TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
77 acórdão n.º 123/21 para casos semelhantes, ajustáveis, todavia, às concretas situações individuais» (Álvaro da Cunha Gomes Rodrigues, Responsabilidade Médica em Direito Penal, Estudo dos Pressupostos Sistemáticos, Almedina,Coim- bra, 2007, p. 54), pode dizer-se que a respetiva observância pelos médicos intervenientes no procedimento pressupõe já a consideração dos standards de atuação consensualizados na comunidade científica. Deste ponto de vista, a remissão para o consenso científico constante do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto n.º 109/XIV assemelha-se à referência ao “estado dos conhecimentos e da experiência da medicina” que até à revisão operada pela Lei n.º 16/2007, de 17 de abril, constava do n.º 1 do artigo 142.º do Código Penal: por se tratar, aqui como ali, de um padrão de avaliação inerente à observância das leges artis , a exigência de que a verificação das indicações que excluem a punibilidade da interrupção voluntária da gravidez fosse levada a cabo “segundo o estado dos conhecimentos e da experiência da medicina” acabou por ser suprimida, por «redundante e mesmo supérflua», na revisão de 2007, já que se afigurava em tal contexto «evidente» que «a verificação das indicações de índole terapêutica» deve «atender ao estado dos conhecimentos e da experiência da medicina» (Figueiredo Dias e Nuno Brandão, Comentário Conimbricense…, cit., p. 271). 48. As anteriores considerações, quer em relação à “lesão definitiva”, quer relativamente à sua “gravidade extrema”, quer, finalmente, no tocante à exigência de um “consenso científico” tendo por objeto lesões defi- nitivas de gravidade extrema, evidenciam a manifesta insuficiência da densificação normativa da respetiva previsão legal, tornando, por isso, o artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV inapto, por indeterminação, para disciplinar em termos previsíveis e controláveis as condutas dos seus destinatários. Neste segmento, aquele Decreto não satisfaz o princípio da determinabilidade das leis e contende com a alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, por referência ao seu artigo 24.º, interpretado de acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana previsto no artigo 1.º de tal normativo. I) As normas sindicadas a título de inconstitucionalidade consequente constantes dos artigos 4.º, 5.º, 7.º e 27.º do Decreto n.º 109/XIV 49. O juízo de inconstitucionalidade quanto à norma do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto n.º 109/XIV formulado no número anterior importa um juízo de inconstitucionalidade consequente das demais normas mencionadas no requerimento – as que constam dos artigos 4.º. 5.º, 7.º e 27.º –, na medida em que se refe- rem àquela, expressamente ou por remissão, para o cumprimento dos requisitos ou das condições previstos no mesmo Decreto. Este é um efeito inelutável justificado pela «centralidade» do referido artigo 2.º, n.º 1, na economia de todo o diploma (cfr. o Acórdão n.º 793/13, n.º 27). III – Decisão Pelo exposto, o Tribunal decide, com referência ao Decreto n.º 109/XIV da Assembleia da República, publicado no Diário da Assembleia da República , Série II-A, número 76, de 12 de fevereiro de 2021, e enviado ao Presidente da República para promulgação como lei: a) Pronunciar-se pela inconstitucionalidade da norma constante do seu artigo 2.º, n.º 1, com funda- mento na violação do princípio de determinabilidade da lei enquanto corolário dos princípios do Estado de direito democrático e da reserva de lei parlamentar, decorrentes das disposições conjuga- das dos artigos 2.º e 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição da República Portuguesa, por referência à inviolabilidade da vida humana consagrada no artigo 24.º, n.º 1, do mesmo normativo; e, em consequência, b) Pronunciar-se pela inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 4.º, 5.º, 7.º e 27.º do mesmo Decreto.
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