TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

787 acórdão n.º 132/21 2.4.1.1. De acordo com o estatuído nos art. os 110.º, 202.º a 218.º, 219.º a 220.º e 221.º a 224.º da Constitui- ção da República Portuguesa, só os Juízes compõem o Órgão de Soberania denominado “Tribunais” – e, portanto, de todos os profissionais forenses, só eles – em linha com o que acontece com o Presidente da República, os Depu- tados da Assembleia da República e os Membros do Governo – são titulares de um Poder de Soberania. O que muito vincadamente se sublinha. […] 2.4.1.2. Voltando ao escrutínio do teor da alínea j) do n.º 1 do art.º 4.º do EMP aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto, para além de haver que sublinhar que o mesmo permite interpretações insultuosas não apenas para todos os Juízes, mas também e de igual modo, para todos os demais Titulares de Poderes de Soberania, incluindo o Presidente da República, pois a mais ninguém é expressamente atribuída essa tão ‘especial’ função/tarefa insti- tucional, ao ser estabelecido que um corpo especial da Administração Pública (v. n.º 1 do art.º 3.º do EMP em vigor, o qual está escrito – O Ministério Público goza de autonomia em relação aos demais órgãos do poder cen- tral, regional e local, nos termos da presente lei. – sublinhado que não consta do texto original) tem uma especial competência para defender a independência de um Órgão de Soberania como são os Tribunais, na área das suas atribuições e, pior ainda, que é necessário veiar para que a função jurisdicional se exerça em conformidade com a Constituição e as Leis, está-se a atribuir, repete-se, a corpo especial da Administração Pública uma assaz despropor- cionada preponderância institucional que é desconforme com vários princípios éticos estruturantes do Estado de Direito, a começar pelo princípio da independência dos Tribunais. Tudo isto quando na alínea a) daquele n.º 1 do art.º 3.º do EMP em vigor já está estabelecido que compete ao Ministério Público (defender) a legalidade democrática. Há aqui, no mínimo, muita redundância – indesejável redundância, acrescenta-se, sendo que a palavra agora usada é um enorme eufemismo (ou a major understatement , para usar uma adequada expressão em língua inglesa). De facto, repete-se, nem ao Presidente da República, nem aos Deputados da Assembleia da República, nem aos Membros do Governo, nem aos Juízes, a Constituição da República atribui uma tal ‘competência’ […]. E, já agora, cumpre perguntar: quem poderão ser as entidades contra as quais o Ministério Público tem de defender a independência dos Tribunais? Tendo em conta o presente recurso, uma dessas entidades será o próprio Tribunal – ou, pelo menos, o Juiz que proferiu a decisão apelada e, por tabela, os Juízes em geral. E no que respeita ao Ministério Público? Ou será que, com a fraseologia em causa, se está a afirmar que esse corpo especial da Administração Pública nunca será uma dessas entidades? Que fique claro: em Democracia não existem poderes absolutos e insindicáveis – mas também o Ministério Público tem de estar sujeito a esse escrutínio e, como já assinalado, não o está totalmente (ou, pelo menos, não suficientemente) – e, sim, podem ocorrer situações em que os Juízes, nas suas decisões ou deliberações, procedam a interpretações inconstitucionais e até ilegais. Aliás, em termos ontológicos, é admissível conceber que o mesmo possa acontecer com os demais titulares de Órgãos de Soberania – sendo que, tal como está previsto para os julgamentos emitidos pelos Tribunais, em tais casos, está atribuída competência ao Ministério Público para agir em defesa da legalidade democrática (‘defender’ e não ‘velar’, porque, realmente, esta última palavra, pelo seu muito específico significado etimológico, não será, de todo, a melhor escolha). Curiosamente, um tal controle externo (porque é disso que se trata) não existe para o Ministério Público. E, manifestamente, em termos ético e ontológicos, a circunstância de esse corpo especial da Administração Pública ser uma estrutura hierarquizada, não é de todo suficiente para salvaguardar o perigo de atuações inconsti- tucionais ou tão-só ilegais por parte de membros desse corpo especial – ou deste no seu conjunto. Ou até para garantir a defesa da independência dos Tribunais se for o Ministério Público o ‘atacante’. Tudo isto seria risível se a expressão em causa não estivesse escrita (com todo o respeito, de uma maneira total- mente despropositada) num diploma com a importância institucional que o EMP inegavelmente tem. 2.4.1.3. Mas há nesta previsão normativa algo ainda pior do que tudo o já apontado.

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