TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

78 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Lisboa, 15 de março de 2021. – Pedro Machete (com declaração) – Maria de Fátima Mata-Mouros (com declaração) – Lino Rodrigues Ribeiro (com declaração) – José Teles Pereira (com declaração) – Joana Fernan- des Costa (com declaração) – Maria José Rangel de Mesquita (apresentando declaração conjunta) – Mariana Canotilho (vencida, nos termos da declaração de voto junta) – José João Abrantes (vencido, nos termos das declarações de voto juntas) – Assunção Raimundo (vencida, nos termos da declaração de voto junta) – Gon- çalo de Almeida Ribeiro (vencido quanto ao fundamento da pronúncia, nos termos da declaração junta) –  Fernando Vaz Ventura (vencido, nos termos da declaração de voto junta) – João Pedro Caupers. DECLARAÇÃO DE VOTO Afasto-me da conclusão alcançada no n.º 43 do presente Acórdão segundo a qual o critério sofrimento intolerável, embora amplo, não deixa de ser adequado para desempenhar a função a que se destina no con- texto da norma do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV, uma vez que pode e deve ser objetivado e comprovado em cada caso concreto mediante uma correta aplicação das leges artis . Em meu entender, assiste razão ao requerente quando afirma que aquele critério não resulta «inequívoco das leges artis médicas» e que, em qualquer caso, o grau de indeterminação que o caracteriza não se conforma com «as exigências de densidade normativa resultantes da Constituição na matéria sub iudice » (requerimento, ponto 6.º), em particular com o princípio da determinabilidade das leis. Com efeito, a apreciação do critério em análise feita nos n. os 41, 42 e 43 do Acórdão desconsidera, em larga medida, o dever de proteção da vida humana constitucionalmente consagrado – que também é reconhecido no Acórdão – e as exigências que do mesmo decorrem quanto à admissibilidade constitucional da morte autodeterminada com apoio de ter- ceiros, mormente no quadro de um procedimento de natureza administrativa tendente à prática de um ato correspondente a uma autorização permissiva – como é o caso do parecer da CVA. Acresce que as insuficiên- cias do citado critério no plano linguístico e conceptual também não se mostram compensadas por garantias procedimentais robustas (como eventualmente, e a título meramente exemplificativo, poderia resultar da intervenção obrigatória de um psiquiatra e, ou, de um psicólogo). Em suma, tal como está formulado, e tendo em conta o contexto procedimental em que será aplicado, o critério de acesso à morte medicamente assistida correspondente ao «estado de sofrimento intolerável» presta-se a interpretações (e aplicações) subjetivas e amplas, não controláveis, mostrando-se incapaz de pre- venir eficazmente uma deriva no sentido da “rampa deslizante”, a qual é absolutamente contrária aos limites apertados em que, de acordo com a Constituição portuguesa, aquela prática pode ser admitida. Esta conclusão fundamenta-se na seguinte ordem de razões: 1. A circunstância de o conceito de “sofrimento” já ser mobilizado noutros contextos normativos – como, por exemplo, os que são referidos no n.º 41 do Acórdão – justifica a opção do legislador de o utilizar com a finalidade de estabelecer um critério de acesso à antecipação da morte medicamente assistida que possa funcionar como condição necessária, mas não suficiente, de modo a não desproteger totalmente o dever de proteção da vida humana. Mas tal utilização em contextos normativos próximos no que ao sofri- mento diz respeito e com conexões com doenças terminais e com o fim da própria vida, nomeadamente os cuidados paliativos (Lei n.º 52/2012, de 5 de setembro) e o contexto de doença avançada e em fim de vida (Lei n.º 31/2018, de 18 de julho) faz ressaltar imediatamente as diferenças ao nível dos enunciados legais. Por isso mesmo, é incompreensível a omissão de referência a um nexo de causalidade entre as condições médicas de lesão ou de doença – parecendo bastar a simples associação – em contraste com o que sucede no âmbito dos cuidados paliativos [ v. g. Lei n.º 52/2012, bases II, alínea a) , IX, n.º 1, e XVII, n.º 1, alínea b) , e Lei n.º 31/2018, artigo 2.º]. De resto, sem a existência de tal nexo não se compreende o fundamento da afirmada «unidade de sentido na teleologia do sistema normativo de antecipação da morte medicamente

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