TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

75 acórdão n.º 123/21 – «[L]lesões múltiplas, nomeadamente gravosas lesões ortopédicas, insuficientemente ultrapassadas, face às sequelas permanentes para a capacidade de movimentação da lesada […]; afetação relevante e irremediável do padrão de vida de sinistrado […], associada, desde logo, ao grau de incapacidade fixado (suscetível de, em prazo não muito dilatado, alcançar os 22%) – com repercussões negativas, não apenas ao nível da atividade profissional, mas também ao nível da vida e afirmação pessoal; […] internamentos e tratamentos médico-cirúrgicos muito prolongados, com imobilização e períodos de total incapacidade do doente e envolvendo dores e sofrimentos físicos e psicológicos muito intensos.» (acórdão de 10 de outubro de 2010, processo n.º 632/2001.G1.S1) – «[L]esões múltiplas, nomeadamente gravosas lesões cerebrais e neurológicas, que implicaram – para lesado com cerca de 40 anos – um estado clínico persistente e irreversível de coma vegetativo, prolongado por quase 6 anos, abrangendo, quer os 3 anos de internamento hospitalar, quer o período posterior, em que o lesado teve alta e permaneceu em casa dos seus familiares, acamado e totalmente dependente para as mais elementares atividades da vida diária e de subsistência física, até acabar por sucumbir às gravíssimas sequelas das lesões causadas pelo acidente – não ficando demonstrado que o lesado, nesse prolongado estado de coma,  tivesse – face à inconsciência profunda e perda de funções cognitivas – efetiva consciên- cia do estado de total incapacidade em que se encontrava» (acórdão de 28 de fevereiro de 2013, processo n.º 4072/04.0TVLSB.C1.S1 – que contém referências a diversos quadros de gravidade extrema). Afigura-se, em suma, ser ainda possível, desejável e exigível uma maior densificação quanto à “gravidade extrema” da lesão, designadamente por referência às lesões corporais e às lesões funcionais [cfr. o artigo 144.º, alíneas a) e b) , respetivamente, do Código Penal], ou, quanto à afetação da capacidade, temporária ou perma- nente para o trabalho (cfr. o artigo 19.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro). Esta conclusão é ainda reforçada por o contexto em que ocorre a antecipação da morte medicamente assistida não punível – que é totalmente novo – em nada poder contribuir para uma maior concretização do significado da expressão em causa. 47. Por outro lado, a circunstância de, quer a gravidade extrema da lesão, quer o seu carácter irrever- sível ou definitivo deverem ser estabelecidos à luz do «consenso científico» não aumenta nem diminui, de forma relevante, o grau de indeterminabilidade que a escassa densificação do referido conceito projeta sobre a norma em apreciação. Apesar de não ser fornecida qualquer indicação sobre como deve ser apurado ou identificado tal “con- senso científico” – trata-se de um consenso nacional, europeu, internacional, entre pares de uma especiali- dade médica, ou de especialidades médicas relacionada com a “lesão definitiva de gravidade extrema”, ou simplesmente dos pares médicos em geral? –, não é menos verdade que o dito “consenso científico” repre- sentará, em regra, a posição geralmente aceite num dado momento pela maioria de cientistas especializados em certa matéria. Tendo em conta a natureza dos intervenientes no procedimento – médico orientador, médico especia- lista [cfr. os artigos 75.º e 97.º do Estatuto da Ordem dos Médicos, aprovado pela Lei n.º 117/2015, de 31 de agosto, e o artigo 3.º, alínea a) , do Regulamento n.º 628/2016] e CVA, também integrada por um médico indicado pela Ordem dos Médicos –, o consenso científico referenciado na norma tenderá, pois, a repor- tar-se ao consenso científico médico, tanto mais quanto certo é que as intervenções do médico orientador e do médico especialista, destinadas a verificar o cumprimento daquele requisito, se referem a uma “situação clínica” que afeta o doente e ao respetivo prognóstico, isto é, o «prognóstico da situação clínica» (cfr., em especial, o n.º 1 do artigo 4.º e o n.º 1 do artigo 5.º, ambos do Decreto n.º 109/XIV) – tratando-se, pois, de atos médicos (cfr. o artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento n.º 698/2019, da Ordem dos Médicos – o normativo que define os atos próprios dos médicos). Em tal contexto, o significado geral do “consenso científico” médico pode ser em certa medida descor- tinado, tomando-se como referência, por exemplo, o conceito de “consenso médico” decorrente da Reco- mendação Rec(2001)13 do Comité de Ministros aos Estados-Membros sobre o desenvolvimento de uma

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