TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

74 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL profissional e à avaliação da incapacidade e do dano corporal em direto civil, para efetivação do direito à reparação, em casos de sinistro, doença ou lesão). No âmbito do direito penal, o legislador não se limitou a estabelecer uma consequência diferenciada (pena mais severa) para as ofensas à integridade física graves (artigo 144.º do Código Penal). Forneceu também cri- térios mínimos para caracterização de uma lesão como grave, tendo-o feito de um duplo ponto de vista. Em primeiro lugar, deixou claro que, a par do perigo para a vida [alínea d) ], são suscetíveis de integrar tal categoria quer as lesões corporais, quer as lesões funcionais, quer ainda as lesões da saúde. Em segundo lugar, especificou, dentro de cada uma destas subcategorias, o tipo ou tipos de lesões suscetíveis de atingir esse patamar de gravi- dade: no primeiro caso, as lesões que privem a pessoa de um importante órgão ou membro ou que a desfigurem grave e permanentemente [alínea a) ]; no segundo caso, as lesões que eliminem ou afetem, de maneira grave, a capacidade de trabalho, as capacidades intelectuais, de procriação ou de fruição sexual, ou a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem [alínea b)] ; e, no terceiro caso, as doenças particularmente dolorosas ou permanentes, bem como a anomalia psíquica grave e incurável [alínea c)] . Parecendo certo que o conceito de lesão de gravidade extrema incorpora, relativamente às lesões graves, um diferenciador essencialmente qualitativo – no sentido em que nem todas as lesões graves serão qualifi- cáveis, nas suas manifestações mais severas, como lesões de gravidade extrema –, verifica-se que o Decreto n.º 109/XIV não fornece quaisquer pontos de referência com base nos quais aquele deverá operar. No quadro do direito civil, o Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, reconhecendo que «a ava- liação médico-legal do dano corporal, isto é, de alterações na integridade psicofísica, constitui matéria de particular importância, mas também de assinalável complexidade», aprovou uma tabela (indicativa) para a avaliação de incapacidades permanentes em direito civil, destinada a «ser utilizada exclusivamente por médicos especialistas em medicina legal ou por especialistas médicos de outras áreas com específica com- petência na avaliação do dano corporal […], constituindo assim um elemento auxiliar que se reputa de grande utilidade prática para a uniformização de critérios e procedimentos» (vide o preâmbulo do diploma). Serviu de base à elaboração deste instrumento uma tabela análoga adotada na União Europeia denominada Guide Barème européen d’évaluation des atteintes à l’intégrité physique et psychique ( Guide Barème Européen d’évaluation médicale des atteintes à l’intégrité physique et psychique, de 2006, www.ceredoc.eu ), enriquecida pela experiência do Instituto de Medicina Legal, com vista a facultar aos especialistas uma base sólida para «observações médicas precisas e especializadas» ( ibidem ). Cuida-se aqui, é certo, de responder ao delicado problema da quantificação económica de danos corporais para efeitos de cômputo da justa reparação dos danos não materiais sofridos, segundo princípios que não são transponíveis para a verificação dos pressupos- tos da morte medicamente assistida não punível. Contudo, constitui um exemplo de densificação de critérios de avaliação adotados com o propósito de assegurar a uniformização de procedimentos. De igual modo, o referido decreto-lei aprovou igualmente a nova Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, a qual constitui igualmente um exemplo de densificação de critérios de avaliação com aquele intuito uniformizador no domínio do direito laboral. Este tipo de instrumentos desempenhou ainda uma função auxiliar relevante no desenvolvimento da jurisprudência civil, facilitando a comparabilidade entre casos concretos. Assim, neste contexto, a avaliação do grau de gravidade das lesões baseia-se num lastro jurisprudencial muito relevante, observando-se que as referências a lesões graves, extremamente graves ou fortemente incapacitantes na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça é reservada a quadros de especial sensibilidade, tais como: – «[S]sofre lesões graves, dores atrozes, intervenção cirúrgica, internamento hospitalar, tratamento posterior prolongado, algaliamento, traqueostomização, infeções respiratórias e urinárias, tetraplegia motora e sen- sitiva, movimentação em cadeira de rodas com ajuda, tratamento ambulatório, crises de incontinência, impotência funcional, dependência de outrem na satisfação das necessidades básicas, depressão profunda e persistente desgosto» (acórdão de 13 de julho de 2004, processo n.º 04B2616);

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