamento do tribunal a quo, enquanto ponderação casuística da singularidade própria e irrepetível do caso concreto, nem apreciar a constituciona- lidade do resultado da operação de apreciação e valoração da prova neste caso concreto, face aos princípios da presunção da inocência e ao dever de fundamentação das decisões judiciais. Para melhor análise da questão de constitucionalidade sub judicio , importa começar por tecer algumas breves considerações sobre o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal, bem como sobre o conceito de presunção judicial. O artigo 125.º do Código de Processo Penal consagra a regra da “não taxatividade dos meios de prova” dispondo que «são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei». Por sua vez, no que respeita à apreciação da prova, o artigo 127.º do aludido Código consagra o princípio da livre apreciação da prova, estabelecendo que «salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente». Como é sabido, no que respeita à apreciação da prova produzida e ao modo como esta deve ser valorada no sentido de o julgador formar a sua convicção sobre os factos relevantes para a decisão, ao sistema da prova legal (em que a apreciação da prova tem por base regras legais que pré-determinam o valor a atribuir-lhe) opõe-se o sistema da prova livre, caracterizado pela circunstância de tal apreciação ser efetuada com base na livre valoração do juiz e na sua convicção pessoal. Conforme refere Figueiredo Dias (cfr. ob. cit. , pp. 202-203) o princípio da livre apreciação da prova «não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida», acrescentando ainda que «a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada “verdade material” –, de tal sorte que a apreciação há de ser, em concreto, reconduzível a critérios objetivos e, portanto, em geral suscetível de motivação e de controlo». Neste mesmo sentido, Castanheira Neves (cfr., Sumários de Processo Criminal (1967-68), Coimbra, 1968, pp. 50-51), escreve que «a liberdade de que aqui se fala não é, nem deve implicar nunca o arbítrio, ou sequer a decisão irracional, puramente impressionisto-emocional que se furte, num incondicional subjeti- vismo, à fundamentação e à comunicação. Trata-se antes de uma liberdade para a objetividade – não aquela que permita uma intime conviction , meramente intuitiva, mas aquela que se determina por uma intenção de objetividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objetiva, i. e. , uma verdade que transcenda a pura subjetividade e que se comunique e imponha aos outros». Também o Tribunal Constitucional em várias decisões em que estava em causa a constitucionalidade do artigo 127.º do Código de Processo Penal disse o seguinte: «[…] O atual sistema da livre apreciação da prova não deve definir-se negativamente pela ausência das regras e critérios legais predeterminantes do seu valor, havendo antes de se destacar o seu significado positivo.
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