TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
97 acórdão n.º 123/21 Neste último ponto, tentarei explicar a razão pela qual entendo que, quando se trate de pessoa com doença fatal em fase terminal – situação que o Acórdão isola e singulariza –, tal regime é, não só constitucio- nalmente viável, como constitucionalmente imperativo. Para o doente que se encontra em processo longo e sofrido de uma morte próxima, a decisão de como enfrentar o final da sua vida assume uma importância capital. Reconhecer-lhe, neste caso, a faculdade de, com recurso à prática de atos médicos, escolher o momento em que a morte deverá produzir-se e, sobre- tudo, na companhia de quem deverá produzir-se, é a diferença entre sujeitá-lo a aguardar resignadamente pelo instante, sempre contingente e as mais das vezes solitário, em que de súbito se dá a chegada do fim, ou permitir-lhe encarar e viver essa chegada com a paz e o amparo só proporcionados pela presença, terna e próxima, de uma mão conhecida. É, em suma, reconhecer à pessoa fatalmente doente o direito a atribuir um sentido pessoal ao termo da vida e, por essa insubstituível via, respeitá-la até ao fim na sua eminente dignidade. – Joana Fernandes Costa. DECLARAÇÃO DE VOTO Vencidos, pelas seguintes razões fundamentais: 1. O Acórdão viola, no nosso entender, o princípio do pedido. A nossa posição diverge da maioria, em primeiro lugar, quanto ao sentido e extensão da pronúncia do Tribunal, considerando a delimitação do pedido efetuada no requerimento inicial. No âmbito do presente pedido de fiscalização preventiva, o objeto do processo foi delimitado no reque- rimento dirigido ao Tribunal Constitucional, tendo o Presidente da República afirmado assumir como boa a opção do legislador, a quem cabe, nos termos da Lei Fundamental, «permitir ou proibir a eutanásia, de acordo com o consenso social, em cada momento». Neste sentido, ao pronunciar-se, nos termos em que o fez na alínea a) do dispositivo, pela inconstitucionalidade da totalidade da norma constante do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV da Assembleia da República, o Tribunal está a manifestar uma posição de princípio que, a nosso ver, ultrapassa o alcance do objeto do processo definido no requerimento inicial que lhe foi submetido. Para este efeito, oTribunal, alegando que o requerimento identifica “as normas, cuja apreciação é pedida ao Tribunal em termos não unívocos” e que “a referência na fundamentação do pedido apenas a certos segmentos da norma constante de tal artigo, por si só, não é suficientemente clarificadora nem decisiva”, entendeu que “à completude estrutural da norma corresponde, por força do sentido prescritivo que a mesma encerra, uma unidade teleológica impeditiva de uma segmentação”, alargando, por isso, o enunciado da norma jurídica sin- dicada à norma “que consta do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV, com todo o seu conteúdo prescritivo (designadamente aquele que lhe é projetado a partir do n.º 3), enquanto norma completa”. Partindo deste recorte, considerou-se estar legitimada a aferição da conformidade das normas sindicadas a título principal com o parâmetro constitucional do direito à vida, consagrado no artigo 24.º, n.º 1, da CRP. Recorde-se que o n.º 1 do artigo 2.º do Decreto n.º 109/XIV da Assembleia da República, considera antecipação da morte medicamente assistida “… não punível a que ocorre por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento intolerável, com lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico ou doença incurável e fatal, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde”. Esta previsão normativa comporta diversas dimen- sões, desde logo, requisitos subjetivos – atributos da vontade –, e ainda requisitos objetivos (os pressupostos da autorização). A não punibilidade da prática da ou da ajuda à antecipação da morte, por profissional de saúde, depende da verificação dos ditos elementos objetivos – e apenas dois segmentos desta dimensão normativa objetiva foram questionados pelo Presidente da República. Ora, ao contrário do entendimento resultante do Acórdão, consideramos que esses elementos são lógica e normologicamente autonomizáveis
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