TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
73 acórdão n.º 123/21 De resto, como o requerente salienta, a propósito do subcritério lesão definitiva de gravidade extrema, «sendo o único critério associado à lesão o seu carácter definitivo, e nada se referindo quanto à sua natureza fatal, não se vê como possa estar aqui em causa a antecipação da morte, uma vez que esta pode não ocorrer em consequência da referida lesão» (requerimento, ponto 8.º). Este aspeto – a possibilidade do subcritério em análise «permit[ir] uma interpretação, segundo a qual a mera lesão definitiva poderia conduzir à possibili- dade de morte medicamente assistida» (vide idem , ibidem ) –, adquire uma relevância acrescida, em razão das exigências colocadas pela imposição de proteção da vida humana relativamente a situações em que o recurso à colaboração voluntária de terceiros para antecipar a morte de uma pessoa, mesmo a seu pedido, pode con- siderar-se constitucionalmente admissível (cfr. supra o n.º 33). A indeterminação do conceito gravidade extrema, associado a uma lesão definitiva, torna-se ainda mais patente, quando confrontada com a falta de consenso relativamente ao caráter fatal das situações clínicas suscetíveis de legitimarem o acesso a um procedimento de antecipação da morte medicamente assistida no horizonte do direito comparado: enquanto os ordenamentos jurídicos europeus em que a eutanásia se encon- tra prevista (concretamente, o holandês, o belga e o luxemburguês) admitem que a morte assistida possa ocorrer sem que o doente sofra de uma doença fatal ou em fase terminal, a exigência inversa é feita nos orde- namentos jurídicos do continente americano (concretamente, no canadiano, no colombiano e nos Estados federados dos Estados Unidos da América que despenalizaram o suicídio assistido – Oregão, Washington, Vermont, Califórnia, Colorado, Havai, Nova Jérsia, Maine e Distrito da Colúmbia). Esta diversidade de soluções normativas reflete a diferença de valoração e de ponderação atribuída às mencionadas exigências de natureza objetiva relativas à proteção da vida humana em confronto com a autodeterminação individual do doente. Ora, a opção legislativa neste domínio tem de ser clara, de modo a permitir um juízo igualmente claro quanto à respetiva legitimidade constitucional, nomeadamente à luz da inviolabilidade da vida humana consagrada no artigo 24.º, n.º 1, da Constituição. 46. Sem prejuízo destas considerações, a verdade é que o legislador poderia ter mobilizado outros con- ceitos, muito mais comuns na prática (médica ou jurídica), que, sem perder plasticidade, seriam pronta- mente apreensíveis quando associados ao pressuposto relativo ao sofrimento intolerável. Pense-se, por exem- plo, na lesão incapacitante ou que coloque o lesado em situação de dependência, que a Lei de Bases dos Cuidados Paliativos define na base II, alínea i) , como «a situação em que se encontra a pessoa que, por falta ou perda de autonomia física, psíquica ou intelectual, resultante ou agravada por doença crónica, demência orgânica, sequelas pós-traumáticas, deficiência, doença incurável e ou grave em fase avançada, ausência ou escassez de apoio familiar ou de outra natureza, não consegue, por si só, realizar as atividades da vida diária» (aliás, os projetos apresentados pelo PAN e pelo PEV faziam menção, respetivamente, a “situação clínica de incapacidade ou dependência absoluta” ou a “lesão amplamente incapacitante” – cfr., o artigo 3.º, n.º 1 de ambos os projetos de lei). Solução próxima consta da alínea b) do n.º 3 da já citada Ley – ainda em processo de aprovação – orgânica de regulación de la eutanásia (espanhola), em que se define «[ p]adecimiento grave, crónico e imposibilitante» por referência ao impacto que a condição física da pessoa assume «sobre su autonomía física y actividades de la vida diaria, de manera que no pueda valerse por sí misma, así como sobre su capacidad de expresión y relación, y que llevan asociado un sufrimiento físico o psíquico constante e intolerable para la misma, existiendo seguridad o gran probabilidad de que tales limitaciones vayan a persistir en el tiempo sin posibilidad de curación o mejoría apreciable. En ocasiones puede suponer la dependencia absoluta de apoyo tecnológico .». Em qualquer caso, não cabe dúvida de que seria possível ao legislador encontrar uma formulação alterna- tiva, que se traduzisse numa maior densificação do elemento normativo que se pretende consagrar enquanto pressuposto da não punição da antecipação da morte medicamente assistida. Existem, com efeito, lugares paralelos no sistema normativo que – seja perante normas que atuam a montante ou normas que atuam a jusante – constituem exemplos de uma mais cuidada e fina densificação dos conceitos (indeterminados) que, em si mesmos, não são a priori constitucionalmente desconformes. Tome-se como exemplo o direito penal e o direito civil ( v. g. , no que se refere à avaliação de incapacidades por acidentes de trabalho ou doença
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