TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
81 acórdão n.º 123/21 Com efeito, no contexto da admissibilidade constitucional da antecipação da morte medicamente assis- tida, a lei deve sinalizar algumas características desse sofrimento, na perspetiva da sua correspondência a um estado mais ou menos permanente (por exemplo, “sofrimento persistente”, “sofrimento continuado ou permanente”, falta de perspetivas de melhoria”, etc.). Do mesmo modo, também seria exigível sinalizar a necessidade de objetivar o juízo quanto ao caráter intolerável. Neste particular, e seguindo a abordagem feita no n.º 42 do Acórdão, tudo se tornaria mais simples e, sobretudo, mais objetivo e controlável, se: i) o médico especialista, a que se refere o artigo 5.º do Decreto, também tivesse de examinar o doente, em ordem a avaliar o impacto neste da patologia concretamente em causa; ii) tal especialista e o médico orientador tivessem alguma formação específica no domínio do sofrimento e das terapêuticas para o diminuir ou miti- gar (conforme já resulta do anteriormente referido supra no n.º 2); e iii) se a intervenção do especialista e, ou do psicólogo, não fosse meramente facultativa, mas obrigatória, pois, como bem se refere no Acórdão, «o sofrimento, ainda que fortemente subjetivo, permanece heteroavaliável e verificável, usando para tanto, nas suas expressões não estritamente fisiológicas, ferramentas desenvolvidas por ramos da ciência médica como a psiquiatria ou a psicologia» (n.º 42). Contudo, não é isso que se encontra previsto, pelo que os enunciados linguísticos deveriam ser muitís- simo mais exigentes, por forma a garantir um mínimo de objetividade na sua aplicação concreta e a possibi- lidade de controlo, que segundo a lei, é indispensável à garantia de todo o procedimento em causa. – Pedro Machete DECLARAÇÃO DE VOTO I 1. Expressa o presente voto a discordância dos quatro subscritores relativamente à não formulação de um juízo positivo de inconstitucionalidade, por violação do Direito à vida consagrado no artigo 24.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), quanto à norma do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto n.º 109/XIV, ao definir a figura da “[a]ntecipação da morte medicamente assistida não punível”, pretendida introduzir na nossa ordem jurídica pelo diploma em causa. O entendimento que a este respeito sustentamos foi o proposto pela primitiva relatora do processo, a primeira subscritora deste voto, no memorando apresentado à consideração do colégio de juízes, nos termos do artigo 58.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC). Na expressão do nosso desacordo seguire- mos, pois, o essencial da argumentação constante do referido memorando ao qual aderimos. Existem neste voto e no Acórdão, enquanto memória/património comum desse memorando, algumas referências partilha- das. Estas, todavia, no sentido substancial que expressam, só permitiram essa partilha até ao ponto em que os subscritores deste voto divergiram da maioria formada no Tribunal quanto ao espaço de (in)compatibilidade entre o que se pretende criar através do Decreto n.º109/XIV (a legalização da eutanásia ativa) e o artigo 24.º da CRP (cfr. ponto 1.1.2., infra ). 1.1. Precisamente por isso, introdutoriamente, para compreensão da posição defendida nesta declaração de voto, situá-la-emos no roteiro decisório traçado pelo Tribunal, confrontado que foi com os termos do pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade apresentado pelo Presidente da República, referido a determinadas normas integrantes do Decreto n.º 109/XIV. 1.1.1. Num primeiro momento, ocupou-se o Tribunal da fixação do exato objeto da fiscalização preven- tiva desencadeada, face às particularidades que a construção da pretensão do requerente apresentava. A este respeito o Tribunal Constitucional – num elemento que alcançou uma maioria decisória para a qual concorreram os subscritores deste voto – fixou esse objeto nos exatos termos que aqui se transcrevem: “[…] a norma sindicada a título principal, tal como compreendida pelo Tribunal, é a que consta do artigo
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