40º Aniversário da Constituição da República Portuguesa
39 1 O século XX terminou assistindo ao triunfo do constitucionalismo. Duzentos anos após o seu nascimento e depois de muitas lutas e retrocessos, este impôs-se universalmente. Quase todos os Estados do mundo têm atualmente uma Constituição. Já não se discute se deve ou não haver uma Constituição, mas sim qual é o seu modelo mais adequado. Também o empenho dos governantes em atuar em consonância com as disposições da sua Constituição aumentou consideravelmente nos tempos mais recentes, como mostra o grande número de tribunais constitucionais ou com jurisdição constitucional fundados no último quartel do século XX. A jurisdição constitucional é hoje parte integrante do programa-tipo de qualquer Estado constitucional. Com isto não se quer dizer que a Constituição seja sempre e em toda a parte tomada a sério, ou que no conflito com os desideratos políticos saia sempre vencedora. Sucedem como antes violações da Constituição. Do mesmo modo, subsiste ainda um número de países nos quais o projeto do constitucionalismo apenas se realizou de forma imperfeita ou somente na aparência. Alguns tribunais constitucionais têm vindo a estar sob pressão política, mesmo no seio da União Europeia. Em todo o caso, o reconhecimento universal do constitucio- nalismo enquanto modelo para a organização e legitimação do poder político fica patente no facto de que mesmo os governantes que não estão dispostos a submeter-se a vínculos jurídicos pretendem, pelo menos, manter a aparência de exercer o poder dentro do âmbito jurídico-constitucional. No entanto, não nos podemos deixar iludir por este triunfo da Constituição na sua superfície. A ele associou-se um enfraquecimento interior, que começou a surgir em meados do século XX, e que durante bastante tempo passou despercebido. A causa para tal reside nas mudanças ocorridas em torno da Constituição. Quando a Constituição nasceu, os Estados eram os únicos titulares do poder público no seu respetivo território, situação que se manteve durante quase duzentos anos. Hoje em dia, partilham o poder público com um conjunto de atores não estatais, na sua maioria organizações supranacionais, para as quais transferiram poderes de soberania, que estas organizações exercem agora de forma independente dos Esta- dos, mas produzindo sobre estes efeitos vinculativos, sem que os Estados possam fazer valer 1 Tradução para português de Christina Tavares Lacerda e Thomas Kaiser. Revisão da tradução de Francisco Borges, Assessor do Gabinete do Presidente do Tribunal Constitucional. O lugar da Constituição no século XXI Dieter Grimm 1
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