Conferências da Justiça Constitucional da Ibero-América

III Conferência da Justiça Constitucional da Ibero-América
Os orgãos de fiscalização da Constitucionalidade: funções, competências, organização e papel no Sistema Constitucional perante os demais poderes do Estado
Relatório do Tribunal Constitucional Português
Elaborado por António de Araújo e Joaquim Pedro Cardoso da Costa, assessores do Gabinete do Presidente do Tribunal Constitucional

[Guatemala, Novembro de 1999]

 

            I - INTRODUÇÃO

O presente relatório visa proceder a uma exposição dos aspectos dinâmicos do sistema português de controlo da constitucionalidade. Mais do que descrever a “anatomia” desse sistema, pretende-se apresentar os traços mais significativos da sua “fisiologia”, privilegiando o enunciado de alguns “problemas” suscitados pela concretização prática dos mecanismos de fiscalização judicial da constitucionalidade instituídos pela Constituição da República Portuguesa (CRP) e pela Lei do Tribunal Constitucional (LTC) ( [1] ). 

 

            No entanto, a exposição da “dinâmica” do sistema pressupõe, como é evidente, o conhecimento da sua “estática”, ou seja, das espécies e modalidades do controlo da constitucionalidade existentes no direito português.

 

            A CRP prevê as seguintes modalidades de controlo judicial da constitucionalidade e de certas formas de “ilegalidade qualificada”:

 

a) - O controlo preventivo (CRP, artigo 278º), que incide sobre normas constantes de convenções internacionais que o Estado português vá subscrever ou de decretos a ser promulgados como leis ou como decretos-lei e que é realizado por iniciativa do Presidente da República ou, tratando-se de diplomas regionais, dos Ministros da República para as regiões autónomas. No caso das leis orgânicas, a fiscalização preventiva pelo Tribunal Constitucional pode ainda ser requerida, além do Presidente da República, pelo Primeiro-Ministro ou por 1/5 dos Deputados à Assembleia da República em efectividade de funções (CRP, artigo 278º, nº 4).

 

b) - O controlo abstracto sucessivo (CRP, artigo 281º), que incide sobre todas e quaisquer normas do ordenamento jurídico português e que pode ser requerido pelo Presidente da República, pelo Presidente da Assembleia da República, pelo Primeiro-Ministro, pelo Provedor de Justiça, pelo Procurador-Geral da República e por 1/10 dos Deputados à Assembleia da República. Quando estiverem em causa direitos das regiões autónomas, podem também requerer a fiscalização abstracta sucessiva os Ministros da República, as assembleias legislativas regionais, os respectivos presidentes ou 1/10 dos seus deputados e, bem assim, os presidentes dos governos regionais.

 

c) - O controlo concreto que, nos termos da CRP e da LTC, prevê o recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais:

           

– que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade [CRP, artigo 280º, nº 1, alínea a); LTC, artigo 70º, nº 1, alínea a)];

 

– que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo [CRP, artigo 280º, nº 1, alínea b); LTC, artigo 70º, nº 1, alínea b)];

 

– que recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado ( [2] ) [CRP, artigo 280º, nº 2, alínea a); LTC, artigo 70º, nº 1, alínea c)];

 

– que recusem a aplicação de norma constante de diploma regional com fundamento na sua ilegalidade por violação do estatuto da região autónoma ou de lei geral da República ( [3] ) [CRP, artigo 280º, nº 3, alínea b); LTC, artigo 70º, nº 1, alínea d)];

 

– que recusem a aplicação de norma constante de diploma emanado de um órgão de soberania com fundamento na sua ilegalidade por violação do estatuto de uma região autónoma [CRP, artigo 280º, nº 2, alínea c); LTC, artigo 70º, nº 1, alínea e)];

 

– que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas a), b) e c) do nº 2 do artigo 280º da CRP [CRP, artigo 280º, nº 2, alínea d); LTC, artigo 70º, nº 1, alínea f)];

 

– que recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional, ou a apliquem em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal Constitucional [LTC, artigo 70º, nº 1, alínea i)] ( [4] ).

 

d) - O controlo da inconstitucionalidade por omissão (CRP, artigo 283º) pode ser requerido pelo Presidente da Republica e pelo Provedor de Justiça e, quando estiverem em causa os direitos de uma região autónoma, pelo presidente da respectiva assembleia legislativa regional.

 

A Constituição, no artigo 222º, define as regras gerais da composição do Tribunal Constitucional. O Tribunal Constitucional é composto por treze juízes, dos quais dez juízes são eleitos pela Assembleia da República, por maioria qualificada de 2/3 dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções, e três juízes são cooptados pelos primeiros, também por maioria qualificada (CRP, artigo 222º, nº 1) ( [5] ).

 

Dos treze juízes, seis têm de ser “obrigatoriamente escolhidos de entre juízes dos restantes tribunais” e os restantes sete, de entre juristas (CRP, artigo 222º, nº 2).

 

O mandato dos juízes é de 9 anos e não é renovável (CRP, artigo 222º, nº 3) ( [6] ).

 

O Presidente é eleito por todos os juízes do Tribunal (CRP, artigo 222º, nº 4).

 

As regras constitucionais sobre a composição do Tribunal Constitucional e o estatuto dos juízes são, depois, pormenorizados na Lei Orgânica do Tribunal, em termos dos quais se destacam os seguintes:

 

- Os candidatos a juízes têm de ser cidadãos portugueses no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos que sejam doutores, mestres ou licenciados em direito ou juízes dos outros tribunais (artigo 13º, nº 1, LTC);

 

- Não existem quaisquer requisitos de idade mínima ou máxima ou qualquer tempo de experiência profissional para o exercício de funções como juiz constitucional. Ainda assim, há determinados “limites implícitos”: 1) um limite mínimo de idade, que resulta da necessidade de possuir a licenciatura em Direito e/ou a qualidade de “juiz dos outros tribunais”; 2) um limite máximo de idade, para os juízes dos restantes tribunais,  que resulta do facto de não poderem ser designados  aqueles que, no momento da designação, já tiverem atingido o limite de idade para o exercício da função (70 anos) ( [7] );

 

- Os juízes do Tribunal Constitucional são independentes e inamovíveis, não podendo as suas funções cessar antes do termo do mandato para que foram designados, excepto nos casos previstos no artigo 23º LTC (morte, impossibilidade física permanente, renúncia, aceitação de lugar ou prática de acto legalmente incompatível com o exercício das suas funções, demissão ou aposentação compulsiva, em consequência de processo disciplinar ou criminal);

 

- Os juízes do Tribunal Constitucional não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, excepto nos termos e limites em que o são os juízes dos tribunais judiciais (artigo 24º LTC);

 

- Os juízes do Tribunal Constitucional são responsabilizados civil e criminalmente segundo as “normas que regulam a efectivação da responsabilidade civil e criminal dos juízes do Supremo Tribunal de Justiça”, valendo para eles, igualmente, “as normas relativas à prisão preventiva” aos últimos aplicáveis (LTC, artigo 26º). O prosseguimento do processo por crime cometido no exercício de funções depende, porém, de deliberação da Assembleia da República (artigo 26º, nº 2);

 

- O exercício de funções como juiz do Tribunal Constitucional é incompatível com o exercício de qualquer cargo ou função de natureza pública ou privada e, em especial, é incompatível com o exercício de funções em órgãos de soberania, das Regiões Autónomas ou do poder local (LTC, artigo 27º, nº 1). Exceptua-se desta regra de incompatibilidade o exercício de funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica, desde que não remunerado (artigo 27º, nº 2, LTC);

 

- Os juízes do Tribunal Constitucional estão impedidos de exercer quaisquer funções em órgãos de partidos, de associações políticas ou de funções com eles conexas, e de desenvolver actividades político-partidárias de carácter público (artigo 28º, nº 1, LTC). Durante o exercício do cargo, suspende-se o estatuto decorrente da filiação em partidos ou associações políticas (artigo 28º, nº 2, LTC); 

 

- O período do mandato dos juízes conta-se da data de tomada de posse perante o Presidente da República, e termina com a tomada de posse do juiz designado para ocupar o respectivo lugar (artigo 21º, nº 1, LTC). Entretanto, os juízes dos restantes tribunais que sejam designados para o Tribunal Constitucional e que, durante o período de exercício, completem 70 anos mantêm-se em funções até ao termo do mandato, como se dispõe no nº 3 do mesmo artigo ( [8] );

 

- O mandato do Presidente e do Vice-Presidente é de metade do mandato dos juízes (ou seja, de 4 anos e meio), podendo haver recondução (artigo 37º, nº 1, LTC).

 

O Tribunal Constitucional reúne em plenário e em secções (artigo 40º LTC).

 

O Tribunal aprova o projecto do seu orçamento, a apresentar à Assembleia da República através do Governo, e aprova o orçamento das suas receitas próprias ( [9] ) (artigo 47º-A LTC).


 

            II - O CONTROLO CONCRETO DA CONSTITUCIONALIDADE

 

 

1 - Legitimidade activa

 

            1.1 - A legitimidade do Ministério Público e dos particulares

 

            A legitimidade para recorrer para o Tribunal Constitucional, no âmbito do controlo concreto de constitucionalidade, vem definida no artigo 72º da LTC, cujo nº 1 determina o seguinte ( [10] ):

 

“1 - Podem recorrer para o Tribunal Constitucional:

a) O Ministério Público;

b) As pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a decisão foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso.

            2 - ...

            3 - ...

            4 - ...”.

 

            Existe, pois, uma legitimidade própria do Ministério Público na defesa objectiva da ordem constitucional ( [11] ) e uma legitimidade dos particulares – pessoas singulares ou colectivas, nacionais ou estrangeiras ( [12] ) – que se afere pela lei reguladora do “processo-pretexto” (cível, laboral, criminal, etc.) de que emerge o recurso de constitucionalidade.

 

            À primeira vista, portanto, o Ministério Público poderia intervir em todos os processos, ou seja, mesmo naqueles em que não dispusesse de interesse processual, visto que o artigo 72º, nº 1 da LTC lhe confere uma legitimidade ex officio genérica. No entanto, aquela norma tem de articular-se com outros preceitos da LTC relativos aos pressupostos das várias modalidades de recurso. Neste sentido, se o Ministério Público, sendo parte principal da causa, pretender recorrer para o Tribunal Constitucional nos termos do artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC – recurso de decisões que apliquem norma arguida de inconstitucional pelas partes – só pode fazê-lo se possuir interesse processual ( [13] ).

 

            E quando o Ministério Público não é parte na causa? Poderá interpor recurso das decisões de aplicação? O Tribunal considerou que, em jurisdição do trabalho, em que o Ministério Público tem sempre intervenção acessória, não pode interpor, como parte acessória, recurso de decisões de aplicação ( [14] ). Como se afirmou recentemente no acórdão nº 57/99, “o artigo 72º, nº 2 da Lei do Tribunal Constitucional só permite que o Ministério Público recorra (recurso facultativo) no caso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º – caso em que se estabelece efectivamente um recurso em defesa da Constituição – quando seja parte no processo e tenha previamente suscitado nos autos a questão de inconstitucionalidade, em inteira igualdade com as restantes partes”.

 

            Foi também à luz desta ideia que o Tribunal Constitucional considerou recentemente que, não tendo tido intervenção no processo como recorrente ou recorrido, não possui o Ministério Público legitimidade para interpor o recurso a que se refere o artigo 79º-D da LTC (recurso para o plenário para uniformização de jurisprudência) ( [15] ).

 

            Deve notar-se, por outro lado, que a CRP e o artigo 72º da LTC estabelecem a obrigatoriedade do recurso pelo Ministério Público nos seguintes casos ( [16] ):

 

– quando uma decisão judicial recusar, com fundamento em inconstitucionalidade ou ilegalidade, a aplicação de norma constante de convenção internacional, de acto legislativo ou de decreto regulamentar (CRP, artigo 280º, nº 3; LTC, artigo 72º, nº 3) ( [17] );

 

– quando uma decisão judicial aplicar norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional (CRP, artigo 280º, nº 3; LTC, artigo 72º, nº 3);

 

– quando uma decisão judicial aplicar norma já anteriormente julgada inconstitucional pela Comissão Constitucional (LTC, artigo 72º, nº 3);

 

– quando uma decisão judicial recusar a aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua contrariedade com convenção internacional, ou a aplicar em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal Constitucional (LTC, artigo 72º, nº 3).

 

            Nestes casos, o recurso será sempre obrigatório para o Ministério Público? Não: o artigo 72º, nº 4 da LTC afirma que o Ministério Público pode abster-se de interpor recurso de decisões conformes com a orientação que se encontre já estabelecida, a respeito da questão em causa, em jurisprudência constante do Tribunal Constitucional.

 

            Coloca-se ainda uma questão curiosa nos recursos de decisões que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional (ou ilegal) pelo Tribunal Constitucional. Nesses recursos, a que se refere o artigo 70º, nº 1, alínea g), da LTC, o recurso é obrigatório para o Ministério Público. Imagine-se, no entanto, que o Tribunal altera a sua jurisprudência e passa a considerar que a norma em causa não é inconstitucional. Nesse caso, justifica-se manter a obrigatoriedade do recurso para o Ministério Público? O Tribunal tem respondido negativamente: nos casos em que a decisão recorrida haja aplicado norma já anteriormente julgada inconstitucional e depois se venha a verificar alteração da jurisprudência, por parte daquele, através das suas duas secções ( [18] ), no sentido da não inconstitucionalidade, cessa a obrigatoriedade do recurso do Ministério Público ( [19] ).

 

            Finalmente, importa chamar a atenção para o artigo 74º da LTC, que determina:

 

que o recurso interposto pelo Ministério Público aproveita a todos os que tiverem legitimidade para recorrer;

 

que o recurso interposto por um interessado nos casos previstos nas alíneas a), c), d), e), g), h) e i) do nº 1 do artigo 70º aproveita aos restantes interessados;

 

– que o recurso interposto por um interessado nos casos previstos nas alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70º aproveita aos restantes, nos termos e limites estabelecidos na lei reguladora do processo em que a decisão tiver sido proferida;

 

– que não pode haver recurso subordinado nem adesão ao recurso para o Tribunal Constitucional.

 

            No que respeita à legitimidade dos particulares, ela obedece, portanto, às regras e aos princípios do “processo-pretexto” de que emerge a questão de constitucionalidade, como vimos. Será interessante referir um caso em que o Tribunal considerou não existir legitimidade à recorrente para impugnar a constitucionalidade de uma norma do Código de Processo Civil que prevê a comunicação à Ordem dos Advogados, para esta aplicar sanções aos mandatários, quando se reconheça que estes tiveram responsabilidade pessoal e directa nos actos pelos quais se revelou a má-fé na causa. O Tribunal considerou que existia um conflito de interesses no processo: a recorrente tinha interesse na aplicação dessa norma, pois ela faria diminuir a sua responsabilidade pelos prejuízos causados pela demanda; o advogado, por seu turno, não possuía qualquer interesse na aplicação dessa norma. Deste modo, o interesse processual na impugnação da constitucionalidade pertencia ao próprio mandatário, não à recorrente. O Tribunal considerou, assim, que o advogado não podia prevalecer-se da posição processual da sua cliente para litigar em prejuízo desta - e em seu proveito pessoal.  Quanto à recorrente, não possuía, evidentemente, qualquer interesse na invalidação da norma, não dispondo, pois, de legitimidade processual ( [20] ).

 

 

            1.2 - A suscitação da questão de inconstitucionalidade “durante o processo” como condição de legitimidade

 

            O nº 2 do artigo 72º da LTC enuncia uma condição específica para ser parte legítima nos recursos de constitucionalidade a que se referem as alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70º da mesma Lei: ter suscitado a questão de constitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer.

 

Por outras palavras, para possuir legitimidade nos recursos de decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo [LTC, artigo 70º, nº 1, alínea b)] ou das decisões que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo [LTC, artigo 70º, nº 1, alínea f)], é necessário suscitar a questão de constitucionalidade ou de ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal a quo. Ou seja, mesmo que a parte disponha de legitimidade “de acordo com a lei reguladora do processo em que a decisão foi proferida”, nos termos do artigo 72º, nº 1, alínea b), da LTC, só terá legitimidade no recurso para o Tribunal Constitucional se tiver suscitado a questão de constitucionalidade ( [21] ). É possível, assim, que, de dois sujeitos que possuam legitimidade no “processo-pretexto”, só um seja parte legítima no recurso para o Tribunal Constitucional. Como, porém, o recurso interposto por um interessado aproveita aos restantes, nos termos do artigo 74º, nº 3 da LTC, uma tal falta de legitimidade acaba por não ter consequências.

 

            A parte final do artigo 72º, nº 2 [ “(....) de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”] foi  introduzida pela recente alteração à LTC, operada pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, e vem consagrar uma abundante jurisprudência do Tribunal sobre o conceito de suscitação “durante o processo” da questão de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade).  

 

            Com efeito, o Tribunal afirmou, através de uma numerosa e reiterada jurisprudência, que suscitar uma questão de constitucionalidade “durante o processo” é fazê-lo em momento anterior à “decisão final” do tribunal recorrido, ou seja, enquanto neste a causa ainda se encontrar “pendente”. O “processo” é concebido como um complexo de actos encadeados entre si e que tendem a um objectivo último, a decisão final ( [22] ), e, nessa medida,  é antes dessa “decisão final” que a questão de constitucionalidade deve ser suscitada. 

 

            À noção de “decisão final” liga-se a ideia de trânsito em julgado, determinando o artigo 677º Código de Processo Civil que uma decisão se considera transitada em julgado quando não for susceptível de recurso ordinário ou reclamação. Seria possível, assim, suscitar a questão de constitucionalidade num momento em que, não sendo já admissível recurso ordinário, a decisão ainda era passível de reclamação? À primeira vista, poder-se-ia responder afirmativamente, com base na ideia de que, não tendo ainda transitado em julgado, a decisão recorrida ainda não era uma “decisão final” e, nessa medida, a causa ainda se encontrava “pendente” ( [23] ).  No entanto, importa ter presente que: (1) após a prolação da decisão, só é possível requerer-se o suprimento dos vícios mencionados nos artigos 667º a 669º do Código de Processo Civil; (2) o poder jurisdicional do juiz a quo esgota-se, em princípio, com a prolação da decisão (Código de Processo Civil, artigo 666º, nº 1); (3) a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial nem a torna obscura ou ambígua ( [24] ). Por esse motivo, o Tribunal considerou que o pedido de aclaração de uma decisão judicial ou a arguição da sua nulidade já não são, em princípio, meios adequados para suscitar pela primeira vez uma questão de constitucionalidade “durante o processo”.

 

            Na verdade, como se observou no acórdão nº 15/95, “a locução ‘durante o processo’ exprime precisamente o desiderato da suscitação na pendência da causa da questão de constitucionalidade, em termos de essa mesma questão ser tida em conta pelo tribunal que decide. Esta ideia é, afinal, corolário da natureza e sentido da fiscalização concreta de constitucionalidade das normas e, em especial, do recurso de parte que dela participa. Aí a questão de constitucionalidade é uma questão incidental, em estreita relação com o ‘feito submetido a julgamento’ [CRP, artigo 207º, actual artigo 204º], só podendo incidir sobre normas relevantes para o caso. O ‘interesse pessoal na invalidação da norma’ (G. Canotilho e Vital Moreira) só faz sentido e se concretiza na medida em que a parte confronte, em tempo, o tribunal que decide a causa com a controversa validade constitucional das normas que aí são convocáveis”.

 

            À luz desta ideia, o Tribunal vem considerando que já não são, em princípio, meios idóneos para suscitar atempadamente uma questão de constitucionalidade:

 

            – a arguição de nulidade ou o pedido de aclaração da decisão ( [25] );

           

– um requerimento autónomo em que se suscite a questão de constitucionalidade após a decisão ( [26] );

 

            – um requerimento-complemento de um pedido de aclaração ( [27] );

 

            – o próprio requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade ( [28] );

 

            – as alegações do recurso de constitucionalidade ( [29] ).

 

            Estes já não são, em princípio, meios adequados para suscitar uma questão de constitucionalidade “durante o processo” perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer. Diz-se que já não são meios adequados “em princípio”, uma vez que existam situações excepcionais que levam a dispensar o recorrente do ónus da suscitação antecipada da questão de constitucionalidade: 

 

– em primeiro lugar, situações em que, por força de uma norma processual específica, o poder jurisdicional se não esgota com a prolação da decisão recorrida;

 

– em segundo lugar, situações, de todo em todo excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida ou que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão de constitucionalidade.

 

            Vejamos, desde logo, as situações em que, por força de uma norma processual específica, o poder jurisdicional se não esgota com a prolação da decisão recorrida. O Tribunal já teve de se confrontar com algumas situações desse tipo, podendo apresentar-se alguns exemplos:

 

– no acórdão nº 3/83 - neste caso, o recorrente havia suscitado a inconstitucionalidade de uma norma que atribuía competência em certa matéria ao tribunal recorrido e que, a considerar-se inconstitucional tal norma, determinaria a sua incompetência absoluta. Ora, nos termos do artigo 102º, nº 1, do Código de Processo Civil, a incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes em qualquer momento do processo. O tribunal recorrido ainda podia, pois, conhecer da questão de constitucionalidade que estava subjacente à arguição de incompetência absoluta. Tratava-se, pois, de uma situação em que o poder jurisdicional do tribunal a quo sobre a questão de constitucionalidade não se havia esgotado com a prolação da decisão recorrida;

 

– nos acórdãos nºs. 206/86 e 366/96 - nestes casos, os recorrentes haviam suscitado a questão de constitucionalidade durante a reclamação para fundamentar a tese de que ainda lhes era lícito invocar nesse momento determinada causa de nulidade do acórdão reclamado. O Tribunal considerou que a reclamação representa um meio idóneo para suscitar a inconstitucionalidade se nessa reclamação for questionada a “constitucionalidade de normas relevantes para a decisão de questões sujeitas ainda ao poder de jurisdição do tribunal (como serão as questões processuais autonomamente postas em tal reclamação)”;

 

– nos acórdãos nºs. 352/89 e 306/90 - após a decisão final, o recorrente foi notificado da conta de custas e, ao reclamar desta conta, arguiu a inconstitucionalidade de normas do Código das Custas Judiciais ao abrigo das quais aquela conta havia sido elaborada. O Tribunal considerou que, apesar de já ter sido proferida a “decisão final” no processo, ainda era lícito ao recorrente suscitar a questão de constitucionalidade;

 

– no acórdão nº 190/90 - o Tribunal considerou que a arguição da inconstitucionalidade feita durante um incidente atípico, ocorrido após a prolação da decisão, pode ser um meio idóneo e atempado para suscitar pela primeira vez uma questão de constitucionalidade.

 

            Existe um segundo tipo de situações, que são aquelas, de todo em todo excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão final. São, essencialmente, três tipos de casos ( [30] ):

 

– o interessado não teve a possibilidade de suscitar a questão em virtude de não lhe ter sido dada qualquer oportunidade para intervir no processo antes da decisão ( [31] );

 

– o interessado interveio no processo, mas a questão de constitucionalidade só se colocou perante um circunstancialismo ocorrido após a sua última intervenção processual ( [32] );

 

– ao interessado não era exigível que antevisse a possibilidade de aplicação da norma ao caso concreto, de modo a impor-se-lhe o ónus de suscitar a questão antes da decisão final ( [33] ).

 

            Em todos estes casos, dispensa-se, pois, o recorrente de suscitar a questão de constitucionalidade antes da decisão final. O Tribunal exige, porém, que o recorrente o faça logo na primeira oportunidade processual subsequente. Explicando melhor, a impugnação da norma deve ser feita no momento mais próximo daquele momento em que emergiu a questão de constitucionalidade e, se não foi possível ao recorrente fazê-lo antes de proferida a decisão final, deve fazê-lo logo a seguir. Em regra, deve fazê-lo logo no momento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional ( [34] ), o que significa que já não o pode fazer:

 

– no requerimento de resposta ao “despacho-convite” a que se refere o artigo 75º-A, nº 5 da LTC ( [35] );

 

            – nas alegações de recurso no Tribunal Constitucional ( [36] ).

 

            Para além de um tempo, existe igualmente um modo processualmente adequado a suscitar uma questão de constitucionalidade. Com efeito, o nº 2 do artigo 72º da LTC alude à necessidade de suscitar a questão de inconstitucionalidade “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” (itálico acrescentado). A questão de constitucionalidade deve ser suscitada de forma clara e perceptível, de forma a que o tribunal a quo compreenda que tem de se pronunciar sobre ela. E, como é evidente, sendo o controlo de constitucionalidade um controlo de constitucionalidade de normas, a suscitação da inconstitucionalidade deve fazer-se por referência a normas jurídicas, não às decisões judiciais em si mesmas ( [37] ).

 

            Uma questão curiosa que se levanta a este propósito – e que já gerou uma divisão jurisprudencial entre duas secções do Tribunal – é a de saber se ao recorrente se exige que coloque a questão de constitucionalidade sucessivamente através das diversas instâncias, mesmo que tenha obtido ganho de causa. Imagine-se a seguinte situação: o autor suscita a questão de constitucionalidade perante a 1ª instância e obtém ganho de causa. A parte vencida interpõe recurso. Exige-se ao anterior autor – agora recorrido – que volte a suscitar a questão de constitucionalidade nas contra-alegações? Será obrigatório nunca deixar “cair” ou “abandonar” a questão de constitucionalidade nas várias instâncias de recurso? Uma das secções do Tribunal respondeu afirmativamente ( [38] ). Outra das secções entendeu que, nos casos em que a parte, que suscitara antes a questão de constitucionalidade como autora ou recorrente, numa instância, obteve aí ganho de causa, embora por fundamento diverso do da inconstitucionalidade da norma aplicada e passou a ser recorrida numa instância de recurso, deixando de ter o ónus de alegar e formular conclusões no recurso interposto pelo vencido, não é exigível que tenha de alegar para suscitar de novo a questão de constitucionalidade, a título subsidiário, para a hipótese de o tribunal de recurso vir a revogar a decisão recorrida ( [39] ).

 

 

 

            1.3 - O interesse processual como condição de  legitimidade

 

            O Tribunal Constitucional tem considerado, através de uma reiterada jurisprudência, que o recurso de constitucionalidade desempenha uma função instrumental ( [40] ). Nestes termos, a noção de interesse processual liga-se à ideia de utilidade da decisão da questão de constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional para a decisão da questão principal (da exclusiva responsabilidade do tribunal a quo). Se a parte obteve ganho de causa quanto à questão de constitucionalidade, não possui, obviamente, qualquer interesse no recurso para o Tribunal Constitucional e, nessa medida, não dispõe de legitimidade, nos termos do artigo 680º, nº 1 do Código de Processo Civil, segundo o qual os recursos “só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido” ( [41] ). Por outro lado, o Tribunal vem afirmando, através de uma jurisprudência constante e uniforme, que só deve conhecer de uma questão de constitucionalidade e pronunciar-se sobre a mesma quando esta se puder repercutir utilmente no julgamento do caso de que emergiu o recurso. Por isso, não haverá interesse processual, designadamente, se a decisão do recurso de constitucionalidade for útil apenas para prevenir futuros litígios ou para decidir esses litígios no caso de virem a eclodir ( [42] ).

 

            Mas já haverá interesse processual em conhecer da questão de constitucionalidade numa situação como a do acórdão nº 144/90, em que o Tribunal decidiu conhecer do recurso de constitucionalidade da norma do artigo 204º do Estatuto dos Funcionários de Justiça, cuja aplicação foi recusada pelo Tribunal Administrativo do Círculo do Porto. Com efeito, tendo este tribunal administrativo anulado um acto de recusa de inscrição de um solicitador na respectiva Câmara por o mesmo não poder ter por suporte a referida norma do artigo 204º do Estatuto dos Funcionários de Justiça, dado ser inconstitucional, e por ser ilegal face ao outro fundamento em que se apoiava [o artigo 49º, alínea b), do Estatuto dos Solicitadores], o Tribunal Constitucional concluiu pela utilidade do conhecimento da constitucionalidade daquele artigo 204º. É que, tendo sido interposto recurso do referido tribunal administrativo para o Supremo Tribunal Administrativo, não estava excluída a hipótese de este poder vir a considerar inaplicável ao caso a norma do artigo 49º do Estatuto dos Solicitadores, ganhando assim pertinência a decisão da questão de constitucionalidade daquele preceito do Estatuto dos Funcionários de Justiça.

 

 

2 - Condições de acesso à justiça constitucional

2.1 - Condições gerais

 

2.1.1 - Recurso das decisões dos tribunais

 

            No que respeita à fiscalização concreta, Portugal possui um sistema original que representa uma solução de compromisso entre o modelo de controlo difuso (judicial review of legislation) e o modelo de controlo concentrado (Verfassungsgerichtsbarkeit) ( [43] ). Trata-se de um sistema “misto”, que garante a todos os tribunais o acesso directo à Constituição, nos termos da norma do artigo 204º da CRP ( [44] ), havendo recurso das suas decisões para o Tribunal Constitucional, restrito à matéria de constitucionalidade. O sistema é, pois, “difuso na base” e “concentrado no topo”.

 

            Isto significa que o controlo concreto ou incidental da constitucionalidade e da legalidade de normas jurídicas pressupõe a existência de uma decisão judicial e de um recurso dessa decisão para o Tribunal Constitucional. Essa decisão judicial pode provir:

 

            – de qualquer tribunal público ( [45] );

 

– de um tribunal arbitral que julgue stricto jure, mas não já quando julgue ex aequo et bono ( [46] ).

 

            A determinação do universo das decisões recorríveis para o Tribunal Constitucional já suscitou diversos problemas. Assim, por exemplo, num primeiro momento o Tribunal considerou que não podia conhecer de recursos interpostos de decisões não jurisdicionais do Tribunal de Contas ( [47] ). Posteriormente, afastou-se desse entendimento, vindo a admitir que são recorríveis as decisões proferidas pelo Tribunal de Contas em matéria de vistos ( [48] ).

 

            Outro problema é o de saber se se exige que essas decisões sejam definitivas, ou seja, não possuam carácter provisório ( [49] ). O Tribunal considerou que as decisões jurisdicionais de natureza provisória – como os despachos de admissão do recurso ou os despachos de sustentação (em recurso de agravo) – não são susceptíveis de recurso de constitucionalidade. No que respeita aos procedimentos cautelares, o Tribunal veio a admitir recorribilidade de uma decisão proferida num procedimento cautelar ( [50] ).

 

            Por outro lado, o Tribunal considera que os despachos dos presidentes dos tribunais superiores sobre reclamações contra a não admissão do recurso são considerados “decisões dos tribunais” para efeitos de recurso ( [51] ), sendo tais reclamações abrangidas pelo conceito de recurso ordinário a que se refere o artigo 70º, nº 2 da LTC ( [52] ).

 

 

            2.1.2 - Recurso de normas

 

            Em Portugal, o controlo de constitucionalidade tem apenas por objecto normas jurídicas, não abrangendo as decisões judiciais em si mesmas, os actos políticos stricto sensu, os actos administrativos ou os actos jurídicos privados.

 

            Para mais desenvolvimentos, cf. infra, o ponto II.6.

 

 

2.1.3. - Patrocínio judiciário

 

            Nos recursos para o Tribunal Constitucional é, em regra, obrigatória a constituição de advogado (LTC, artigo 83º, nº 1) ( [53] ). Por outro lado, só pode advogar perante o Tribunal Constitucional quem o puder fazer junto do Supremo Tribunal de Justiça ( [54] ).

 

            O conceito de “advogado” é um conceito juridicamente preciso: trata-se daquele que, segundo as disposições do Estatuto da Ordem dos Advogados, for titular de inscrição em vigor como advogado na respectiva Ordem ( [55] ).

 

 

 

2.2 - Condições específicas dos diversos recursos de constitucionalidade

 

A fiscalização concreta da constitucionalidade contempla, no essencial, dois tipos de recurso:

 

- o recurso das decisões judiciais que recusem a aplicação de uma norma com fundamento em inconstitucionalidade [LTC, artigo 70º, nº 1, alínea a)];

 

- o recurso das decisões judiciais que apliquem norma arguida de inconstitucional pelas partes [LTC, artigo 70º, nº 1, alínea b)].

 

 

2.2.1 - O recurso previsto no artigo 70º, nº 1, alínea a), da LTC

 

O artigo 70º, nº 1, alínea a), da LTC - e, bem assim, o artigo 280º, nº 1, alínea a), da CRP -  prevê o recurso das decisões judicias que recusem a aplicação de normas com fundamento na sua inconstitucionalidade. Esse recurso é obrigatório para o Ministério Público quando a norma cuja aplicação tiver sido recusada constar de convenção internacional, de acto legislativo ou de decreto regulamentar (CRP, artigo 280º, nº 3). O recurso é directo para o Tribunal Constitucional e a sua interposição implica a interrupção dos prazos para a interposição dos recursos ordinários que coubessem na respectiva ordem de tribunais (LTC, artigo 75º, nº 1).

 

Condições de interposição desse recurso são:

 

- que a recusa de aplicação ocorra numa decisão judicial ( [56] );

 

- que a recusa de aplicação tenha por objecto normas jurídicas ( [57] );

 

- que a decisão recorrida haja efectivamente recusado a aplicação de uma norma (ou normas) com fundamento em inconstitucionalidade;

 

- que o recorrente indique a alínea do nº 1 do artigo 70º ao abrigo da qual o recurso é interposto e a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie (LTC, artigo 75º-A, nº 1).

 

Uma questão curiosa é a de saber o que se entende por “recusa de aplicação”. Será necessário que a decisão recorrida afirme expressamente que recusou a aplicação de uma norma com fundamento em inconstitucionalidade? O Tribunal tem respondido de forma negativa: a recusa de aplicação pode ser feita implicitamente ( [58] ). Mais: é irrelevante que a decisão recorrida qualifique ou não o vício como de inconstitucionalidade, pois que essa qualificação pertence ao próprio Tribunal Constitucional ( [59] ). Assim, mesmo que a decisão recorrida haja qualificado esse vício, por exemplo, como de ilegalidade, é admissível o recurso para o Tribunal ( [60] ).

 

Por outro lado, só são recorríveis as decisões em que o tribunal a quo recusou efectivamente a aplicação de uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade. Não são, assim, recorríveis as “falsas” recusas de aplicação de normas jurídicas, isto é, aquelas em que o tribunal a quo se limitou a formular um juízo de inconstitucionalidade de uma norma jurídica mas não afastou a sua aplicação ao caso. Nesse caso, o juízo de inconstitucionalidade representa um simples obiter dictum ou uma mera opinião ad ostentationem em matéria de constitucionalidade sem qualquer relevância para a economia da decisão recorrida ( [61] ). Esta conclusão é, afinal, corolário da ideia da natureza instrumental do recurso de constitucionalidade. De facto, se o juiz não recusou verdadeiramente a aplicação da norma, a decisão do Tribunal Constitucional nunca se poderia projectar utilmente sobre a decisão do fundo da causa, pelo que não faz sentido possibilitar o acesso ao Tribunal.

 

Em contrapartida à recusa de aplicação equivale a recusa de aplicabilidade: é suficiente que o juiz tenha admitido a possibilidade de uma norma ser aplicável ao caso, afastando essa hipótese em virtude de a considerar inconstitucional ( [62] ).

 

 

2.2.2 – O recurso previsto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC

 

O recurso a que se refere a alínea b) do nº 1 do artigo 280º da CRP - e, bem assim, a alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC - tem por objecto as decisões judiciais que apliquem normas arguidas de inconstitucionais pelas partes.

 

São condições desse recurso:

 

- que a aplicação ocorra numa decisão judicial ( [63] );

 

- que essa aplicação tenha por objecto normas jurídicas ( [64] );

 

- que a decisão recorrida haja aplicado a norma (ou normas) arguida de inconstitucional ( [65] );

 

- que o recorrente haja suscitado a questão de constitucionalidade “durante o processo” ( [66] );

 

- que se verifique uma exaustão dos recursos ordinários (LTC, artigo 70º, nº 2);

 

- que o recurso possua viabilidade, ou seja, que não se configure como manifestamente infundado ( [67] ).

 

- que o recorrente seja a mesma parte que preliminarmente haja suscitado a questão de constitucionalidade (CRP, artigo 280º, nº 4; LTC, artigo 72º, nº 2) ( [68] );

 

- que o recorrente indique a alínea do nº 1 do artigo 70º ao abrigo da qual o recurso é interposto, a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie (LTC, artigo 75º-A, nº 1) e a norma ou princípio constitucional que se considera violado, bem como a peça processual em que suscitou a questão da inconstitucionalidade (LTC, artigo 75º-A, nº 2).

 

À semelhança do que ocorre com a recusa de aplicação, exige-se que haja ocorrido uma efectiva aplicação da norma arguida de inconstitucional ( [69] ). Não basta, com efeito, que na decisão recorrida se tenha aludido à norma arguida de inconstitucional: é necessário que essa norma tenha constituído um dos fundamentos da decisão, a sua ratio decidendi. Caso contrário, estaremos perante um simples obiter dictum ( [70] ), sendo o recurso de constitucionalidade desprovido de qualquer sentido útil, já que a pronúncia do Tribunal, seja ela qual fosse, nunca poderia projectar-se sobre a decisão recorrida.

 

Por outro lado - e à semelhança do que ocorre com as decisões de desaplicação -, a aplicação de uma norma pode ser expressa ou implícita ( [71] ). Esta ideia pode suscitar alguns problemas: imagine-se que um tribunal não toma conhecimento da questão de inconstitucionalidade de uma norma, quando podia e devia fazê-lo. Nesse caso, estará vedado ao recorrente o acesso ao Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC? O Tribunal respondeu negativamente: nessa situação, o não conhecimento da questão de constitucionalidade equivale à aplicação da norma arguida de inconstitucional para efeitos do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC ( [72] ).

 

Além disso, a aplicação pode ter por objecto apenas uma parcela da norma ou um seu segmento ideal, do mesmo modo que é admissível o recurso de uma dada interpretação da norma ( [73] ).

 

No que se refere ao esgotamento dos recursos ordinários, este pressuposto visa que o Tribunal Constitucional só seja chamado a reapreciar decisões que constituam a última palavra dentro da ordem judiciária a que pertence o tribunal que as tomou, por forma a não facilitar o levantamento gratuito de questões de inconstitucionalidade e de modo a poupar a intervenção desnecessária do Tribunal ( [74] ). A este propósito, deve observar-se o seguinte:

 

- são equiparadas a recursos ordinários as reclamações para os presidentes dos tribunais superiores, nos casos de não admissão ou de retenção do recurso, bem como as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a conferência (LTC, artigo 70º, nº  3);

 

- entende-se que se acham esgotados todos os recursos ordinários quando tenha havido renúncia, haja decorrido o respectivo prazo sem a sua interposição ( [75] ) ou os recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de ordem processual (LTC, artigo 70º, nº 4);

 

- não é admitido recurso para o Tribunal Constitucional de decisões sujeitas a recurso ordinário obrigatório, nos termos da respectiva lei processual (LTC, artigo 70º, nº 5);

 

- se a decisão admitir recurso ordinário, mesmo que para uniformização de jurisprudência, a não interposição de recurso para o Tribunal Constitucional não faz precludir o direito de interpô-lo de ulterior decisão que confirme a primeira (LTC, artigo 70º, nº 6) ( [76] ).

 

 

3 - Desenvolvimento do processo constitucional

O processo inicia-se pela apresentação de um requerimento de interposição de recurso, apresentado no tribunal a quo no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão de que se pretende recorrer ( [77] ), e do qual devem constar os elementos a que se refere o artigo 75º-A da LTC. Importa sublinhar, desde logo, que, como a jurisprudência constitucional vem salientando, os elementos constantes do artigo 75º-A são requisitos formais do recurso e não simples deveres de cooperação com o tribunal ( [78] ). Em face do requerimento de interposição do recurso, o juiz do tribunal a quo pode tomar uma de três atitudes:

 

(1) admitir o recurso (decisão que, todavia, não vincula o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 76º, nº 3 da LTC);

 

(2) não admitir o recurso, podendo então o recorrente reclamar para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 76º, nº 4, da LTC;

 

(3) convidar o recorrente a prestar os elementos em falta no prazo de 10 dias, nos termos do artigo 75º-A, nº 5 da LTC. 

 

            No caso de o juiz a quo convidar o recorrente a prestar os elementos em falta [hipótese (3)], este pode seguir três caminhos:

 

- não responder ao despacho-convite, o que implica que o recurso não deva ser admitido pelo juiz a quo, podendo então o recorrente reclamar para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 76º, nº 4, da LTC;

 

- responder ao despacho-convite, mas sem prestar todas as indicações necessárias, o que implica que o recurso não deva ser admitido pelo juiz a quo, podendo então o recorrente reclamar para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 76º, nº 4, da LTC;

 

- responder ao despacho-convite, prestando todas as indicações necessárias, o que implica que o recurso deva ser admitido pelo juiz a quo (decisão que, todavia, não vincula o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 76º, nº 3 da LTC).

 

            No caso de o juiz a quo não convidar o recorrente a prestar os elementos em falta, o juiz relator no Tribunal Constitucional pode fazê-lo, nos termos do artigo 75º-A, nº 6, da LTC. Uma vez mais, o recorrente tem uma de três soluções:

 

(1) não responder ao convite do relator;

 

(2) responder, mas não prestar todas as indicações necessárias;

 

(3) responder, prestando todas as indicações necessárias.

 

Se o recorrente não responder ao convite do relator no Tribunal  [hipótese (1)], a consequência é diversa do que se o convite tivesse partido do juiz a quo: neste último caso, o recurso não deverá ser admitido; tratando-se de um convite do juiz relator no Tribunal Constitucional, se o recorrente não responder o recurso é logo julgado deserto (artigo 75º-A, nº 7, da LTC) ( [79] ). Por outro lado, se o recorrente não prestar todos os elementos necessários [hipótese (2)], o juiz relator deve proferir decisão sumária a não admitir o recurso, nos termos do nº 2 do artigo 78º-A da LTC, a qual é susceptível de reclamação para a conferência (artigo 78º-A, nº 3, da LTC). Se o recorrente prestar todos os elementos necessários [hipótese (3)], o juiz relator pode mandar prosseguir o recurso, ordenando a produção de alegações, ou pode ainda lavrar decisão sumária, nos termos do artigo 78º-A, nº 1 (designadamente, por a questão a decidir ser simples).

 

            Se não faltarem quaisquer elementos e o recurso for admitido pelo juiz a quo, o relator no Tribunal procede a um exame preliminar do processo, nos termos do artigo 78º-A, nº 1, da LTC. Realizado esse exame, pode tomar uma de três atitudes:

 

(1) proferir decisão sumária a não admitir o recurso, decisão da qual cabe reclamação para a conferência, nos termos do nº 3 do artigo 78º-A da LTC;

 

(2) proferir decisão sumária caso a questão a decidir seja simples, decisão da qual cabe reclamação para a conferência, nos termos do nº 3 do artigo 78º-A da LTC;

 

(3) ordenar a produção de alegações por um prazo que é, em regra, de 30 dias (LTC, artigo 79º, nº 2).

 

            Produzidas alegações, o relator deve elaborar, num prazo de 30 dias, um memorando ou projecto de acórdão, que deve acompanhar o processo quando este vai com vista, pelo prazo de 10 dias, a cada um dos juízes da secção (artigo 79º-B, nº 1). Esse memorando ou projecto de acórdão será objecto de discussão pelos juízes da secção e será a partir desse debate que se formará a decisão do Tribunal.

 

Esquema do recurso de Constitucionalidade (documento em formato PDF)

 

4 - Debate

O processo constitucional é um processo escrito, não estando previstas quaisquer formas de intervenção oral das partes. Os “textos” que constituem esse processo são, no essencial, o requerimento de interposição do recurso, que deve conter os elementos previstos no artigo 75º-A, da LTC, as alegações de recurso que, nos termos do artigo 79º da LTC, são sempre produzidas no Tribunal Constitucional e, eventualmente, a resposta ao “despacho-convite” do relator a que se refere o nº 5 do artigo 75º-A da LTC. 

 

 

 

5 - Órgãos da justiça constitucional

A fiscalização concreta da constitucionalidade em Portugal assenta, como vimos ( [80] ), num esquema original de “repartição de competências” entre o Tribunal Constitucional e os outros tribunais. Estes procedem, numa primeira fase, à fiscalização concreta da constitucionalidade nos feitos que lhes são sujeitos a julgamento, seja por iniciativa das partes, seja pela sua própria iniciativa. Os tribunais (todos os tribunais) podem, pois, recusar-se a aplicar normas com fundamento em inconstitucionalidade. O exercício deste poder-dever está expresso no artigo 204º da CRP: “Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”. Das decisões dos tribunais em matéria de constitucionalidade cabe sempre recurso para o Tribunal Constitucional, que é, nos termos do artigo 221º da CRP, “o tribunal ao qual compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional”. O sistema de controlo é, assim, um sistema original: diferentemente do que acontece com outros sistemas dotados de tribunal constitucional, os tribunais comuns também têm acesso directo à Constituição, dispondo de competência plena para julgarem e decidirem as questões suscitadas ( [81] ); mas, diversamente dos sistemas de judicial review, as decisões dos tribunais da causa são recorríveis para um tribunal constitucional específico, exterior à jurisdição ordinária ( [82] ).

 

No âmbito do controlo concreto, órgãos da justiça constitucional são, pois, todos os tribunais portugueses [tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, tribunais militares ( [83] ), Tribunal de Contas, tribunais da organização judiciária de Macau] e, em última linha, o Tribunal Constitucional, que se configura como um supremo tribunal em matéria de constitucionalidade. A natureza jurisdicional do Tribunal Constitucional não oferece dúvidas. Desde logo, porque a CRP o integra na enumeração das diferentes categorias de tribunais (CRP, artigo 209º) e, depois, porque o qualifica como “o tribunal ao qual compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional” (CRP, artigo 221º, itálico acrescentado).

 

            Em regra, o julgamento dos recursos em fiscalização concreta realiza-se em secção, nos termos do nº 1 do artigo 70º da LTC ( [84] ). No entanto, o Presidente do Tribunal pode, com a concordância do Tribunal, determinar que o julgamento se faça com intervenção do plenário, quando considerar necessário para evitar divergências jurisprudenciais ou quando tal se justifique em razão da natureza da questão a decidir, caso em que o processo irá com vista, por 10 dias, a cada um dos juízes que ainda o não tenham examinado, com cópia do memorando, se este já tiver sido apresentado. Tratando-se de recursos interpostos em processo penal, tal faculdade deve ser exercida antes da distribuição do processo, podendo nos restantes casos ser exercida até ao momento em que seja ordenada a inscrição do processo em tabela para julgamento (LTC, artigo 79º-A). O artigo 79º-D da LTC prevê ainda, na sequência do nº 3 do artigo 224º da CRP, o recurso para o plenário em caso de divergências jurisprudenciais entre as secções no que respeita a questões de constitucionalidade ou de legalidade.

 

O controlo concreto de constitucionalidade é um controlo incidental ( [85] ). Como decorre do artigo 204º da Constituição (“Nos feitos submetidos a julgamento...”), a questão da inconstitucionalidade tem, no processo em que surge, natureza incidental, nunca surgindo como o objecto principal do processo. Mas isso não significa que, em algumas ocasiões, a questão de constitucionalidade não acabe por ser, afinal, a questão fundamental para a decisão da causa ou a única questão de direito a decidir. Um exemplo expressivo é o do acórdão nº 86/90: num processo especial de recuperação de empresa, o juiz proferiu despacho determinando que os três maiores credores adiantassem os honorários do administrador judicial, ao abrigo de uma norma de um decreto-lei de 1986. Um dos credores interpôs recurso desse despacho para o Tribunal da Relação, invocando a inconstitucionalidade dessa norma,  e, tendo-lhe sido negado provimento, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, que julgou a norma inconstitucional, concedendo provimento ao recurso. O Ministério Público interpôs recurso (obrigatório) desta decisão para o Tribunal Constitucional, que, pelo acórdão nº 86/90, se pronunciou pela não inconstitucionalidade. Na sequência desta decisão, o Supremo Tribunal de Justiça, reformando o seu anterior acórdão, negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida. A questão de constitucionalidade assumiu-se, pois, como a única questão a decidir em todo o processo, mas isso não invalida, como é evidente, a ideia de que o controlo concreto é um controlo incidental ( [86] ).

 

 

6 - Normas impugnáveis

Em Portugal, o controlo de constitucionalidade é um controlo de normas jurídicas. As normas objecto dos diferentes tipos de fiscalização de constitucionalidade podem constar de lei ou de outros actos normativos do poder público. O Tribunal tem afirmado, através de uma reiterada jurisprudência, que o controlo de constitucionalidade é um controlo de normas, não um contencioso de decisões, seja qual for a sua natureza ( [87] ). Em traços gerais, encontram-se sujeitas ao controlo do Tribunal Constitucional as normas constantes de:

 

– tratados internacionais e acordos sob forma simplificada;

 

– actos legislativos ou com força de lei: leis da Assembleia da República, decretos-lei do Governo, decretos legislativos regionais; diplomas de natureza legislativa emanados dos órgãos de governo do Território de Macau até 1999 ( [88] );

 

– actos de natureza regulamentar, provenientes do Governo, dos governos regionais das regiões autónomas, dos órgãos de poder local, de certos magistrados administrativos (caso dos governadores civis nos distritos de Portugal continental), de certas pessoas colectivas públicas com poderes regulamentares, e mesmo de certas entidades não públicas, em certos casos, desde que lhes sejam atribuídos poderes normativos públicos ( [89] ).

 

            Para  efeitos de determinação do objecto do controlo, o Tribunal utiliza um conceito muito amplo de norma, recorrendo a um critério simultaneamente funcional e formal ( [90] ). Como vem referindo o Tribunal, em jurisprudência uniforme e constante, são “normas” quaisquer actos do poder público que contiverem uma “regra de conduta” para os particulares ou para a Administração, um “critério de decisão” para esta última ou para o juiz ou, em geral, um “padrão de valoração de comportamento”. Trata-se, pois, de um conceito simultaneamente formal e funcional de norma, que não abrange somente os preceitos de natureza geral e abstracta, antes inclui quaisquer normas públicas, de eficácia externa, independentemente do seu carácter geral e abstracto ou individual e concreto e, bem assim, de possuírem, neste último caso, eficácia consumptiva (isto é, quando seja dispensável um acto de aplicação) ( [91] ). Com base nesse critério, o Tribunal admitiu fiscalizar a constitucionalidade de:

 

– leis-medida e leis individuais e concretas ( [92] );

– tratados-contratos internacionais ( [93] );

– resoluções da Assembleia da República que suspendiam a vigência de decretos-lei;

  assentos do Supremo Tribunal de Justiça ( [94] );

  acórdãos uniformizadores de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, emitidos nos termos do artigo 437º do Código de Processo Penal de 1987 ( [95] );

  normas criadas pelo intérprete “dentro do espírito do sistema” (artigo 10º, nº 3 do Código Civil) para preencher lacunas da lei ( [96] );

  regulamentos estabelecidos por tribunais arbitrais voluntários ( [97] );

  actos específicos ou sui generis, como os que fixam as regras necessárias ao funcionamento e organização da Assembleia da República, fruto de autonomia normativa interna ( [98] );

  normas constantes de convenções colectivas de trabalho, quando o poder público as estenda a terceiros através de portarias de extensão de regulamentação do trabalho ( [99] );

  regulamentos de empresas e de federações desportivas, quando sejam objecto de homologação ( [100] ).

 

            Considera-se ainda que são objecto de fiscalização de constitucionalidade as normas constantes dos estatutos de associações públicas, os regulamentos emitidos pelas associações públicas ou outras entidades privadas por devolução de poderes de entidades públicas (por exemplo, regulamentos produzidos por concessionários de obras ou serviços públicos) ( [101] ). De igual modo, parecem poder ser objecto de controlo as normas consuetudinárias, na medida e nos domínios em que são admitidas como fonte de direito interno (cf. os artigos 3º, nº 1 e 348º do Código Civil) ( [102] ). Além disso, o Tribunal parece poder pronunciar-se sobre a constitucionalidade de normas jurídicas estrangeiras aplicáveis em Portugal por força de normas de conflitos portuguesas ( [103] ). Finalmente, parece poderem ser objecto de controlo as normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal faça parte, vigentes na ordem jurídica portuguesa por força do nº 3 do artigo 8º da CRP, e, bem assim, o costume internacional ( [104] ).

 

Por seu turno, não podem ser objecto de controlo pelo Tribunal Constitucional:

 

– os actos políticos stricto sensu (“actos de governo”) ( [105] );

 

– as decisões judiciais em si mesmas ( [106] );

 

– os actos administrativos ( [107] );

 

– os actos jurídico-privados, como os negócios jurídicos, os estatutos de associações privadas, sociedades e cooperativas ou fundações submetidas ao direito privado ( [108] ).

 

            A propósito das convenções colectivas de trabalho, gerou-se uma contradição jurisprudencial entre duas secções do Tribunal. O Tribunal já sustentou que não são normas, para efeitos de controlo de constitucionalidade, preceitos contidos em actos de autonomia privada ( [109] ). No que respeita às convenções colectivas de trabalho, a 2ª Secção considerou que, enquanto actos de autonomia privada, não poderiam ser sujeitas a fiscalização da constitucionalidade ( [110] ),  ao passo que a 1ª Secção adoptou o entendimento inverso ( [111] ). Mais recentemente, a 3ª Secção do Tribunal acolheu a tese de que as convenções colectivas de trabalho não são normas para efeitos da fiscalização de constitucionalidade ( [112] ).

 

É de salientar ainda que, apesar de não existir em Portugal um instituto do tipo “queixa constitucional” (Verfassungsbeschwerde), “recurso de amparo” ou “acção constitucional de defesa” contra actos não normativos, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem permitido, ainda que de forma lateral ou mitigada,  alcançar alguns dos efeitos desse instituto, designadamente quando admite a sindicabilidade das normas com uma determinada interpretação - a interpretação acolhida na decisão recorrida. Na verdade, como o Tribunal vem observando, através de uma abundante e reiterada jurisprudência, a questão de constitucionalidade tanto pode respeitar a uma norma (ou a uma parte dela) como também à interpretação ou sentido com que foi tomada no caso concreto e aplicada (ou desaplicada) na decisão recorrida ( [113] ).

 

Contudo, nem sempre é fácil distinguir as situações em que se está perante uma questão de inconstitucionalidade normativa numa dada interpretação e as situações em que se está já a controlar a decisão judicial em si mesma (ou seja, em que tem lugar, por essa via, um verdadeiro “amparo constitucional”). Ainda recentemente, o Tribunal Constitucional viu-se confrontado com esse problema, a propósito de uma interpretação de uma norma do Código Penal, não tendo o Tribunal chegado a determinar - por entender que não era necessário - se o objecto do recurso era efectivamente essa norma do Código Penal ou antes uma norma construída pelo julgador através de um processo de integração de lacuna por analogia, nos termos do artigo 10º, nºs. 1 e 2, do Código Civil ( [114] ).

 

Além disso, deve observar-se que podem ser objecto de controlo apenas partes de um mesmo preceito normativo, quando este contém mais de uma norma, ou mesmo, quando o preceito contém uma única norma, se só estiver em causa uma parte ou um segmento ideal da norma. São frequentes, quer na fiscalização concreta, quer na fiscalização abstracta, as decisões de inconstitucionalidade parcial. Como refere Luís Nunes de Almeida, o Tribunal Constitucional “não só já admitiu que a parte inconstitucional pode corresponder a um segmento ou secção ideal do preceito [ [115] ] como ainda admitiu que é possível distinguir entre inconstitucionalidade parcial horizontal ou quantitativa e inconstitucionalidade parcial vertical ou qualitativa [ [116] ]” ( [117] ). A inconstitucionalidade parcial horizontal ocorre quando um preceito possui uma norma com partes distintas, em que só uma está afectada por inconstitucionalidade e em que a decisão de inconstitucionalidade opera por cisão ou expurgação de uma expressão verbal distinta; por seu turno, a inconstitucionalidade parcial vertical ocorre quando a mesma norma abrange várias situações ou categorias  de destinatários, sendo inconstitucional só quanto a uma dessas situações ou categorias, não autonomizadas na previsão normativa ( [118] ).

 

Finalmente, deve esclarecer-se que, se o Tribunal não está vinculado à “qualificação” do tribunal a quo ( [119] ), está, todavia, limitado pelas normas que constituem o objecto do recurso. Nos termos do artigo 79º-C da LTC, “o Tribunal só pode julgar inconstitucional ou ilegal a norma que a decisão recorrida, conforme os casos, tenha aplicado ou a que haja recusado aplicação”. No entanto, o julgamento de inconstitucionalidade ou de ilegalidade pode fazer-se “com fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais ou legais diversos daqueles cuja violação foi invocada” (LTC, artigo 79º-C, in fine). Ou seja, o Tribunal está limitado pelas normas que constituem o objecto do recurso, mas não vinculado à qualificação do vício ou aos fundamentos invocados pela decisão recorrida [no caso do artigo 70º, nº 1, alínea a)] ou pelas partes [no caso do artigo 70º, nº 1, alínea b)].

 

 

7 - Efeitos das decisões

            Nos termos do artigo 2º da LTC, as decisões do Tribunal Constitucional são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as dos restantes tribunais e de quaisquer outras entidades. Por isso, se um tribunal aplicar uma norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo Tribunal Constitucional cabe recurso dessa decisão para o Tribunal - recurso que é obrigatório para o Ministério Público [CRP, artigo 280º, nº 5; LTC, artigo 70º, nº 1, alínea g), e artigo 72º, nº 3].

 

            Na fiscalização concreta da inconstitucionalidade (e de certas formas particulares de “ilegalidade qualificada”), as decisões do Tribunal Constitucional são unicamente obrigatórias no caso (eficácia inter partes). O Tribunal pode, assim, confirmar a decisão recorrida (se aceitar o entendimento nela perfilhado quanto à questão de constitucionalidade) ou, em princípio, revogar a decisão recorrida (na hipótese inversa) (LTC, artigo 80º) ( [120] ). Neste último caso, a competência do Tribunal é puramente cassatória, não se emitindo qualquer declaração genérica, com eficácia erga omnes, sobre a validade da norma ( [121] ). Além disso, se o juízo de constitucionalidade ou de legalidade sobre a norma que a decisão recorrida tiver aplicado, ou a que tiver recusado aplicação, se fundar em determinada interpretação da mesma norma, esta deve ser aplicada com tal interpretação no processo em causa (LTC, artigo 80º, nº 3).

 

            Um problema que se coloca a este propósito é o de saber se o Tribunal dispõe de meios para controlar o modo como são aplicadas as suas decisões pelo tribunal recorrido. Trata-se de indagar, pois, o seguinte: se o Tribunal revogar a decisão recorrida e ordenar a sua reformulação em harmonia com o decidido quanto à questão de constitucionalidade, caberá novo recurso para o Tribunal dessa nova decisão? O problema reveste-se de elevado interesse prático. É que, apesar de existir um generalizado respeito pelas decisões do Tribunal Constitucional por parte dos outros tribunais ( [122] ), não são de descurar os riscos de conflitos entre ambos ( [123] ).

 

            As decisões do Tribunal Constitucional fazem, no respectivo processo, caso julgado formal, impedindo que a questão venha a ser retomada de novo nesse processo quando não possa mais ser impugnada (por exemplo, através de arguição de nulidade em certo prazo). Por outro lado, a decisão do Tribunal constitui caso julgado material no processo quanto à questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade suscitada (LTC, artigo 89º, nº 1).

 

            Deve ainda referir-se que, se a decisão do Tribunal divergir de anterior decisão quanto à questão de constitucionalidade ou de legalidade sobre a mesma norma ( [124] ), as partes podem recorrer para o plenário e o Ministério Público está mesmo obrigado a fazê-lo, desde que tenha tido intervenção no processo como recorrente ou recorrido (LTC, artigo 79º-D, nº 1).  O Tribunal já considerou, como vimos ( [125] ), que, não tendo tido intervenção no processo como recorrente ou recorrido, não possui o Ministério Público legitimidade para interpor o recurso a que se refere o artigo 79º-D da LTC (recurso para o plenário para uniformização de jurisprudência) ( [126] ).

 

            Por outro lado, se a mesma norma tiver sido julgada inconstitucional ou ilegal em 3 casos concretos, o Tribunal Constitucional, por iniciativa de qualquer dos seus juízes ou do Ministério Público, promoverá a organização de um processo de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade ou da legalidade [LTC, artigo 82º]. Com efeito, nos termos do artigo 281º, nº 3, da CRP, o Tribunal Constitucional pode apreciar e declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade de qualquer norma, desde que tenha sido por ele julgada inconstitucional ou ilegal em três casos concretos. A expressão “pode” demonstra já que o juízo de generalização da inconstitucionalidade não se produz automaticamente - a existência de três “decisões concretas” no sentido da inconstitucionalidade (ou da ilegalidade) é um pressuposto da abertura de um processo de fiscalização abstracta sucessiva, mas não obriga o Tribunal Constitucional a declarar a inconstitucionalidade (ou a ilegalidade) com força obrigatória geral ( [127] ).

 

 

            8 - As decisões do Tribunal: estrutura, publicidade e estatística

            As decisões do Tribunal Constitucional são geralmente divididas em três partes: (1) o relatório, que contém uma exposição mais ou menos sucinta dos dados do processo relevantes para a decisão de constitucionalidade; (2) a fundamentação, onde se apresentam os argumentos que sustentam a decisão do Tribunal; (3) a decisão, que contém o enunciado sintético da decisão do Tribunal (“julga inconstitucional a norma x e ordena a reforma da decisão recorrida.../confirma a decisão recorrida”, “não julga inconstitucional a norma y, confirmando/revogando a decisão recorrida...”).

 

            No que respeita à publicidade das decisões, cumpre referir:

 

– as decisões do Tribunal são notificadas às partes;

 

– as decisões do Tribunal que declarem a inconstitucionalidade ou ilegalidade de uma norma são registadas em livro próprio e delas é guardada cópia, autenticada pelo secretário, no arquivo do Tribunal (LTC, artigo 81º);

 

– as decisões do Tribunal Constitucional são publicadas no jornal oficial, Diário da República [CRP, artigo 119º, nº 1, alínea g)]; nos termos do artigo 3º da LTC são publicadas na 2ª série do Diário da República as decisões do Tribunal em matéria de fiscalização concreta, salvo as de natureza meramente interlocutória ou simplesmente repetitivas de outras anteriores;

 

– são publicados no Boletim do Ministério da Justiça todos os acórdãos do Tribunal Constitucional com interesse doutrinário, cabendo a selecção ao presidente (LTC, artigo 115º, nº 1);

 

– o Tribunal promove a publicação dos seus acórdãos com interesse doutrinário em colectânea anual (LTC, artigo 115º, nº 2), tendo sido publicados até ao momento mais de trinta volumes da colectânea Acórdãos do Tribunal Constitucional;

 

– além destas formas de publicidade, os acórdãos do Tribunal transitados em julgado são “públicos”, podendo ser consultados na sede do Tribunal ou em diversas bases de dados jurídicas, públicas e privadas.

 

            Finalmente, importa fazer uma breve alusão aos principais problemas abordados pela jurisprudência constitucional. Apesar de relativamente recente, o Tribunal Constitucional produziu já uma jurisprudência de tal forma abundante e diversificada que inviabiliza uma análise sumária dos principais temas por ela abordados. Pode dizer-se que uma parcela significativa dos acórdãos proferidos em sede de fiscalização concreta se relacionam com a salvaguarda dos direitos fundamentais, mais do que com a organização do poder político ou a organização económica. De acordo com os diversos ramos de Direito, a estatística elaborada por ocasião do 10º aniversário do  Tribunal (e que cobre o período de 1983 a 1992) obteve os seguintes resultados no que respeita à fiscalização concreta:

 

            – Direito Laboral, Sindical e da Segurança Social - 25% do total de acórdãos;

            – Direito Judiciário - 17%;

            – Direito Processual Penal - 13%;

            – Direito Administrativo - 8%;

            – Direito Estradal - 7%;        

            – Direito Aduaneiro - 7%;

            – Direito Contra-ordenacional - 5%;

            – Direito Civil - 4%;

– Direito Comercial - 4%;

            – Direito Económico, Financeiro e Fiscal - 4%;

– Direito Penal - 4%;

            – Direito Processual Civil - 2%;

            – Direito Processual Laboral - 0,3% ( [128] ).

 

            É de supor que estas percentagens não se alteraram de modo significativo nos anos mais recentes.

 

 

9 - Interdição do uso indevido do recurso de constitucionalidade.

Instrumentos de promoção processual.

 

            A consagração de uma jurisdição constitucional autónoma e, consequentemente, de uma instância suplementar, envolve necessariamente o risco de utilização indevida do recurso de constitucionalidade, designadamente como expediente dilatório para evitar o trânsito em julgado das decisões judiciais ( [129] ). Basta referir, a título de exemplo, que os dados relativos aos primeiros dez anos de actividade do Tribunal permitem verificar que só numa percentagem relativamente reduzida de decisões – mais precisamente, em cerca de metade – se chegou efectivamente a conhecer do mérito dos recursos de constitucionalidade, devendo-se o “insucesso” dos restantes recursos, em larga medida, à ausência dos respectivos pressupostos de admissibilidade ( [130] ). Ora, é legítimo supor que uma parcela significativa dos recursos votados ao “insucesso” tem subjacente um uso indevido da fiscalização concreta e mesmo, em certos casos, de um uso com propósitos meramente dilatórios. Este panorama não se alterou nos tempos mais recentes da actividade do Tribunal (designadamente, não diminui sensivelmente a proporção entre os “acórdãos processuais” e os “acórdãos de mérito”), havendo mesmo quem afirme que existem indícios de uma tendência crescente para a utilização do recurso de constitucionalidade como mero expediente dilatório do trânsito em julgado das decisões judiciais ( [131] ).

 

            Por outro lado, o Tribunal tem vindo a confrontar-se com um número crescente de processos em todas as espécies de controlo de constitucionalidade. Basta referir que, nos seus primeiros dez anos de actividade (1983-1993), o Tribunal produziu 3.666 acórdãos e, só no triénio 1993-1996, produziu um número praticamente equivalente: 3.570 acórdãos ( [132] ). Por outras palavras, entre 1993 e 1996 o Tribunal produziu quase tantos acórdãos como entre 1983 e 1993. E é a fiscalização concreta que preenche de forma mais intensa a actividade do Tribunal: 96% do total das decisões proferidas no âmbito normativo entre 1993 e 1996 respeitaram ao controlo concreto da constitucionalidade ( [133] ). No seio da fiscalização concreta, os recursos facultativos de decisões que aplicam normas arguidas de inconstitucionais [artigo 70º, nº 1, alínea b)] têm vindo a sobrepor-se aos recursos obrigatórios do Ministério Público de decisões que recusam a aplicação de normas com fundamento em inconstitucionalidade [artigo 70º, nº 1, alínea a)]. Essa tendência começou a desenhar-se no período 1993-1996 em que, pela primeira vez desde o início da actividade do Tribunal, o número de recursos facultativos ultrapassou o dos recursos obrigatórios ( [134] ). Isto exprime, em síntese, uma tendência para uma maior utilização, pelos particulares que são parte nos processos judiciais, do recurso facultativo de constitucionalidade. A percentagem de êxito - isto é, de provimento (total ou parcial) -  desses recursos dos particulares é, no entanto, assaz reduzida, situando-se na ordem dos 17,4% (1995) e 10,4% (1996), o que contrasta bem com o sucesso dos recursos do Ministério Público (41% em 1995; 82% em 1996).

 

            Apesar deste acréscimo significativo de processos, importa salientar que, de acordo com os dados estatísticos disponíveis, o “tempo médio” de decisão dos recursos de constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional é sensivelmente idêntico ao tempo médio de decisão dos restantes tribunais e, bem assim, ao de instâncias congéneres europeias (como o Tribunal Constitucional de Espanha) ( [135] ). Situando-nos novamente no período 1993-1996, a duração média dos recursos nunca ultrapassou os 12 meses: foi de 10 meses em 1993, 12 meses em 1994 e 1995, e baixou drasticamente para 7 meses em 1996.

 

            Ainda assim, é indubitável que o uso indevido do recurso de constitucionalidade representa um factor de entorpecimento processual. Por esse motivo, a LTC prevê diversos mecanismos para ultrapassar esse problema: antes da entrada em vigor da Lei nº 13-A/98, destacava-se a possibilidade de o relator elaborar uma exposição preliminar de não conhecimento do recurso (ou de remissão para anterior jurisprudência do Tribunal), que posteriormente seria objecto de um acórdão da secção. A Lei nº 13-A/98 introduziu novos mecanismos, que serão analisados mais adiante.

 

Além disso, o Tribunal pode condenar as partes em multa e indemnização como litigante de má fé, nos termos da lei de processo, tendo já utilizado esse instrumento em diversas ocasiões  (LTC, artigo 84º, nº 6) ( [136] ). Por outro lado, o não conhecimento do recurso, por falta dos respectivos pressupostos de admissibilidade, dava lugar ao pagamento de custas judiciais (LTC, artigo 84º, nº 3).

 

Existem outros mecanismos para obviar àquilo que já se designou por “processos-massa” ( [137] ), ou seja, processos sobre a mesma questão de constitucionalidade que afluem em número significativo ao Tribunal:

 

(1) depois de proferido um acórdão, os acórdãos subsequentes limitam-se a remeter para a fundamentação do primeiro, que assim funciona como um “padrão” (este procedimento é utilizado sobretudo no âmbito da mesma secção, mas existem alguns exemplos de acórdãos que reproduzem ou remetem para a fundamentação de decisões proferidas pela outra secção do Tribunal) ( [138] );

 

(2) o Presidente faz intervir o plenário, nos termos do artigo 79º-A da LTC, e a decisão aí tomada vale como precedente persuasivo, sendo acatada pelos juízes que intervieram na discussão, ainda que acaso hajam manifestado discordância quanto à fundamentação e, mesmo, quanto ao sentido da decisão ( [139] );

 

(3) se existirem três decisões no sentido da inconstitucionalidade, qualquer dos juízes ou o Ministério Público podem desencadear o processo tendente à emissão de uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral (LTC, artigo 82º) que depois será aplicada, se for caso disso, a todos os processos que entretanto chegarem ao Tribunal.

 

Estes são, pois, alguns dos expedientes utilizados pela jurisdição constitucional  para enfrentar o afluxo de “processos-massa”. Mas, até à entrada em vigor da Lei nº 13-A/98, como em relação a cada um dos processos que chegavam ao Tribunal era sempre necessário proferir um acórdão, o número final de acórdãos sobre a mesma questão tornava-se desmesurado. Basta referir, por exemplo, que só entre 2 e 17 de Dezembro de 1992 o Tribunal proferiu 215 acórdãos, todos sobre a mesma questão ( [140] ).

 

            Porventura, os mecanismos instituídos não se afiguraram suficientes para alcançar o desiderato de uma justiça constitucional mais célere: a eventualidade do pagamento de custas não tem desincentivado os particulares de recorrerem ao Tribunal Constitucional, do mesmo modo que não são frequentes as condenações como litigante de má fé e são raras as situações em que os recursos são rejeitados com o fundamento de que são manifestamente infundados ( [141] ). Por outro lado, a exposição preliminar do relator, nos termos do artigo 78º-A, não era capaz de, por si só, fazer terminar um processo, sendo sempre necessário tirar um acórdão a confirmá-la. Em face disto, a Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro (que alterou a LTC), introduziu novos instrumentos para obviar ao uso indevido do recurso de constitucionalidade ou, numa perspectiva mais ampla, para promover a celeridade da fiscalização concreta. São eles:

 

– o desdobramento do Tribunal em três secções não especializadas (LTC, artigo 41º);

 

– o alargamento da possibilidade de o Ministério Público se abster de interpor recurso de decisões conformes com a orientação que se encontre já estabelecida, a respeito da questão em causa, em jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional (LTC, artigo 72º, nº 4);

 

– a previsão de que, se o recorrente não responder ao despacho-convite do relator no Tribunal a que se refere o artigo 75º-A da LTC, o recurso é logo julgado deserto (LTC, artigo 75º-A, nº 7);

 

– a previsão de uma “decisão sumária” do relator, quando este entender que não pode conhecer-se do objecto do recurso ou que a questão é simples, designadamente por a mesma já ter sido objecto de decisão anterior do Tribunal ou por ser manifestamente infundada, podendo tal “decisão sumária” consistir em simples remissão para anterior jurisprudência do Tribunal (LTC, artigo 78º-A, nº 1);

 

– a possibilidade de proferir “decisão sumária” quando o recorrente não preste todos os elementos a que se refere o artigo 75º-A da LTC (LTC, artigo 78º-A, nº 2);

 

– o alargamento ou maior especificação dos poderes do relator, nos termos do artigo 78º-B da LTC;

 

– a previsão de que o processo vai com vista aos restantes juízes da secção acompanhado do memorando ou projecto de acórdão elaborado pelo relator (LTC, artigo 79º-B, nº 1);

 

– a previsão segundo a qual, sendo manifesto que, com determinado requerimento, se pretende obstar ao cumprimento da decisão proferida no recurso ou na reclamação ou à baixa do processo, se observará o disposto no artigo 720º do Código de Processo Civil ( [142] ), mas só depois de pagas as custas contadas no Tribunal, as multas que este tiver aplicado e as indemnizações que houver fixado, se proferirá decisão no traslado (LTC, artigo 84º, nº 8);

 

– a previsão segundo a qual o Tribunal condenará em custas a parte que decair, nos recursos previstos nas alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70º em que conheça do respectivo objecto, quando o regime anterior só determinava o pagamento de custas quando o Tribunal não conhecesse do objecto do recurso.

 

            A grande inovação trazida pela Lei nº 13-A/98 foi, com efeito, a possibilidade de o processo terminar com uma “decisão sumária” do juiz relator ( [143] ). Até aí, o relator podia, como vimos, elaborar uma exposição preliminar de não conhecimento do recurso (ou de simples remissão para jurisprudência anterior do Tribunal), mas era sempre necessário produzir um acórdão, tirado por todos os juízes da secção. Para mais, o Tribunal possuía apenas duas secções, compostas por sete juízes cada uma, ao passo que actualmente dispõe de três secções, compostas por cinco juízes ( [144] ).

 

            Ainda é cedo para avaliar em rigor se esses instrumentos contribuíram efectivamente para um decréscimo da utilização abusiva do recurso de constitucionalidade. Sempre se dirá, no entanto, que alguns dados apontam para o sucesso de alguns dos mecanismos introduzidos pela Lei nº 13-A/98, de que se destacam as “decisões sumárias” do relator. Basta referir que um número apreciável de recursos foi objecto de decisões desse tipo mas, mais importante do que isso, basta referir que as reclamações deduzidas contra tais decisões, nos termos do artigo 78º-A, nº 3 da LTC, têm uma reduzidíssima taxa de sucesso: na esmagadora  maioria dos casos, a conferência têm confirmado a decisão sumária do relator. Além disso, o número de decisões que não são objecto de reclamação para a conferência é significativamente maior do que o número de reclamações, o que permite extrair a conclusão de que, em traços gerais, a “decisão sumária” do relator afigura-se um expediente útil para a promoção da celeridade dos recursos, tendo já permitido encerrar definitivamente, de uma forma rápida e eficaz, um conjunto muito apreciável de processos.


 

            III - O CONTROLO ABSTRACTO DA CONSTITUCIONALIDADE

            Dentro da fiscalização abstracta far-se-á sempre referência, distinguindo as situações, à fiscalização preventiva e à fiscalização abstracta sucessiva. É ainda de notar que apenas se trata do controlo da constitucionalidade (e de certas formas de legalidade qualificada) de normas, deixando assim de lado a fiscalização da inconstitucionalidade por omissão e outras competências do Tribunal Constitucional, nomeadamente, a fiscalização preventiva obrigatória dos referendos.

 

 

            1. Legitimidade

            O controlo preventivo da constitucionalidade (CRP, artigo 278º) é feito a requerimento do Presidente da República ou, tratando-se de diplomas regionais, dos respectivos Ministros da República. No caso das leis orgânicas ( [145] ), o controlo preventivo também pode ser requerido pelo Primeiro-Ministro ou por 1/5 dos deputados à Assembleia da República em efectividade de funções (CRP, artigo 278º, nº 4) ( [146] ).

 

No âmbito da fiscalização abstracta sucessiva, dispõem de legitimidade activa o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República, o Primeiro-Ministro, o Provedor de Justiça, o Procurador-Geral da República ( [147] ), um décimo dos deputados à Assembleia da República e, quando o pedido de declaração de inconstitucionalidade se fundar em violação de direitos das Regiões Autónomas ou quando o pedido de declaração de ilegalidade se fundar em violação do estatuto da respectiva região ou de lei geral da República, os Ministros da República, as assembleias legislativas regionais, os respectivos presidentes ou um décimo dos seus deputados, e os presidentes dos governos regionais.

 

Esta enumeração é taxativa: a legitimidade é restrita a estas instituições públicas.  Refira-se, por exemplo, que, no acórdão nº 732/95, o Tribunal não conheceu de um pedido de fiscalização abstracta sucessiva requerido por um sindicato, por falta de legitimidade do requerente.

 

            Como se vê, não está prevista nenhuma forma de acção popular de inconstitucionalidade: os cidadãos não têm acesso directo ao Tribunal Constitucional no controlo abstracto da constitucionalidade (ou legalidade), o qual apenas pode ser desencadeado pelas entidades públicas apontadas, as quais não têm que invocar ou demonstrar um interesse próprio ou legítimo para apresentar um pedido.

 

No entanto, é frequente que os pedidos apresentados por certas entidades (nomeadamente, aquelas cuja acção se destina prioritariamente à defesa dos direitos dos cidadãos, como, por exemplo, o Provedor de Justiça) surjam na sequência de solicitações nesse sentido de cidadãos ou grupos de cidadãos, ao abrigo do direito de petição (cf. artigo 52º, nº 1, CRP). Mas, mesmo nesses casos, não se pode dizer que tais entidades actuam apenas para defender direitos alheios, pois a iniciativa de requerer a fiscalização está ordenada sobretudo para a defesa (objectiva) da ordem constitucional. E, além disso, como o Tribunal afirmou ( [148] ), nenhuma dessas entidades pode actuar como uma mera "ponte" entre os cidadãos e o Tribunal, mas tem que assumir como verdadeiramente seus os pedidos de declaração da inconstitucionalidade que apresente.

 

Para além disso, nos processos de “generalização” ( [149] ) (cf. artigo 281º, nº 3, CRP) - que são, para todos os efeitos, processos de fiscalização abstracta sucessiva  - dispõem ainda de legitimidade activa, nos termos do artigo 82º LTC, os representantes do Ministério Público no Tribunal Constitucional ( [150] ) - o Procurador-Geral da República ou, por delegação deste, o Vice-Procurador-Geral ou os Procuradores-Gerais Adjuntos - e qualquer dos Juízes do Tribunal Constitucional ( [151] ).

 

            Recentemente, tanto a doutrina ( [152] ) como alguns partidos políticos sugeriram o alargamento do leque das entidades com legitimidade processual activa na fiscalização abstracta sucessiva: na recente revisão constitucional de 1997 foram apresentadas, sem êxito, propostas de extensão daquela legitimidade a grupos de cidadãos eleitores (5000, no projecto do Partido Socialista, 10000, no projecto do Partido Comunista Português, ou um número a determinar por lei, no projecto de "Os Verdes"), aos grupos parlamentares (projecto do PCP), ao Bastonário da Ordem dos Advogados (projecto de alguns deputados do Partido Social Democrata), e a qualquer deputado (projecto de "Os Verdes").

 

 

            2. Objecto do pedido

O controlo preventivo incide sobre normas contidas em diplomas provenientes da Assembleia da República e do Governo, incluindo as convenções internacionais aprovadas por estes órgãos (artigo 278º, nº 1, CRP), e normas contidas em diplomas regionais aprovados pelas assembleias legislativas regionais dos Açores e da Madeira (artigo 278º, nº 2, CRP).

 

É de notar que o controlo preventivo é um controlo exclusivamente de constitucionalidade.

 

As  normas que podem ser objecto desse controlo são:

 

- a pedido do Presidente da República, normas constantes de tratado internacional que lhe seja submetido para ratificação, de decreto que lhe tiver sido enviado para promulgação como lei ou como decreto-lei ou de acordo internacional cujo decreto lhe tenha sido remetido para assinatura (artigo 278º, nº 1, CRP);

 

- a pedido dos Ministros da República, normas constantes de decreto legislativo regional ou de decreto regulamentar de lei geral da República que lhes tenham sido enviados para assinatura (artigo 278º, nº 2, CRP);

 

- a pedido do Primeiro-Ministro ou de um quinto dos deputados à Assembleia da República em efectividade de funções, normas constantes de decreto que tenha sido enviado ao Presidente da República para ser promulgado como lei orgânica (artigo 278º, nº 4, CRP).

 

Quanto à fiscalização abstracta sucessiva, o artigo 281º, nº 1, CRP, prevê que o Tribunal aprecie e declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade de quaisquer normas. Valem aqui as indicações que se deixaram a propósito do conceito de norma relevante para o controlo concreto ( [153] ).

 

Prevê-se ainda o controlo abstracto sucessivo de três formas específicas de ilegalidade:

 

a) - ilegalidade de quaisquer normas constantes de acto legislativo com fundamento em violação de lei com valor reforçado ( [154] );

 

b) - a ilegalidade de quaisquer normas constantes de diploma regional com fundamento em violação do estatuto da região ou de lei geral da República;

 

c) - a ilegalidade de quaisquer normas constantes de diploma emanado dos órgãos de soberania com fundamento em violação dos direitos de uma região consagrados no seu estatuto.

 

Desta forma, o Tribunal Constitucional intervém, de forma indirecta, na composição de conflitos entre entes territoriais (Estado e Regiões Autónomas). que notar que as possibilidades de os órgãos das regiões autónomas suscitarem a intervenção do Tribunal Constitucional para dirimir tais conflitos é limitada pelo facto de a sua legitimidade processual activa ser restrita a certas normas e a certos fundamentos. Na verdade, as assembleias legislativas regionais, os seus presidentes, um décimo dos seus deputados, ou os presidentes dos governos regionais, só podem requerer a fiscalização abstracta sucessiva quando: a) o pedido de declaração de inconstitucionalidade se fundar em violação de direitos das Regiões Autónomas; ou b) o pedido de declaração de ilegalidade se fundar em violação do estatuto da respectiva região ou de lei geral da República - cf. artigo 281º, nº 2, g), CRP.

 

Note-se que, no respeito pelo princípio do pedido, um pedido de declaração de ilegalidade de certa norma não poderá ser convolado pelo Tribunal num pedido de apreciação da constitucionalidade da mesma norma ( [155] ). Está assim o Tribunal impedido de apreciar a constitucionalidade (e, eventualmente, declarar a inconstitucionalidade) de uma norma, quando apenas lhe foi pedido que aprecie a sua legalidade.

 

A Constituição prevê ainda, no seu artigo 281º, nº 3, que o Tribunal Constitucional aprecie e declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade (ou a ilegalidade) de qualquer norma, desde que tenha sido por ele julgada inconstitucional ou ilegal em três casos concretos. Trata-se, pois, de uma forma específica de controlo abstracto, assente numa “generalização” de julgamentos de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade). Na generalização, o Tribunal não se encontra vinculado pelas decisões proferidas em sede de fiscalização concreta: desde logo, porque os “três casos concretos” necessários à formulação de um pedido de “generalização” podem ter sido proferidos apenas por uma das secções do Tribunal, não se tendo ainda a outra secção pronunciado sobre a questão. Nestes termos, é possível que, apesar de o Tribunal se ter pronunciado, em sede de fiscalização concreta, pela inconstitucionalidade de uma norma, venha a adoptar atitude diversa no âmbito da fiscalização abstracta ( [156] ).

 

Do controlo normativo estão excluídos os actos políticos, os actos administrativos e os actos judiciais em si mesmo considerados. No entanto, foi defendido na doutrina um alargamento da intervenção do Tribunal, que abrangeria domínios como os de certos actos políticos ou da responsabilidade por actos legislativos ( [157] ).

 

As normas pré-constitucionais podem ser objecto de fiscalização da constitucionalidade, mas apenas no confronto com a Constituição de 1976 e não também com a Constituição de 1933 ou com leis constitucionais provisórias do período que vai do 25 de Abril de 1974 até à entrada em vigor da CRP ( [158] ).

 

As normas que podem ser objecto da fiscalização abstracta sucessiva têm de ser normas perfeitas, isto é, normas inseridas em diplomas em relação aos quais o processo legislativo já se completou plenamente ( [159] ).

 

No mesmo requerimento, podem cumular-se vários pedidos quanto a diferentes normas, constantes de diplomas diversos - designadamente, normas revogadas que seriam repristinadas no caso de declaração com força obrigatória geral da inconstitucionalidade ou ilegalidade das normas revogatórias ( [160] ).

 

 

3. Órgão de controlo da constitucionalidade

Enquanto na fiscalização concreta intervêm os tribunais em geral e o Tribunal Constitucional, a fiscalização abstracta é reservada, naturalmente, a este último: só ele, pois, intervém, como única instância, nessa modalidade. Além disso, enquanto na fiscalização concreta o Tribunal Constitucional, em regra, julga em secção os recursos para ele interpostos ( [161] ), na fiscalização abstracta - atentos os efeitos da decisão - julga em plenário [com a necessária intervenção, portanto, de todos os seus Juízes ( [162] )], nos termos do artigo 224º, nº 2, CRP.

 

 

            4. Questões formais de acesso ao processo

            Para que se possa pretender uma decisão do Tribunal Constitucional  necessário se torna que haja interesse processual nessa decisão. O interesse processual é, assim,  um requisito que vale também no controlo abstracto da constitucionalidade.

 

Os problemas principais colocam-se na fiscalização abstracta sucessiva. Como, nos termos do artigo 282º, nº 1, CRP, a declaração de inconstitucionalidade tem, em regra, uma eficácia invalidante (ex tunc), destruindo todos os efeitos produzidos medio tempore que se não tenham consolidado ( [163] ), e não apenas uma mera eficácia revogatória (ex nunc), há, em regra, como o Tribunal tem abundantemente repetido, interesse em conhecer da constitucionalidade de uma norma, mesmo revogada ou caduca, sempre que a mesma seja suporte de efeitos jurídicos carecidos de ser eliminados, por não se haverem ainda consolidado por caso julgado.

 

não será, no entanto, assim, se, para esse efeito, for excessivo lançar mão de um tal instrumento processual, por serem suficientes os meios individuais e concretos de defesa. Como, segundo o nº 4 do referido artigo 282º, o Tribunal pode, com base em exigências da "segurança jurídica, razões de equidade ou de interesse público de excepcional relevo", declarar a inconstitucionalidade com efeitos mais restritos do que os da eficácia invalidante, nomeadamente salvaguardando todos os efeitos produzidos pela lei medio tempore (o que equivale a declarar a inconstitucionalidade com efeitos apenas ex nunc), não há, nesse caso, interesse em conhecer da constitucionalidade de uma norma revogada ou caduca, sempre que o TC, num juízo prévio, conclua que se trata de um daqueles casos em que, a concluir-se pela inconstitucionalidade, seria de salvaguardar os efeitos já produzidos: o Tribunal “antecipa” uma eventual declaração de inconstitucionalidade e entende que sempre deveria limitar os seus efeitos, nos termos do artigo 282º, nº 4, CRP. Nesse caso, o conhecimento do pedido torna-se inútil: se o Tribunal viesse, porventura, a declarar a inconstitucionalidade, limitando os seus efeitos, essa declaração nunca poderia valer para o passado - porque, por um lado, não serviria para obstar às eventuais aplicações da norma que tivessem ocorrido e não tivessem sido judicialmente impugnados ou o houvessem sido, mas já existisse sentença transitada (artº 282º, nº 3, CRP) ( [164] ), e, por outro, o Tribunal havia decidido limitar os seus efeitos -  nem para o presente ou futuro (porque a norma já se encontraria revogada) ( [165] ).

 

Note-se que o "princípio do pedido" (artigo 51º, nº 5, LTC), impede, nos termos da repetida jurisprudência do Tribunal, que ele proceda à "convolação" do objecto do pedido na norma que substitui a norma revogada.

 

O Tribunal firmou, a este respeito, uma interpretação "rígida" desse princípio ( [166] ). Esta posição jurisprudencial  - segundo a qual é suficiente uma pequena mudança no suporte normativo de normas que se mantêm substancialmente inalteradas para se não poder conhecer do pedido de declaração da sua inconstitucionalidade na sua nova versão (rectius, no seu novo suporte normativo) -, significa, na prática, o reconhecimento de que cai sobre as entidades com legitimidade processual activa na fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade, cada vez que as normas objecto de um pedido de fiscalização abstracta sucessiva sofrem qualquer alteração - por pequena que seja -, o ónus de analisar juridicamente do alcance dessa alteração para o sucesso do seu pedido e, se for o caso e o pretendam, de apresentar - a todo o tempo - ao Tribunal pedido complementar de apreciação da constitucionalidade daquelas na sua nova versão ( [167] ), assim obviando a que o legislador possa "inutilizar" a fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade com uma mera renumeração dos preceitos legais em crise, sem alterar a sua substância.

 

Note-se ainda que o Tribunal não tem que interpretar literalmente  os pedidos, podendo restringi-los ou alargá-los (quando eles se não afigurem isentos de obscuridades) tendo em conta os dados que se recolham da argumentação expendida pelos requerentes.

 

Os pedidos de declaração de inconstitucionalidade que fazem referência a uma lei no seu todo mas não a determinadas normas desta não devem ser admitidos, se os  requerentes, depois de notificados para esse efeito, não tiverem suprido essa deficiência - falta de especificação das normas ( [168] ).

 

            A existência de decisão anterior sobre a questão apresentada ao Tribunal não impede a apreciação do pedido, excepto se ela tiver declarado com força obrigatória geral a inconstitucionalidade da norma. Se, ao invés, a decisão anterior não tiver “força obrigatória geral”, o Tribunal Constitucional pode voltar a apreciar as normas - inclusivamente a pedido do mesmo requerente ( [169] ) -, e até decidir em sentido contrário.

 

 

5. Tramitação do processo

O prazo para requerer a apreciação preventiva da constitucionalidade é de oito dias (artigo 278º, nºs 3 e 6, CRP) ( [170] ) e, nos termos do artigo 278º, nº 8, CRP, o Tribunal tem de se pronunciar no prazo de vinte e cinco dias. O Presidente da República, quando seja ele o requerente,  pode encurtar este prazo, por motivo de urgência ( [171] ).

 

Na fiscalização abstracta sucessiva não há qualquer prazo para apresentação do pedido. Ou seja: o pedido pode ser apresentado a todo o tempo, independentemente do período de vigência da norma em causa - artigo 62º, nº 1, LTC ( [172] ).

 

Os pedidos de fiscalização abstracta, preventiva ou sucessiva, são dirigidos ao Presidente do Tribunal e devem especificar as normas cuja apreciação se requer e as normas ou princípios constitucionais (ou legais, no caso da fiscalização sucessiva) violados (artigo 51º, nº 1, LTC).

 

O Presidente pode convidar o autor do pedido para suprir a falta ou insuficiente cumprimento deste dever de especificação (artigo 51, nº 3, LTC).

 

Recebida a resposta a este convite, se ele tiver sido feito, o Presidente decide sobre a admissão do pedido. Se entender que não deve ser admitido (por falta de legitimidade ou por incumprimento do dever de especificação, ou também, na fiscalização preventiva, por apresentação fora de prazo - artigo 52º, nº 1, LTC), o Presidente submete o processo ao plenário, que deverá decidir no prazo de 10 dias (2, no caso da fiscalização preventiva) - artigo 52º, nºs 2 e 3, LTC.

 

Se admitir o pedido (decisão que não impede o Tribunal de o vir rejeitar definitivamente - artigo 51º, nºs 2 e 4, LTC), o Presidente notifica o órgão autor da norma impugnada ( [173] ) para se pronunciar no prazo de 30 dias (3, no caso de fiscalização preventiva) - artigo 54º, LTC.

 

Na fiscalização preventiva, o processo é distribuído a um Juiz relator no prazo de 1 dia a contar da entrada do pedido,  o qual deve, em 5 dias, elaborar um memorando (tendo em conta também a resposta do autor da norma que entretanto lhe é comunicada) contendo o enunciado das questões a que o Tribunal deve dar resposta e a solução que para elas é proposta, acompanhada dos seus fundamentos; a todos os outros Juízes são imediatamente também entregues cópias de todo o processo e do memorando do relator (artigo 58º LTC).

 

O plenário deverá reunir no prazo de 10 dias a contar da entrada do pedido, mas a decisão não pode ser proferida antes de decorridos dois dias sobre a entrega do memorando a todos os juízes. Tomada a decisão, o relator (ou, se este ficar vencido, outro juiz) terá 7 dias para elaboração e apresentação do acórdão para a sua subsequente assinatura (artigo 59º, LTC).

 

Note-se que o Tribunal tem sempre cumprido escrupulosamente os prazos apertados a que a tramitação na fiscalização preventiva, como vemos, obedece.

 

Realce-se ainda que a desistência do pedido é admissível nos processos de fiscalização preventiva (artigo 53º LTC).

 

Na fiscalização abstracta sucessiva, recebida a resposta do autor da norma é entregue cópia de todo o processo aos Juízes acompanhada de um memorando do Presidente - onde são formuladas as "questões prévias e de fundo a que o Tribunal há-de responder" - e de quaisquer "elementos documentais reputados de interesse". O referido memorando (para cuja elaboração não foi definido nenhum prazo) é discutido no plenário (que só poderá reunir para esse efeito depois de decorridos 15 dias sobre a sua entrega), e, uma vez fixada "a orientação do Tribunal sobre as questões a resolver", o processo é distribuído a um relator sorteado ou, se o Tribunal assim o deliberar, designado pelo Presidente (artigo 63º LTC).

 

O relator tem 40 dias para elaborar, "de harmonia com a orientação fixada pelo Tribunal", projecto de acórdão, que será discutido e assinado em plenário a realizar pelo menos 15 dias depois da apresentação desse projecto (artigo 65º, nºs 1 e 2, LTC) ( [174] ).

 

Realce-se ainda que a lei prevê um mecanismo de "aceleração processual" de processos de fiscalização abstracta sucessiva ( [175] ): se o requerente o solicitar fundamentadamente, e se o órgão autor da norma concordar, o Presidente, ouvido o Tribunal, pode atribuir "prioridade à apreciação e decisão do processo" (cf. artigo 65º, nº 4, LTC) ( [176] ).

 

Das decisões em plenário, não há, obviamente, recurso.

 

Note-se ainda que a apresentação de um pedido de fiscalização abstracta sucessiva não suspende a vigência das normas objecto desse pedido. Nem o Tribunal a pode decretar. A este propósito, refira-se a questão que o Tribunal resolveu no Acórdão nº 200/98. O Supremo Tribunal de Justiça (STJ), após tomar conhecimento de que se encontrava pendente no Tribunal Constitucional um pedido de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade de uma lei de amnistia aplicável aos arguidos em determinado processo penal, decidiu suspender esse processo até à decisão do Tribunal Constitucional no referido processo de fiscalização abstracta. Fundamentou essa decisão no entendimento de que a decisão de constitucionalidade consubstanciaria uma questão prejudicial relativamente à decisão do recurso a correr termos no STJ. O Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a norma que tinha servido de fundamento à decisão do STJ (e revogou esta decisão), quando interpretada "no sentido de qualificar como 'acção' em que se controverte 'questão prejudicial própria' (relativamente à infracção que é objecto de processo penal perante os tribunais judiciais) o processo de fiscalização abstracta sucessiva pendente no Tribunal Constitucional, em que vem suscitada a questão da inconstitucionalidade da Lei que decretou uma amnistia aplicável aos arguidos naquela causa". Segundo o Tribunal, a interpretação realizada pelo STJ "esvazia de conteúdo o (...) poder‑dever dos tribunais de apreciarem a conformidade à Constituição das normas aplicáveis aos pleitos submetidos a juízo", "subverte verdadeiramente o sistema de fiscalização de constitucionalidade desenhado pela Constituição portuguesa" e "consagraria ainda um efeito do processo de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade não previsto pelo artigo 282º da Constituição, pois que, de acordo com tal interpretação, a pendência do processo passaria a  afectar a aplicabilidade da norma em causa".

 

O Tribunal encontra-se vinculado pelo princípio do pedido, não podendo conhecer da constitucionalidade de normas que não integrem o objecto do pedido. No entanto, pode fazê-lo "com fundamentação na violação de normas ou princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação foi invocada" (artigo 51º, nº 5, LTC). Ou seja, o princípio do pedido limita os poderes de cognição do Tribunal quanto ao pedido, mas já não quanto à causa de pedir.

 

Na fiscalização abstracta não há, logicamente, custas.

 

 

6. Debate e publicação

Também os processos de fiscalização abstracta são exclusivamente escritos, obedecendo à tramitação que ficou descrita. Não há audiências públicas, e a única entidade a ser ouvida é o órgão autor da norma impugnada. No entanto, o Tribunal tem recebido algumas vezes pareceres das mais diversas entidades, fazendo-os juntar aos autos e distribuir pelos seus membros: esta prática fundamenta-se claramente no artigo 64º-A da LTC ("O presidente do Tribunal, o relator ou o próprio Tribunal podem requisitar a quaisquer órgãos ou entidades os elementos que julguem necessários ou convenientes para a apreciação do pedido e a decisão do processo") e nos poderes inquisitivos que aí se conferem ao Tribunal ( [177] ).

 

As decisões do Tribunal são tomadas por maioria de voto dos juízes presentes, dispondo cada juiz de um voto (artigo 42º, nºs. 2 e 3, LTC) ( [178] ). Note-se que a votação incide sobre as diversas questões sobre as quais o Tribunal se deve pronunciar ( [179] ), e que o Tribunal tem entendido (embora o artigo 42º LTC não o estabeleça expressamente) que deve formar-se maioria não apenas quanto à decisão, mas também quanto à fundamentação ( [180] ). O que significa que, por exemplo, se 5 juízes entendem que certa norma é apenas organicamente inconstitucional, outros 5 julgam que é apenas materialmente inconstitucional e 3 consideram que não há qualquer inconstitucionalidade, como esses dois tipos de inconstitucionalidade se não podem somar, não chega a formar-se maioria quanto à fundamentação, acabando o Tribunal por decidir, a final, pela não inconstitucionalidade ( [181] ).

 

Sendo o Tribunal Constitucional composto por um número ímpar de 13 juízes, raras são as ocasiões em que se verificam empates na votação. Ainda assim, esse risco não é completamente eliminado. Por um lado, porque nem sempre é possível assegurar a presença de todos os juízes em todas as sessões do Tribunal, bastando a ausência de um só juiz para criar, de imediato, o risco de empate. Por outro lado, porque nem sempre os lugares de juízes se encontram todos preenchidos. Para obviar aos eventuais impasses criados por empates nas votações dos acórdãos, a LTC atribui ao Presidente do Tribunal - ou ao Vice-Presidente, quando o substitua - voto de qualidade, quer no plenário, quer em secção (artigo 42º, nº 3, LTC). Deve, salientar-se, no entanto, que raras vezes o Presidente foi obrigado a lançar mão do seu voto de qualidade.

 

Assinale-se, a este propósito, que não existe qualquer decisão do Tribunal Constitucional que, segundo a Constituição ou a lei, deva ser tomada por unanimidade.

           

A prática revela, no entanto, um elevado consenso no interior do Tribunal, bastando referir, a título de exemplo, que cerca de 56% dos acórdãos tirados em processos de fiscalização abstracta sucessiva, nos anos de 1983 a 1992, foram votados por unanimidade. Os dados da fiscalização concreta, por seu turno, revelam ainda maior consenso no seio do corpo de juízes do Tribunal Constitucional.

 

Por último, deve notar-se que os juízes podem formular votos de vencido (dissenting opinions) (artigo 42º, nº 4, LTC) e declarações de voto quanto à fundamentação (concurring opinions).

 

As decisões do Tribunal em fiscalização abstracta sucessiva são publicadas no Diário da República (Jornal Oficial). Na 1ª série, as decisões de acolhimento da questão de constitucionalidade, e na 2ª série as restantes - artigo 119º, nº 1, g), CRP), e artigo 3º, LTC. Note-se que é a publicação oficial da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral que determina o momento a partir da qual a norma inconstitucionalizada desaparece do ordenamento jurídico. Os acórdãos do Tribunal com interesse doutrinário (o que, no caso da fiscalização abstracta, significa todos, em regra) são ainda publicados no Boletim do Ministério da Justiça e na colectânea oficial de Acórdãos do Tribunal Constitucional (artigo 115º, LTC).

 

 

7. Decisão e seus efeitos

Na fiscalização preventiva, para além das decisões de natureza processual (v.g. não conhecimento do pedido), o Tribunal pode proferir uma de duas decisões em relação a cada uma das normas (ou segmentos de norma) que integram o pedido: pronunciar-se pela inconstitucionalidade ou não se pronunciar pela inconstitucionalidade.

 

            No caso de o Tribunal se pronunciar pela inconstitucionalidade, o Presidente da República (ou o Ministro da República) é obrigado a usar o veto (por inconstitucionalidade) e a devolver o diploma ao órgão que o tiver aprovado. O diploma não poderá ser promulgado ou assinado sem que o órgão que o tiver aprovado expurgue a norma julgada inconstitucional. Tratando-se, porém, de um diploma da Assembleia da República, pode esta confirmá-lo ( [182] ) por maioria de 2/3 dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados (cf. artigo 279º, nºs 2 e 4). Se o diploma vier a ser reformulado, poderá o Presidente da República ou o Ministro da República, conforme os casos, requerer a apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer das suas normas.

 

            Na fiscalização abstracta sucessiva, a decisão do Tribunal Constitucional pode ser positiva (declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade, com força obrigatória geral) ou negativa (rejeição da inconstitucionalidade ou da ilegalidade).

 

            As decisões de rejeição da questão de inconstitucionalidade não fazem caso julgado, podendo a mesma questão de constitucionalidade (ou ilegalidade) ser recolocada no futuro, quer em termos de fiscalização abstracta, quer em termos de fiscalização concreta. É que ao Tribunal Constitucional é atribuída competência para apreciar e declarar (ou não) a inconstitucionalidade e não para declarar a constitucionalidade de normas jurídicas ou para emitir uma declaração positiva da sua conformidade com a Constituição. As decisões de não declaração de inconstitucionalidade de uma norma jurídica não têm, assim, efeito preclusivo da possibilidade de ser novamente solicitada ao Tribunal Constitucional a apreciação e declaração da inconstitucionalidade da norma anteriormente não declarada inconstitucional ( [183] ).

 

            As declarações de inconstitucionalidade proferidas na fiscalização abstracta sucessiva têm força obrigatória geral (efeitos erga omnes) e traduzem-se na eliminação da norma do ordenamento jurídico.

 

            Quanto à questão dos efeitos temporais destas decisões, há que dizer que a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, com força obrigatória geral, tem eficácia ex tunc (efeitos retroactivos), ou seja, produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional (CRP, artigo 282º, nº 1). E, tratando-se de declaração de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade), com força obrigatória geral, de normas revogatórias, implica automaticamente ( [184] ) a repristinação das normas revogadas (CRP, artigo 282º, nº 1).

 

Quando a inconstitucionalidade ou a ilegalidade sejam supervenientes - ou seja, quando se trate da violação de uma norma constitucional ou de uma norma legal que tenha entrado em vigor posteriormente à emissão da norma sob controlo -, a declaração só produz efeitos a partir da data da entrada em vigor da norma constitucional ou legal violada (CRP, artigo 282º, nº 2).

 

Em qualquer hipótese, ficam ressalvados os casos julgados (ressalva geral e automática), salvo se o Tribunal decidir (declarando-o expressamente) em sentido diverso (afastando esta excepção e aplicando-se assim o regime regra dos efeitos retroactivos), quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido (CRP, artigo 282º, nº 3), em comparação com a norma ou normas a repristinar  (cf. artigo 282º, nº 1, CRP).

           

Discute-se na doutrina e na jurisprudência qual o alcance, neste contexto, da expressão “caso julgado”: abrangerá apenas as decisões judiciais transitadas em julgado (ou seja, já não susceptíveis de recurso) ou também incluirá outras decisões de órgãos públicos definitivamente firmadas na ordem jurídica, nomeadamente actos administrativos definitivamente consolidados (por já não serem susceptíveis de impugnação)? ( [185] ). Seja como for, o Tribunal Constitucional tem ao seu alcance um outro instrumento para “reduzir” ou “minorar” os efeitos das suas declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral: nomeadamente, mas não só, para as não “aplicar” a decisões administrativas definitivas (“caso decidido”). Trata-se do artigo 282º, nº 4, CRP.

 

Neste preceito, permite-se que o Tribunal restrinja o alcance dos efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade, quando tal for exigido pela segurança jurídica, por razões de equidade ou por razões de interesse público de excepcional relevo. A restrição de efeitos deverá ser devidamente fundamentada. Este preceito significa assim a atribuição ao TC de um amplo poder discricionário (delimitado pelos  fins definidos no artigo 282º, nº 4, CRP) de “modelação” dos efeitos das declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, afastando-os do regime previsto nos números anteriores desse artigo, de forma a prevenir possíveis efeitos "perversos" dessas declarações.

 

Esse afastamento pode consistir, por exemplo, na determinação de que a decisão não tenha efeito repristinatório ( [186] ) - por as eventuais normas a repristinar também se apresentarem como inconstitucionais -, ou só produza efeitos a partir da publicação oficial da decisão do Tribunal (ex nunc) ( [187] ).

           

Note-se contudo, que nunca até hoje o TC diferiu para o futuro os efeitos das decisões de inconstitucionalidade, em termos de a produção desses efeitos só ter o seu início num qualquer momento posterior ao da referida publicação. Esta posição jurisprudencial está aliás de acordo com o que sustenta a maior parte da doutrina – senão a sua totalidade – quanto às possibilidades acolhidas no nº 4 do artigo 282º ( [188] ).

 

Realce-se ainda, porém, que nem sempre o Tribunal encontrou razões para proceder à limitação de efeitos das suas declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, mesmo quando solicitado expressamente para tal ( [189] ).

 

 



[1] Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, alterada pelas Leis nºs. 143/85, de 26 de Novembro, 85/89, de 7 de Setembro, 88/95, de 1 de Setembro, e 13-A/98, de 26 de Fevereiro.

[2] Nos termos do artigo 112º, nº 3 da CRP, têm valor reforçado, além das leis orgânicas, as leis que carecem de aprovação por maioria de dois terços, bem como aquelas que, por força da Constituição, sejam pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por outras devam ser respeitadas. 

[3] Nos termos do artigo 112º, nº 5 da CRP, são leis gerais da República as leis e os decretos-leis cuja razão de ser envolva a sua aplicação a todo o território nacional e assim o decretem.

[4] O artigo 280º, nº 5, da CRP, e o 70º, nº 1, alínea g), da LTC contemplam ainda o recurso das decisões judiciais que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constituicional. O artigo 70º, nº 1, alínea h), da LTC prevê o recurso das decisões judiciais que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional pela Comissão Constitucional, nos precisos termos em que seja requerida a sua apreciação ao Tribunal Constitucional.

[5] Cf.. o artigo 163º, alínea i), CRP, e o artigo 19º LTC.

[6] Esta regra foi introduzida  na revisão constitucional de 1997. Antes, o mandato era de seis anos, renovável  (possibilidade que foi salvaguardada, transitoriamente, quanto aos juízes em funções à data da alteração).

[7] Cf. J. M. Cardoso da Costa, A jurisdição constitucional em Portugal, 2ª ed. revista e actualizada, Coimbra, 1992, pp. 14ss.

[8] Em virtude do preceituado no artigo 21º, nº 1, LTC, segundo o qual os juízes só cessam funções com a posse do juiz designado para ocupar o respectivo lugar, o período de exercício pode prolongar-se, na prática, por mais de que o tempo “legal” do mandato. Assim aconteceu, designadamente, com 11 dos juízes cujo mandato (então, de seis anos) terminou em 1995, mas se mantiveram em funções, nos termos da cláusula de prorrogatio do artigo citado, até Março de 1998.

[9] Entre outras, o saldo da gerência do ano anterior e o produto de custas e multas (ver artigo 47º-B LTC).

[10] Cf. igualmente o nº 4 do artigo 280º da CRP.

[11] Cf., neste sentido, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo II, 3ª ed., Coimbra, 1991, p. 450.

[12] Sobre a legitimidade das pessoas colectivas e dos estrangeiros, cf. o Relatório português à II Conferência da Justiça Constitucional da Ibero-América, Portugal e Espanha, policop., pp. 32 e ss..

[13] Cf. Guilherme da Fonseca e Inês Domingos, Breviário de direito processual constitucional, Coimbra, 1997, p. 18 (autores que, no entanto, se questionam sobre se o Ministério Público pode interpor esse recurso quando não é parte na causa); cf. ainda Mário Torres, “Legitimidade para o recurso de constitucionalidade”, Revista de Direito Público, ano VII, nº 13, p. 20 [considerando que “a noção de parte não pode ser restritivamente reconduzida à noção de ‘parte principal’ do processo civil, antes deve ser utilizada como abrangendo todo e qualquer interveniente processual que (...) tenha legitimidade para suscitar perante o tribunal ‘a quo’ a questão de inconstitucionalidade da norma que veio a ser aplicada na decisão recorrida”].

[14] Cf. acórdãos nºs. 636/94, 171/95 ou 1187/96.

[15] Cf. o acórdão nº 57/99.

[16] É ainda obrigatório para o Ministério Público, se intervier no processo como recorrente ou recorrido, o recurso para o plenário a que se refere o artigo 79º-D da LTC.

[17] A generalidade da doutrina concebe o recurso obrigatório do Ministério Público nesta situação (recusa de aplicação de normas com fundamento em inconstitucionalidade) como uma emanação de um princípio de favor legis; contudo, esta ideia foi contestada recentemente (cf. Rui Medeiros, A decisão de inconstitucionalidade. Os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da lei, Lisboa, 1999, pp. 70ss.).

[18] Esta jurisprudência foi firmada numa altura em que o Tribunal possuía apenas duas secções, mas aplica-se mutatis mutandis à configuração actual do Tribunal, que prevê a existência de três secções (cf. o artigo 41º, nº 1 da LTC, na redacção introduzida pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro).

[19] Cf. os acórdãos nºs. 230/87, 239/87, 248/87, 291/87, 306/87, 389/87 e 390/87.

[20] Cf. o acórdão nº 90/97.

[21] Cf. o acórdão nº 373/89.

[22] Cf. os acórdãos nºs. 3/83 e 100/85.

[23] Cf., sobre este problema, o acórdão nº 3/83.

[24] Cf., por exemplo, os acórdãos nºs. 194/87, 670/94, 126/95, 521/95 ou 366/96.

[25] Cf., por exemplo, os acórdãos nºs. 62/85, 90/85, 194/87, 46/88, 492/88, 273/90, 417/91, 164/92, 670/94, 126/95, 521/95 ou 366/96.

[26] Cf. o acórdão nº 144/92.

[27] Cf. o acórdão nº 334/92.

[28] Cf. os acórdãos nºs. 69/85, 339/86, 70/88, 38/90, 20/91, 205/92.

[29] Cf. os acórdãos nºs. 122/84, 250/86, 62/88, 431/89, 205/90, 324/92.

[30] Cf., a este propósito, Guilherme da Fonseca e Inês Domingos, Breviário..., cit., pp. 46ss.

[31] Cf. os acórdãos nºs. 136/85, 47/90, 51/90 e 54/91.

[32] Cf. o acórdão nº 94/88. Neste caso, a norma cuja inconstitucionalidade se questionava foi publicada depois da última intervenção processual do recorrente e antes de proferida a decisão.

[33] Cf. os acórdãos nºs. 61/92, 188/93, 181/96, 569/95 e 596/96. É o caso, por exemplo, em que o recorrente se viu confrontado com uma interpretação de todo em todo “anómala” ou “insólita” da norma, com a qual razoavelmente não podia contar: tendo sido surpreendido por essa interpretação, é compreensível que lhe não seja exigível suscitar antecipadamente a sua inconstitucionalidade. Mas e se, porventura, uma norma for alvo de várias interpretações (discutidas, por exemplo, na doutrina ou na jurisprudência)? Neste caso, se essas interpretações não forem “surpreendentes”, “insólitas” ou “desconhecidas”, o Tribunal considera que o recorrente tem o ónus de fazer um juízo de prognose e suscitar antecipadamente a questão de constitucionalidade. Segundo uma jurisprudência uniforme e reiterada do Tribunal, recai sobre as partes o ónus de analisarem as diversas possibilidades interpretativas susceptíveis de virem a ser seguidas e utilizadas na decisão e adoptarem as necessárias precauções, de modo a poderem, em conformidade com a orientação processual considerada mais adequada, salvaguardar a defesa dos seus direitos (cf., por exemplo, os acórdãos nºs. 479/89, 439/91,40/92, 118/92, 291/92, 263/92, 116/93, 605/94, 35/95, 38/95, 134/95, 367/96 ou 595/96). Algumas decisões do Tribunal já foram criticadas pela doutrina por supostamente exigirem uma conduta “supercautelosa” aos recorrentes - cf. Inês Domingos e Margarida Menéres Pimentel, "O recurso de constitucionalidade (espécies e respectivos pressupostos)", in AA.VV, Estudos sobre a jurisprudência do Tribunal Constitucional, Lisboa, 1993, pp. 448ss.

[34] Cf. os acórdãos nºs. 94/88 e 391/88.

[35] Cf. o acórdão nº 461/91. O artigo 75º-A, nº 5 da LTC prevê que, se o requerimento de interposição do recurso não contiver todos os elementos exigidos, o juiz convidará o recorrente a indicar os elementos em falta.

[36] Cf. o acórdão nº 2/96.

[37] Cf., por exemplo, os acórdãos nºs. 106/92, 612/94 e 342/95.

[38] Cf., por exemplo, os acórdãos nºs. 468/91, 469/91, 182/95.

[39] Cf. os acórdãos nºs. 232/92, 280/92, 281/92.

[40] Como referiu o acórdão nº 86/90, “o julgamento da questão de constitucionalidade desempenha sempre uma função instrumental, só se justificando que a ele se proceda se o mesmo tiver utilidade para a decisão da questão de fundo. Ou seja: o sentido do julgamento da questão da constitucionalidade há-de ser susceptível de influir na decisão da questão, pois de contrário estar-se-ia a decidir uma questão académica”. A jurisprudência do Tribunal a este respeito é abundantíssima; por mais recentes, cf. os acórdãos nºs. 114/99, 358/99, 378/99, 480/99 ou 490/99.

[41] Cf. os acórdãos nºs. 307/89, 324/94, 339/94 e 590/94.

[42] Cf. o acórdão nº 272/94.

[43] Recentemente, um Autor veio considerar que o sistema português de controlo da constitucionalidade se encontra excessivamente dominado pelo Tribunal Constitucional e propôs uma revalorização dos “elementos difusos” desse sistema e do papel dos outros tribunais na garantia da Constituição (cf. Rui Medeiros, A decisão..., passim).

[44] “Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados” - dispõe o artigo 204º da CRP.

[45] A decisão deve provir de um verdadeiro tribunal e não de um simples órgão de composição de conflitos – cf. os acórdãos nºs. 211/86, 230/96 ou 389/96; na doutrina, J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e teoria da Constituição, Coimbra, 1998, p. 876.

[46] Cf., neste sentido, Armindo Ribeiro Mendes, I Conferência da Justiça Constitucional da Ibero-América, Portugal e Espanha - Relatório de Portugal, separata do Boletim Documentação e Direito Comparado, nº 71/72, 1997, p. 743; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed. revista e actualizada, Coimbra, 1993, p. 1015; J. Miranda, Manual..., cit., p. 430.

[47] Cf. acórdãos nºs. 211/86 e 266/86.

[48] Cf. os acórdãos nºs. 214/90, 251/90 e 253/90. Refira-se que o Tribunal admitiu também a recorribilidade das decisões de recusas de vistos do Tribunal de Contas de Macau (cf. os acórdãos nºs. 75/95 e 76/95).

[49] Cf. os acórdãos nºs. 151/85 e 267/91; v. ainda o acórdão nº 92/87.

[50] Cf. o acórdão nº 466/95; cf., na doutrina, J. Miranda, Manual..., cit., p. 449; J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional..., cit., p. 876.

[51] Cf. os acórdãos nºs. 323/94 e 506/94; cf. o artigo 70º, nº 3 da LTC.

[52] Cf. o acórdão nº 14/86.

[53] Cf. a excepção da parte final do nº 1 do artigo 83º da LTC e o nº 3 do mesmo artigo.

[54] Esta exigência do nº 2 do artigo 83º da LTC deixou de fazer sentido após a publicação do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março. Com efeito, a partir da entrada em vigor desse Estatuto, todos os advogados (incluindo os estagiários) podem advogar em qualquer jurisdição, tendo desaparecido a exigência de um período de exercício da profissão (10 anos) para advogar junto do Supremo Tribunal de Justiça.

[55] Cf., entre outros, o acórdão nº 294/97; existe uma abundante jurisprudência do Tribunal sobre patrocínio obrigatório - cf., por exemplo, os acórdãos nºs. 245/97, 252/97, 332/97 ou 261/99.

[56] Sobre este conceito, cf. supra II.2.1.1. Refira-se que o Tribunal não conheceu de um recurso de uma desaplicação de uma norma de processo penal feita na declaração de voto de um juiz de um tribunal colectivo, justamente por considerar que se não tratava de uma “decisão judicial” (acórdão nº 62/95).

[57] Sobre este conceito, cf. supra II.2.1.2.

[58] Cf., por exemplo, os acórdãos nºs. 13/83, 27/84, 399/89, 429/89, 481/94, 637/94 ou 16/96.

[59] Cf. os acórdãos nºs. 13/83, 27/84 ou 429/89.

[60] Cf. o acórdão nº 62/84.

[61] Cf., por exemplo, os acórdãos nºs. 341/87, 419/89,14/91,206/92 ou 379/96.

[62] Cf., por exemplo, os acórdãos nºs. 19/83, 146/85 ou 150/92.

[63] Sobre este conceito, cf. supra II.2.1.1.

[64] Sobre este conceito, cf. supra II.2.1.2.

[65] A jurisprudência a este propósito é numerosíssima; por mais recentes, cf. os acórdãos nºs. 467/99, 471/99 ou 477/99.

[66] Sobre este conceito, cf. supra II.1.2.

[67] Cf. o acórdão nº 501/94; cf. Armindo Ribeiro Mendes, I Conferência..., cit., p. 745. A circunstância de o recurso ser “manifestamente infundado” dá lugar à elaboração de uma “decisão sumária” de não conhecimento do recurso, por parte do relator (LTC, artigo 78º-A, nº 1).

[68] Cf. o acórdão nº 373/89.

[69] Cf. os acórdãos nºs. 162/88, 284/94, 364/96.

[70] Cf. os acórdãos nºs. 82/92, 116/93 e 367/94.

[71] Cf. os acórdãos nº 88/86, 47/90 ou 235/90.

[72] Cf. o acórdão nº 318/90.

[73] Cf. os acórdãos nºs. 176/88, 114/89, 51/92, 764/93, 612/94, 126/95, 178/95, 243/95, 305/90 ou 238/94; cf. infra II.6.

[74] Cf. o acórdão nº 21/87. Há quem considere que a exigência de exaustão dos recursos ordinários acarreta um excessivo alongamento dos processos judiciais (cf. J. Miranda, Manual..., cit., p. 448, nota); outros consideram, pelo contrário, que a solução é adequada, até por razões de economia processual (cf. J. Matos Correia, R. Leite Pinto e F. Reboredo Seara, Direito Constitucional português vigente. A fiscalização da constitucionalidade e da legalidade, Lisboa, 1997, pp. 54-55).

[75] Cf. os acórdãos nºs. 8/88 e 282/95.

[76] Cf. Armindo Ribeiro Mendes, I Conferência..., cit., p. 745, nota 110; Guilherme da Fonseca e Inês Domingos, Breviário..., cit., pp. 52ss.; e os acórdãos nº s 181/93, 84/94, 214/94 e 411/94.

[77] Cf., no entanto, o artigo 75º, nº 2 da LTC.

[78] Cf., neste sentido, os acórdãos nºs. 402/93 e 462/94.

[79] Essa decisão é susceptível de reclamação para a conferência, nos termos do artigo 78º-B, nº 2, da LTC.

[80] Cf. supra II. 2.1.1.

[81] Neste sentido, já se afirmou, por exemplo, que em Portugal  “os juízes não são postos fora da Constituição” (cf. a intervenção parlamentar do Deputado Vital Moreira, in Diário da Assembleia da República, II Série, de 27-3-1982, p. 1330) ou que “justiça constitucional não é sinónimo de Tribunal Constitucional, pois (...) cabe a todos os tribunais, sem excepção, enquanto administram a justiça em nome do povo, serem também agentes privilegiados da função da justiça constitucional” [cf. António Vitorino, “A justiça constitucional - Notas sobre o futuro (possível?) da justiça constitucional”, Revista do Ministério Público, ano VI, nº 12, pp. 9-10].

[82] Cf. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição..., cit., p. 975.

[83] Refira-se que a revisão constitucional de 1997 extingiu os tribunais militares em tempo de paz; o artigo 213º da CRP prevê a constituição de tribunais militares durante a vigência do estado de guerra, com competência para o julgamento de crimes de natureza estritamente militar.

[84] Nos termos do nº 2 do artigo 224º da CRP, a lei pode determinar o funcionamento do Tribunal Constitucional por secções, salvo para o efeito da fiscalização abstracta da constitucionalidade e da legalidade. Antes da revisão constitucional de 1997, a CRP determinava que as secções do Tribunal não fossem especializadas, o que actualmente não sucede. No entanto, a LTC manteve a regra da não especialização das secções.

[85] Cf., neste sentido, J. Miranda, Manual..., cit., p. 439; importa salientar, todavia, que não se encontra consagrado um sistema de “mero incidente”. Como observa Gomes Canotilho, “trata-se de um verdadeiro sistema de judicial review e não de um sistema de ‘mero incidente’ de inconstitucionalidade. Neste, o juiz a quo, levantado o incidente de inconstitucionalidade, suspende os autos até à decisão da questão de inconstitucionalidade. No primeiro, os juízes, ao terem ‘acesso directo à constituição’ e pelo facto de o terem, julgam da constitucionalidade das normas (‘direito de exame’) e decidem, com competência plena, as questões de inconstitucionalidade, independentemente de recurso posterior para outros tribunais superiores ou para o Tribunal Constitucional” (cf. J. J. Gomes Canotilho, “Fiscalização da constitucionalidade e da legalidade”, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol. IV, Lisboa, 1991, p. 364).

[86] Mais controverso é o problema de saber se, no processo em que surge, a questão de constitucionalidade se configura como uma questão prejudicial - em sentido afirmativo, J. Miranda, Manual..., cit., p. 439; em sentido negativo, A. Rocha Marques, “O Tribunal Constitucional e os outros tribunais: a execução das decisões do Tribunal Constitucional”, in AA.VV., Estudos sobre a jurisprudência do Tribunal Constitucional, cit., p. 461; cf., ainda, J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional..., cit., p. 878.

[87] Cf. os acórdãos nºs. 605/94, 282/95, 521/95, 585/95, 20/96, 179/96.

[88] Refira-se que, pelo Decreto do Presidente da República nº 118-A/99, assinado em 17 de Março, os tribunais de Macau foram investidos na plenitude e exclusividade de jurisdição a partir de 1 de Junho de 1999.

[89] Cf. Armindo Ribeiro Mendes, I Conferência..., cit., p. 717; para um elenco mais detalhado, cf. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição..., cit., pp. 984ss. Estes autores integram no elenco dos actos normativos sujeitos a fiscalização de constitucionalidade: (1) as leis de revisão constitucional; (2) os instrumentos de direito internacional; (3) as normas emitidas por organizações internacionais de que Portugal faça parte; (4) os actos normativos do Presidente da República; (5) os actos legislativos em geral; (6) as resoluções normativas da Assembleia da República e das assembleias regionais; (7) os actos normativos da Administração; (8) os regimentos das assembleias; (9) os referendos; (10) os contratos e acordos colectivos de trabalho; (11) as normas consuetudinárias; (12) os assentos dos tribunais superiores [e, actualmente, os acórdãos uniformizadores de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça]; (13) as cláusulas compromissórias e os compromissos arbitrais; (14) os estatutos e regulamentos das associações públicas; (15) as normas produzidas por entidades privadas por devolução de entidades públicas; (16) as normas emitidas pelos órgãos de governo próprio de Macau, mas apenas nos termos do Estatuto Orgânico de Macau. Além disso, importa salientar que se encontram sujeitas ao controlo as normas preconstitucionais, normas ainda não existentes (na fiscalização preventiva), normas que já deixaram de estar em vigor (por revogação ou caducidade), normas de eficácia suspensa e normas de direito estrangeiro aplicáveis por efeito das regras de direito internacional privado; cf., no mesmo sentido, , J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional..., cit., pp. 824ss.

[90] Cf., por exemplo, os acórdãos nºs. 26/85, 150/86, 63/91 ou 659/95; sobre este critério, cf., por todos, a declaração de voto do Conselheiro Sousa e Brito no acórdão nº 172/93; na doutrina, J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional..., cit., pp. 822ss.; cf. a crítica ao conceito “funcional” de norma, por parte de J. Miranda, Manual..., cit., pp. 413ss., e de Rui Medeiros, A decisão..., cit., pp. 90ss.

[91] Cf., por último, F. Alves Correia, “A justiça constitucional em Portugal e Espanha. Encontros e divergências”, Revista de Legislação e de Jurisprudência, nº 3891, p. 164.

[92] Cf. os acórdãos nº 26/85 (normas de decretos-leis que extinguiam empresas públicas), nº 80/86 (norma que restringe o preenchimento de um lugar de escrivão de direito a ajudantes de escrivão constantes de uma lista nominativa e atribui a categoria de escrivão de 1ª classe aos ajudantes de escrivão constantes da mesma lista), nº 157/88 (normas que criam duas empresas de transportes marítimos).

[93] Cf. o acórdão nº 168/88.

[94] Cf. os acórdãos nºs. 40/84, 8/87, 340/90, 359/91, 299/95. Resta saber se poderão ser objecto de controlo os acórdãos proferidos nos termos dos artigos 732º-A e 732º-B do Código de Processo Civil revisto.

[95] Cf. o acórdão nº 279/95.

[96] Cf. acórdãos nºs. 150/86 e 264/98.

[97] Cf. o acórdão nº 150/86.

[98] Cf. o acórdão nº 63/91.

[99] Cf. os acórdãos nºs. 392/89, 249/90 e 431/91.

[100] Cf. os acórdãos nºs. 156/88 e 472/89.

[101] Cf. Armindo Ribeiro Mendes, I Conferência..., cit., p. 719.

[102] Cf. Armindo Ribeiro Mendes, I Conferência..., cit., p. 720.

[103] Cf. acórdãos nºs. 604/94 e 362/95.

[104] Cf., neste sentido, a declaração de voto do Conselheiro Sousa e Brito no acórdão nº 172/93, na doutrina, J. M. Cardoso da Costa, “O Tribunal Constitucional português e o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias”, in Ab Uno Ad Omnes – 75 Anos da Coimbra Editora, 1920-1995, Coimbra, 1998, pp. 1363ss.

[105] Cf. J. M. Cardoso da Costa, A jurisdição ..., cit., pp. 23-24. Na doutrina, Jorge Miranda admite a arguição da inconstitucionalidade de actos políticos “portadores de vícios de tal forma graves que da própria Constituição resulta serem juridicamente inexistentes” (Manual..., cit., p. 415).

[106] A jurisprudência do Tribunal a este respeito é abundantíssima; citem-se, por mais recentes, os acórdãos nºs. 403/99, 426/99, 439/99, 466/99 ou 489/99. No acórdão nº 413/94, explicitou-se o sentido dessa jurisprudência: “(...) uma decisão judicial não é uma norma, pelo menos no sentido em que o termo é usado pelo legislador constituinte naquele artigo 280º. É certo que, desde o exame crítico a que Kelsen sujeitou o sistema de conceitos usado pela teoria do direito, muitos autores passaram a aceitar um alargamento da noção tradicional de norma. Seja como for, porém, este Tribunal Constitucional tem uma jurisprudência reiterada e unânime no sentido de que no artigo 280º da Constituição o termo ‘norma’ não abrange as chamadas ‘normas jurisprudenciais’ (e muito menos as chamadas ‘normas doutrinárias’). Não cabe aí, portanto, recurso para a apreciação da constitucionalidade de decisões judiciais propriamente ditas, mas sim e apenas para a apreciação da constitucionalidade de normas gerais e abstractas”.

[107] O Tribunal já admitiu, no entanto, o controlo da constitucionalidade de actos administrativos contidos em lei formal - cf. o acórdão nº 26/85.

[108] O Tribunal vem sustentando que escapam ao seu poder de cognição as normas provenientes da autonomia privada, salvo quando decorrentes da atribuição de poderes ou funções públicas a entidades privadas - cf. os acórdãos nºs. 156/88, 157/88 e 472/89.

[109] As normas de um regulamento de uma empresa pública sobre a prevenção e combate do alcoolismo (acórdão nº 156/88); os estatutos de uma cooperativa (acórdão nº 92/94); as normas de estatutos e de um regulamento disciplinar de uma federação desportiva (acórdão nº 472/89).

[110] Cf. o acórdão nº 172/93; v. ainda os acórdãos nºs. 637/98 e 697/98. Na doutrina, Jorge Miranda apoia este entendimento (cf. Manual..., cit., p. 417).

[111] Cf. o acórdão nº 214/94. Na doutrina, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira sustentam que as convenções colectivas de trabalho são “normas” para efeitos de controlo de constitucionalidade (cf. Constituição..., cit., pp. 984ss.; v., ainda, J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional..., cit., pp. 826-827).

[112] Cf. o acórdão nº 284/99.

[113] Cf., por exemplo, os acórdãos nºs. 106/92, 151/94, 238/94, 612/94, 243/95, 342/95 ou 18/96.

[114] Cf. o acórdão nº 205/99 e a declaração de voto do Conselheiro Cardoso da Costa, considerando que nesse caso se não estava já perante uma questão de inconstitucionalidade “normativa”.

[115] Cf. o acórdão nº 143/85.

[116] Cf. o acórdão nº 12/84.

[117] Cf. L. Nunes de Almeida, A justiça constitucional no quadro das funções do Estado vista à luz das espécies, conteúdo e efeitos das decisões sobre a constitucionalidade das normas jurídicas, Lisboa, 1987, pp. 24-25. 

[118] Cf. Armindo Ribeiro Mendes, I Conferência..., cit., p. 750.

[119] Assim, o tribunal a quo  pode qualificar o vício como de ilegalidade e o Tribunal entender que se trata de inconstitucionalidade (ou vice-versa) ou pode qualificar o vício como de inconstitucionalidade material e o Tribunal entender que se trata de inconstitucionalidade orgânica ou formal (e vice-versa).

[120] Dizemos que o Tribunal pode “em princípio” revogar a decisão recorrida pois não é forçoso que isso aconteça – cf. os acórdãos nºs. 810/93, 376/94, 407/94 e 410/94. 

[121] Cf. J. M. Cardoso da Costa, A jurisdição..., cit., p. 57.

[122] Cf., neste sentido, A. Rocha Marques, “O Tribunal Constitucional...”, cit., pp. 453ss.; A. Monteiro Diniz, “A fiscalização concreta de constitucionalidade como forma privilegiada de dinamização do direito constitucional (o sistema vigente e o ir e vir dialéctico entre o Tribunal Constitucional e os outros tribunais)”, in AA.VV., Legitimidade e legitimação da justiça constitucional. Colóquio no 10º aniversário do Tribunal Constitucional, Coimbra, 1995, pp. 199ss.

[123] Cf., neste sentido, J. J. Gomes Canotilho, No “sexénio” do Tribunal Constitucional português. Para uma teoria pluralística da jurisdição constitucional no Estado constitucional democrático português, separata da Revista do Ministério Público, Lisboa, 1988, pp. 25-27; Miguel Galvão Teles, “A competência da competência do Tribunal Constitucional”, in AA.VV., Legitimidade..., cit., pp. 105ss., em esp. p. 125; Pedro Machete, O acesso dos cidadãos ao Tribunal Constitucional, policop., Lisboa, 1996, p. 27.

[124] Note-se que não há recurso para o plenário quando essa divergência disser respeito a questões processuais.

[125] Cf. supra II.1.1.

[126] Cf. o acórdão nº 57/99.

[127] Cf. J. M. Cardoso da Costa, A jurisdição..., cit., pp. 58-59.

[128] Cf. Tribunal Constitucional [publicação comemorativa do seu 10º aniversário], Lisboa, 1993.

[129] Este risco tem sido reconhecido pelos principais “actores” do nosso sistema judicial. Desde há muito que o Presidente do Tribunal vem chamando a atenção para esse problema e não deixou de o mencionar no discurso que proferiu na cerimónia comemorativa do 10º aniversário do Tribunal (cf. J. M. Cardoso da Costa, “Discurso de Sua Excelência o Presidente do Tribunal Constitucional”, in AA.VV., Legitimidade..., cit., p. 27); num encontro que realizou com a comunicação social em Julho de 1994, onde chegou a defender a necessidade de uma alteração da LTC para obviar aos recursos “sem bases sólidas” (cf. Diário de Notícias, de 29-7-1994, p. 9; Correio da Manhã, de 29-7-1994, p. 44; Jornal de Notícias, de 29-7-1994, p. 3; Expresso, de 30-7-1994, p. 13; O Diabo, de 2-8-1994, p. 13); e, bem assim, numa conferência na Faculdade de Direito de Coimbra (cf.. J.M. Cardoso da Costa, "Algumas reflexões em torno da justiça constitucional", in AA.VV, Perspectivas do Direito no início do Século XXI, Coimbra, 1999, pp. 127-128). Também o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em entrevista ao Jornal de Notícias de 27-1-1996, deixou afirmado: “Hoje, o TC está cheio de falsos recursos, que constituem sobretudo meios dilatórios (...)”. E, numa conferência na Faculdade de Direito de Coimbra, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Cardona Ferreira, defendeu expressamente a "reformulação do sistema de recursos (e seus efeitos) para o Tribunal Constitucional, com redução dos respectivos pressupostos e tendencial eliminação do recurso de acórdão final do STJ (podendo, em caso de recurso para o Supremo, este aguardar a prolação interlocutória de acórdão do Tribunal Constitucional)" - cf. "A Justiça nos Direitos Humanos", in AA.VV, Perspectivas..., cit., p. 159. Sobre a mesma temática, o Procurador-Geral da República, ao intervir nas Conferências Sobre Processo Penal da Faculdade de Direito da Universidade Católica (Maio de 1996), considerou que o actual sistema de recursos de constitucionalidade favorece os abusos e constitui um “factor de entorpecimento processual” (cf. a notícia publicada in O Correio da Manhã, de 19-5-1996, p. 40; cf. igualmente o discurso de Cunha Rodrigues na abertura do ano judicial in Jornal de Notícias, de 24-1-1996, e a opinião de Jorge Miranda, “A actividade do Tribunal Constitucional em 1993”, O Direito, ano 127º, 1995, p. 188). Na campanha eleitoral para as eleições legislativas de 1999, alguns partidos apresentaram propostas no sentido de reformulação do sistema de recursos para o Tribunal Constitucional (assim, por exemplo, o Partido Socialista defendeu a necessidade de se "limitar drasticamente a possibilidade de uso meramente dilatório dos recursos de constitucionalidade e outros, nomeadamente por revisão do seu efeito, quando suspensivo" - cf. Programa de Governo 1999-2003, p. 119).

[130] Cf. Inês Domingos e Margarida Menéres Pimentel, “O recurso...”, cit., pp. 429-430.

[131] Cf., neste sentido, António de Araújo, O Tribunal Constitucional (1989-1996). Um estudo de comportamento judicial, Coimbra, 1997, pp. 87-88.

[132] Cf. J. M. Cardoso da Costa, Comunicação à imprensa do Presidente do Tribunal Constitucional, policop., Lisboa, 1997, pp. 4-5.

[133] Cf. J. M. Cardoso da Costa, Comunicação..., cit., p. 8.

[134] Cf. J. M. Cardoso da Costa, Comunicação..., cit., p. 16.

[135] Cf. António de Araújo, O Tribunal..., cit., p. 88, nota 150.

[136] Cf. os acórdãos nºs. 762/96, 332/97, 57/98 ou 133/98.

[137] Cf. António de Araújo, O Tribunal..., cit., pp. 89ss.

[138] Após a alteração introduzida pela Lei nº 13-A/98, a existência de um “precedente” pode ser motivo para o juiz relator elaborar uma “decisão sumária”, nos termos do artigo 78º-A, nº 1 da LTC.

[139] Como refere Ribeiro Mendes (I Conferência..., cit., p. 125), trata-se de uma orientação interna que tem sido seguida pelo Tribunal a partir da alteração da LTC operada pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro.

[140] Cf. A. Rocha Marques, “O Tribunal...”, cit., p. 493.

[141] Cf., neste sentido, Armindo Ribeiro Mendes, I Conferência..., cit., p. 745.

[142] Dispõe o artigo 720º do Código de Processo Civil: “1 – Se ao relator parecer manifesto que a parte pretende, com determinado requerimento, obstar ao cumprimento do julgado ou à baixa do processo ou à sua remessa para o tribunal competente, levará o requerimento à conferência, podendo esta ordenar, sem prejuízo do disposto no artigo 456º, que o respectivo incidente se processe em separado. 2 – O disposto no número anterior é também aplicável aos casos em que a parte procure obstar ao trânsito em julgado da decisão, através da suscitação de incidentes, a ele posteriores, manifestamente infundados; neste caso, os autos prosseguirão os seus termos no tribunal recorrido, anulando-se o processado, se a decisão vier a ser modificada”.

[143] Trata-se de uma mera possibilidade, uma vez que pode existir reclamação da decisão sumária do relator. Nos termos dos nºs. 3 e 4 do artigo 78º-A da LTC, "da decisão sumária do relator pode reclamar-se para a conferência, a qual é constituída pelo presidente ou pelo vice-presidente, pelo relator e por outro juiz da respectiva secção, indicado pelo pleno da secção em cada ano judicial" (nº 3); "A conferência decide definitivamente as reclamações, quando houver unanimidade dos juízes intervenientes, cabendo essa decisão ao pleno da secção quando não haja unanimidade" (nº 4).

[144] Não se aumentou o número de juízes do Tribunal. Simplesmente, enquanto anteriormente o Presidente do Tribunal presidia às duas secções, actualmente as secções podem ser presididas pelo Vice-Presidente.

[145] Leis que têm por objecto certas matérias (eleições, referendo, Tribunal Constitucional, defesa, estado de sítio, cidadania, direito de associação, sistema de informações, segredo de Estado, finanças regionais e criação de regiões administrativas), seguem um processo legislativo sujeito a algumas exigências especiais (nomeadamente, a exigência de maioria absoluta) e beneficiam de uma legitimidade alargada no respeitante ao controlo preventivo da constitucionalidade - v. os artigos 164º, 166º, nº 2, 168º, nºs. 4 e 5, e 278º, nº 4, CRP.

[146] Saliente-se que a revisão constitucional de 1997 aumentou sensivelmente o leque de matérias submetidas à forma de lei orgânica, com a consequência, entre outras, de, assim, se ter aumentado a capacidade de fiscalização a cargo da oposição parlamentar a quem é reconhecida legitimidade processual activa na fiscalização preventiva de leis orgânicas.

[147] Note-se que já nos longínquos acórdãos nºs 7/83 e 8/83 o Tribunal firmou o entendimento segundo o qual a competência atribuída ao Procurador-Geral da República para requerer a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade de quaisquer normas tem natureza eminentemente política, devendo ser exercida pessoalmente. Assim, não conheceu de pedidos de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral formulados pelo Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional por ilegitimidade deste.

[148] Nos acórdãos nºs. 5/83, 6/83 e 16/83, o Tribunal não conheceu de pedidos de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, por falta de pedido regular, já que o Presidente da Assembleia da Republica se tinha limitado a ordenar a remessa ao Tribunal Constitucional  de certos documentos - petição de certos cidadãos, num caso, e requerimento de um deputado, noutro caso -, sem manifestar vontade de fazer seus os argumentos ali apresentados, funcionando como simples "ponte" ou "elo de ligação" entre aqueles cidadãos ou deputados e o Tribunal, e não tendo, assim, assumido o pedido, embora inicialmente formulado por terceiros, como próprio, aceitando responsabilizar-se, sem margem para ambiguidades, quanto ao exercício da faculdade que lhe é conferida pelo artigo 281º, nº 2, CRP.

[149] Ver, supra, ponto II.7.

[150] Ao contrário, como vimos, do que se passa com os pedidos efectuados ao abrigo da alínea e) do nº 2 do artigo 281º CRP, que têm de ser apresentados pessoalmente pelo Procurador-Geral da República.

[151] Refira-se que até ao momento nenhum juiz do Tribunal tomou essa iniciativa, o que, aliás, vai ao encontro do princípio ne judex procedat ex officio.

[152] Cf.. J.J. Gomes Canotilho, "Jurisdição constitucional e intranquilidade discursiva", in J. Miranda (org.), Perspectivas constitucionais: nos 20 anos da Constituição de 1976, vol. I, Coimbra Ed., 1996, pp. 880-882.

[153] Cf. ponto II. 6.

[154] Cf. artigo 112º, nº 3, CRP. A razão de ser da extensão da competência do Tribunal Constitucional ao controlo destas formas de legalidade "reforçada" residirá no facto de esse controlo, apesar de ser de mera legalidade, incidir, de todo o modo, sobre normas constantes de acto legislativo, cujo controlo abstracto merece assim, aos olhos da Constituição, ser sempre realizado pelo órgão jurisdicional criado pela Constituição para "administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional" (cf.. artigo 221º, CRP), já que os conflitos entre normas legais que aqui estão em causa se apresentam em primeira linha como conflitos jurídico-constitucionais, uma vez que convocam essencialmente, para a sua resolução, a aplicação de normas constitucionais de distribuição de competências legislativas.

[155] Cf., neste sentido, o acórdão nº  624/97.

[156] Cf. o acórdão nº 1/92.

[157] Cf. Jorge Miranda, “Nos dez anos de funcionamento do Tribunal Constitucional”, in Legitimidade e legitimação da justiça constitucional (Colóquio no 10º aniversário do Tribunal Constitucional), Coimbra, 1995, p. 99 e ss.. Também na revisão constitucional de 1997 foi proposto pelo PCP sem sucesso o alargamento da fiscalização da constitucionalidade aos actos políticos. Sobre esta proposta, cf.., apoiando-a, embora defendendo a identificação clara dos actos políticos impugnáveis, A. Sousa Pinheiro e M. J. Brito Fernandes, Comentário à IV Revisão Constitucional, AAFDL, Lisboa, 1999, p. 578.

[158] Cf., v.g., o acórdão nº 319/89.

[159] Cf. acórdão nº 32/88, onde o Tribunal não conheceu de pedidos que tinham por objecto normas jurídicas internacionais imperfeitas (tratava-se de um caso em que não se se tinha chegado a concluir o procedimento normativo de certa convenção, pois que ainda que se pudesse ter por válida a sua ratificação não datada, esta não tinha sido de forma alguma publicitada). No Acórdão nº 809/93 decidiu-se não admitir um pedido que tinha como objecto normas constantes de propostas  de lei meramente aprovadas pela Assembleia da República, uma vez que a fiscalização abstracta sucessiva incide necessariamente sobre "normas juridicamente acabadas - isto é, relativamente às quais se cumpriram já todos os requisitos formais necessários à sua conversão em proposições jurídico‑vinculativas - e não sobre simples 'projectos' ou 'propostas' ou mesmo textos normativos já aprovados pelo órgão para tanto competente, mas, de qualquer modo, pendentes ainda de trâmites ulteriores do processo de formação que devem percorrer".

[160] Cf. infra.

[161] Cf. supra II-5.

[162] O artigo 43º, nº 6, LTC, dispõe que "os juízes gozarão as suas férias de 15 de Agosto a 14 de Setembro" e visa assegurar a existência de quórum de funcionamento (maioria dos membros, incluindo o presidente ou o vice-presidente - artigo 42º, nº 1, LTC) do plenário mesmo em férias, período durante o qual podem surgir processos de fiscalização preventiva, nos quais não há férias judiciais (cf.. artigo 43º, nºs 1 e 2).

[163] Cf. infra ponto III.7

[164] Quanto a possíveis aplicações impugnadas e cujas decisões judiciais não tenham ainda transitado, sustentou-se, por exemplo, no acórdão 639/98 que não há interesse jurídico relevante ("interesse prático apreciável") "quando os meios individuais e concretos de defesa postos à disposição dos interessados são suficientes para acautelar os seus direitos ou interesses, impedindo a aplicação da norma inconstitucional" (pense-se na fiscalização concreta e no recurso de constitucionalidade) - cf. também, por exemplo, os acórdãos nºs. 17/83, 308/93, 397/93, 188/94, 120/95, 580/95 e 117/97; em sentido contrário, veja-se o acórdão nº 497/97 - tributação das gratificações nos casinos -, onde o Tribunal, para analisar do interesse jurídico relevante na apreciação do pedido, entendeu bastar a possibilidade de pendência de situações litigiosas para manter o interesse no conhecimento do pedido (conheceu-se da questão de constitucionalidade relativamente a um grupo de normas já revogadas, pelos seguintes motivos: "dado o período de tempo 'coberto' por essa legislação, admite-se que ainda se encontrem pendentes situações litigiosas, o que se afigura bastante para se manter o interesse no conhecimento do pedido no que a essas normas respeita").

[165] Cf., por exemplo, acórdãos nºs. 73/90, 135/90, 465/91, 186/94 e 57/95, e 1147/96.

[166] Cf.., por exemplo, o acórdão 57/95. Neste acórdão, que incidiu sobre o Código do IRS, o Tribunal firmou um critério geral de decisão sobre esta matéria: "nos casos em que as alterações suportadas pelas normas (...) dão origem a outras normas, isto é, a normas dotadas de uma diferente substância normativa, e, bem assim, nos casos em que as alterações, substanciais ou não, conduzem a que as normas passem a constar de outro preceito legal, não deve o Tribunal conhecer da compatibilidade com a Constituição das referidas normas (...) na sua versão actual, (...) pela necessidade de observância do princípio do pedido; (...) já não subsistem, porém, quaisquer obstáculos processuais ao conhecimento da questão de inconstitucionalidade, nas hipóteses em que as alterações nas normas não forem de molde a afectar a sua substância originária e essas alterações estejam corporizadas no mesmo preceito legal; aí, porque a norma é essencialmente a mesma, é possível ao TC conhecer da sua conformidade com a Constituição"; e, sobre o conceito de norma apreciável, o Tribunal precisou o seguinte: "não se trata, porém, de normas abstractamente consideradas, mas de normas vasadas ou concretizadas num preceito; por outras palavras, o TC, quando aprecia a constitucionalidade de uma norma jurídica, tem de referir essa norma a um preceito concreto, que constitui o seu suporte formal; a necessidade de referência da norma objecto de fiscalização ao preceito que a incorpora resulta do princípio do pedido; este mesmo princípio impede que o Tribunal analise a questão de constitucionalidade de uma norma nova - ainda que de teor substancialmente idêntico à antiga - concretizada num preceito diferente do originário". Note-se que este critério não modificou substancialmente o entendimento que o TC seguiu no acórdão nº 806/93, ao tomar conhecimento do pedido relativo a uma determinada norma, apesar de ela ter sido entretanto alterada, por essa alteração ter apenas consistido no aditamento de um inciso que em nada relevava para o pedido: "não se poderá no caso falar de uma verdadeira e própria revogação, pois que está em causa a sucessão no tempo de distintas redacções conferidas por legislação avulsa a um preceito integrante de um Código"; neste caso não houve modificação do suporte normativo da norma impugnada. Esse critério já foi comentado em tons críticos pela doutrina: cf. Casalta Nabais (O dever fundamental de pagar impostos - contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo, Almedina, Coimbra, 1998, p. 595), Jorge Costa Santos ("O desenvolvimento da reforma fiscal e a tributação dos valores mobiliários", in Fisco, Ano VIII, nºs 78-79, Set.-Out./96, pp. 28-30) e Luís Menezes Leitão ("Evolução e situação da reforma fiscal", in Ciência e Técnica Fiscal, nº 387, Julho-Setembro de 1997, pp. 38-39).

[167] Foi, aliás, o que se passou, por exemplo, no processo que deu origem ao acórdão nº 497/97. Cf. ainda o disposto no artigo 64º, nº 1, LTC: "admitido um pedido, quaisquer outros com objecto idêntico que venham a ser igualmente admitidos são incorporados nor processo respeitante ao primeiro".

[168] Cf., por exemplo, o acórdão 15/83.

[169] Cf. o acórdão nº 452/95, onde se decidiu não estar o Tribunal impedido de conhecer da questão de constitucionalidade de normas que já haviam sido submetidas à fiscalização abstracta sucessiva a pedido do mesmo requerente tendo dela saído incólumes.

[170] Cf. ainda o artigo 56º, nº 4, LTC.

[171] Cf. o artigo 60º LTC, sobre os efeitos deste encurtamento nos prazos de tramitação do processo no Tribunal.

[172] E mesmo se a norma, já publicada, ainda não estiver em vigor, por não ter decorrido a respectiva vacatio legis.

[173] Cf. os acórdãos nºs. 476/94, 477/94 e 478/94, sobre quem é competente como autor da norma para responder ao pedido.

[174] Note-se que a tramitação dos processos de fiscalização abstracta sucessiva resulta da revisão da lei do Tribunal ocorrida em 1998. Até aí, o processso era inicialmente distribuído a um juiz relator que tinha quarenta dias para elaborar o memorando "contendo o enunciado das questões" sobre que o Tribunal se devia pronunciar "e da solução proposta para as mesmas, com indicação sumária dos respectivos fundamentos"; discutido esse memorando em plenário e tomada a decisão do Tribunal, o relator, ou, no caso de este ficar vencido, outro juiz, tinha 30 dias para elaborar o acórdão (cf. artigo 65º, nºs 1 e 3, LTC, na versão de 1989). Devido ao pouco tempo decorrido, não é ainda possível fazer uma avalização do impacto das alterações de 1998, que visaram acelerar a tramitação dos processos de fiscalização abstracta sucessiva, nos quais se tinham vindo a verificar alguns atrasos (cf. J. M. Cardoso da Costa, "Algumas reflexões...", cit., p. 127, que afirma que o TC tem sentido "dificuldades na gestão dos processos de fiscalização abstracta sucessiva de constitucionalidade", situação que deve "merecer já atenta preocupação").

[175] Que foi introduzido na Lei do Tribunal pela Lei nº 88/95, de 1 de Setembro. No acórdão nº. 510/98 (único caso em que o problema se colocou) foi indeferido um "pedido de atribuição de prioridade" deduzido pelos requerentes (um grupo de Deputados), e que tinha obtido o acordo do órgão autor da norma.

[176] Note-se que o Tribunal, nos processos que incidem sobre normas orçamentais, tem seguido a prática, por forma à sua decisão ainda produzir um efeito útil, de os decidir ainda dentro do ano orçamental.

[177] Neste sentido, Miguel Lobo Antunes, "Fiscalização abstracta da constitucionalidade: questões processuais", in  AA.VV, Estudos..., cit., p. 402.

[178] O artigo 42º, nº 1, LTC fixa o quorum do Tribunal, dispondo que este só pode funcionar, em plenário ou secção, estando presente a maioria dos respectivos membros em efectividade de funções, incluindo o Presidente ou o Vice-Presidente.

[179] O Tribunal utiliza o método da chamada “votação escalonada” (Stufenabstimmung), ou seja, compartimenta as diversas questões colocadas no âmbito de cada processo e forma, em relação a cada uma delas, a respectiva maioria de votação; para uma descrição mais detalhada deste método, cf. o acórdão nº 58/95.

[180] A importância decisiva do papel da fundamentação como factor de legitimação do Tribunal e das suas decisões foi recentemente reafirmada pelo Presidente do Tribunal: "sejam quais forem as dificuldades que (...) os tribunais constitucionais encontrem na sua actividade e no desempenho da sua missão, importa que elas não venham a conduzir ou a traduzir-se em qualquer aligeiramento do discurso argumentativo que fundamenta as respectivas decisões - ainda que isso implique o preço de uma maior demora na emissão destas últimas; o ponto é crucial! (...) A justiça constitucional, mais do que qualquer outra, não pode deixar de oferecer um discurso argumentativo convincente a todos os seus destinatários" (cf. J.M. Cardoso da Costa, "Algumas reflexões ...", cit., pp. 128-129).

[181] Assim, Miguel Lobo Antunes, "Tribunal Constitucional", in Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol. VII, Lisboa, 1996, p. 441. Cf., ainda, o acórdão nº 58/95.

[182] Note-se que esta norma nunca foi aplicada; isto é: a Assembleia da República nunca confirmou um diploma que contivesse normas que tivessem merecido do Tribunal uma pronúncia de inconstitucionalidade em fiscalização preventiva; nem, ao que parece, foi tal alguma vez proposto por algum deputado ou grupo parlamentar.

[183] Cf., por exemplo, acórdãos nºs 66/84, 85/85 e 452/95, e, na doutrina, J. Miranda, Manual..., cit., pp. 482-483, J.M. Cardoso da Costa, A Jurisdição..., cit., pp. 61-62 e J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional ..., cit.,  p. 907.

[184] Ver J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional..., cit., p. 903.

[185] Um exemplo recente da discussão da questão na jurisprudência do TC pode encontrar-se no acórdão 231/94.

[186] Cf. acórdãos nºs. 56/84 e 452/95, e, na doutrina, J. M. Cardoso da Costa, A jurisdição ..., cit., p.61, A. Ribeiro Mendes, I Conferência ..., cit., p. 755, J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional..., cit., p. 903, e J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição ..., cit., p. 1040.

[187] Esta tem sido uma jurisprudência frequente do Tribunal Muitas vezes essa possibilidade tem sido usada como forma de atenuação ou eliminação de efeitos negativos provocados por decisões de inconstitucionalidade que podem comportar fortes ónus financeiros para entidades públicas: cf., por exemplo, os acórdãos nºs. 24/83, 92/85, 209/87, 76/88, 231/94, 1203/96. No citado acórdão nº 57/95, sobre o Código do IRS, o Tribunal não conheceu do pedido relativamente a determinadas normas revogadas invocando expressamente a necessária limitação de efeitos a que procederia se as declarasse inconstitucionais: "seria totalmente insustentável exigir à administração fiscal, em consequência da hipotética declaração de inconstitucionalidade (...) a reapreciação de inúmeros actos de liquidação de impostos e impor ao Estado ou a outra entidade pública a restituição de importâncias percebidas com a cobrança dos impostos durante vários anos económicos".

[188] Sobre estas possibilidades, ver Gomes Canotilho, Direito Constitucional..., cit., pp. 904-905.

[189] Cf., por exemplo, o acórdão 61/91, onde o Tribunal declarou inconstitucionais certas normas regulamentares que estabeleciam o modo de cálculo do valor do capital das remições das pensões por acidentes de trabalho. Tinha-lhe sido expressamente solicitado, para a hipótese de declaração de inconstitucionalidade, que o Tribunal, ao abrigo do artigo 282º, nº4, da Constituição, ao menos acautelasse os efeitos já produzidos por essas normas, já que se verificaria aqui a ocorrência de um interesse público de excepcional relevo, traduzido no facto de os encargos decorrentes de um tal decisão atingirem cerca de 5 milhões de contos para entidades seguradoras. O TC não acolheu este pedido, baseado no facto de as remições das pensões por acidente de trabalho exigirem sempre uma decisão judicial. Na verdade, a restrição de efeitos poderia estar relacionada com duas situações, não se afigurando no entanto necessária em nenhuma delas: ou com remições já efectuadas - ou seja, em que já tivesse havido “sentença de homologação transitada em julgado” – que já não podiam sofrer influência da declaração de inconstitucionalidade, por força da ressalva obrigatória geral dos casos julgados, prevista no artigo 282º, nº 3, da Constituição; ou com “incidentes de remição ainda pendentes, nos tribunais de trabalho ou em recurso” – caso em que “seria inadequado proceder a qualquer limitação de efeitos”.