TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
82 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV, com todo o seu conteúdo prescritivo (designadamente aquele que lhe é projetado a partir do número 3), enquanto norma completa, ao considerar antecipação da morte medi- camente assistida não punível a que ocorre por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento intolerável, com lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico ou doença incurável e fatal, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde e concretizada mediante pedido que obedece a procedimento clínico e legal (previsto no Decreto)” (ponto 12. do Acórdão). 1.1.2. Assente esta enunciação, posicionou seguidamente o Tribunal a antecipação da morte medi- camente assistida não punível à luz, como parâmetro exclusivo de ponderação, do artigo 24.º da CRP, concluindo – formando-se nessa parte uma outra maioria na qual não nos integramos – o que expressou na seguinte asserção (contida no final do ponto 32.): “[a] vulnerabilidade de uma pessoa originada pela situa- ção de grande sofrimento em que se encontre pode criar uma tensão relativamente ao artigo 24.º, n.º 1, da Constituição devido à vontade livre e consciente de não querer continuar a viver em tais circunstâncias. E a uma tal tensão, a proteção absoluta e sem exceções da vida humana não permite dar uma resposta satisfatória, pois tende a impor um sacrifício da autonomia individual contrário à dignidade da pessoa que sofre, con- vertendo o seu direito a viver num dever de cumprimento penoso. Por isso mesmo, o legislador democrático não está impedido, por razões de constitucionalidade absolutas ou definitivas, de regular a antecipação da morte medicamente assistida”. É nesta parte que os subscritores da presente declaração se afastam decididamente do entendimento maioritário do Tribunal, expressando a sua divergência através deste voto. 1.1.3. Finalmente, num elemento decisório ao qual os subscritores desta declaração também aderem em parte, como outro problema que a ultrapassagem pela maioria da anterior questão não deixou de colocar, abordou o Tribunal “[a] insuficiente densificação normativa dos conceitos descritivos dos critérios de acesso à morte medicamente assistida questionados pelo requerente face ao princípio da legalidade criminal […] [e] face ao princípio da determinabilidade das leis”, aferindo esses desvalores quanto aos conceitos, alojados no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV, “[…] ‘em situação de sofrimento intolerável’ […]” e “[…] ‘lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso cientifico’ […]”, considerando evidenciar este último uma “[…] manifesta insuficiência da densificação normativa da respetiva previsão legal, tornando, por isso, o artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV inapto, por indeterminação, para disciplinar em termos previsíveis e controláveis as condutas dos seus destinatários”, não satisfazendo esse segmento do Decreto “[…] o princípio da determinabilidade das leis [contendendo] com a alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, por referência ao seu artigo 24.º, interpretado de acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana previsto no artigo 1.º de tal normativo[…]” (ponto 48. do Acórdão), gerando esta conclusão o dispositivo exarado na parte III do Acórdão – em consonância com a fixação do objeto do recurso supra enunciado –, que os subscritores desta declaração também subscrevem. A posição que subscrevemos e se explicitará implica todavia que nos afastemos da fundamentação alcançada nos pontos 41. a 43. do Acórdão. Percorrido o roteiro decisório do Tribunal, cumpre, pois, explicitar a nossa divergência. II 2. A palavra eutanásia, embora ausente do texto do Decreto n.º 109/XIV (mas que o requerente não deixou de referir no pedido), expressa com total exatidão (e fidelidade ao pensamento legislativo) o propósito do diploma com o qual somos confrontados. Este, regulando a eutanásia, o que verdadeiramente faz é criar um espaço de legalidade condicionada relativo à sua prática. De facto, embora um efeito ou consequência dessa legalização – a cessação da punibilidade penal da correspondente conduta dos terceiros intervenientes – surja destacada na enunciação do objeto do diploma – “[a] presente lei regula as condições especiais em que a antecipação da morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal” (artigo 1.º) –, a
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