TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

89 acórdão n.º 123/21 qual é criado um grupo de destinatários – aqueles que preencham as condições definidas no n.º 1 do artigo 2.º – elegíveis para a prática, sob tutela do Estado, da eutanásia. Caracterizamos esse grupo de pessoas como aquelas que passam, diferenciadamente de outras pessoas, a dispor, por via do procedimento criado pelo Legislador, dessa opção. Ora, dispor de uma determinada opção – e usamos aqui a expressão no sentido de uma variável sujeita ao controlo de alguém que, por isso, pode afetar, moldando-as de determinada forma, as tomadas de decisão dessa pessoa [31] –, ou seja, dispor de alternativas, cria diferentes possibilidades de condução de um processo decisório, cria, enfim, uma (outra) “arquitetura de escolha” para quem dela(s) dispõe, com tudo o que isso – consideremo-lo vantajoso ou não – possa implicar. Com efeito, “[o]ferecer a alguém uma alternativa ao status quo existente em determinada situação implica que dois resultados passem a ser possíveis para essa pessoa. Só que, daí em diante, nenhum desses resultados será ainda o que era possível anteriormente ao aparecimento da alternativa. Depois desta, passa-se a poder escolher o status quo ou a escolher a alternativa oferecida, mas não pode mais usufruir-se do que representava o status quo sem que isso se configure nos termos que passou a representar: uma escolha […]”[32]. E, ter só o que correspondia ao status quo como padrão – como dado fixo que atua como que por defeito –, pode configurar, em certos casos, uma situação vantajosa, evitando toda uma nova problematização decorrente da introdução de variáveis desvaliosas (“perigosas”, ao “poluir” a tomada de decisão) no processo decisório que se venha a desencadear. Algo paradoxalmente, “[d]ispor de escolhas pode, em última análise, privar alguém de resultados desejáveis, cujo caráter vantajoso dependa da circunstância de não serem escolhidos, por inexistir a opção deles […,] em suma, uma vez oferecida uma nova possibilidade de escolha cuja essência é problemática, a situação do destinatário já se alterou, e alterou-se para pior: mesmo escolhendo o que valo- rativamente é melhor não pode, na realidade, remediar o que a nova situação criada tem de inconveniente, comparativamente à situação anterior. Escolher o que é melhor nesses casos representa apenas uma forma de evitar perdas.”[33]. 2.3.1. A pergunta que se impõe é a seguinte: o que é que isso envolve quando a opção (a nova opção) que se coloca à disposição de alguém (do universo das pessoas elegíveis, no quadro do Decreto n.º 109/XIV) é a eutanásia ou o suicídio assistido? No que tem o sentido de uma resposta, recorremos a uma observação de Thomas Schelling, através da qual exemplifica a manifestação do paradoxo da vantagem estratégica: “[q]ue a posição de alguém pode ser dolorosamente enfraquecida pela existência de novas opções legais é fortemente sugerido, de forma impres- sivamente pungente, por um dos argumentos apresentados contra a legalização da eutanásia: concedendo a enfermos incuráveis e desesperados o direito de autorizar a sua própria morte: ‘[q]ual ... seria o efeito dessa opção sobre pessoas idosas com doenças incuráveis e fortemente limitadoras, que já suspeitam que as pessoas ao seu redor querem livrar-se delas?’ […]”[34]. Fugindo à crueza da pergunta final, diremos que a opção da própria morte (legalmente enquadrada, socialmente organizada), passando a integrar o leque de alternativas disponíveis, passa a estar presente na ponderação das alternativas que os desafios da doença grave coloquem ao paciente. E isso sucederá, tanto para quem (no papel, algo idealizado, construído por algumas jurisdições constitucionais a este respeito) configure essa ponderação como um espaço de liberdade e de autodetermina- ção na condução da sua vida, como para quem, na dura realidade do fim da vida, ou da vida dependente e sem esperança aparente, o que realmente pondere, e o que realmente o motive, seja o que lhe aporta a angús- tia e o desespero criados por fatores exógenos de pressão. Efetivamente, a transposição da situação antes cara- terizada para o processo da tomada de decisões quanto ao fim da vida de quem, encontrando-se em situação [31] Cfr. Thomas C. Schelling, The Strategy of Conflict , Harvard University Press, Cambridge, Massachusetts, ed. de 1980, pp. 3-4 e 158-160). [32] J. David Velleman, Beyond Price. Essays on Birth and Death, Open Book Publishers, Cambridge UK, 2015, p. 10. [33] Ibidem, p. 11. É a este respeito que Thomas Schelling, fala de um “paradoxo da vantagem estratégica” que expressa, na realidade, uma desvantagem que desvirtua, poluindo-o, o processo decisório ( The Strategy of Conflict, cit., pp. 158-160). [34] Ibidem, p. 160, nota 30.

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