TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

724 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL tomar posição, em tutela dos seus interesses. Essa sequência temporalmente diferenciada, em termos diacrónicos, de contraposição de intervenções no processo corresponde à forma normal de concretização do princípio do contraditório, pelo menos numa fase de instrução, não se descortinando aqui interesses ou valores particulares que justifiquem a exigência de contemporaneidade do seu exercício, no momento e no ato em que são produzidas as declarações ou oferecidas as provas (eventualmente) a contradizer. Saliente-se, ainda, que é errado considerar a referida audição oral como um ato que dissesse “diretamente respeito” às demais coarguidas. É, pelo contrário, um ato que respeita diretamente apenas aquela arguida que, através da audição oral, pretende apresentar a sua defesa. Resulta do exposto que, no procedimento contraordenacional por infração às regras da concorrência, a referida audi- ção oral insere-se na fase da defesa e não na fase da produção de prova . Assim, se quisermos estabelecer algum para- lelismo com o processo penal, concluiremos que a audição oral (bem como a audição por escrito), a que se refere o artigo 26.º, n.º 2, da LdC, equivalerá (ressalvadas as devidas diferenças) à contestação do arguido, prevista no artigo 315.º do CPP, na qual este pode também requerer ou oferecer prova (cfr. n. os 1, 3 e 4). Já não tem qualquer fundamento, por motivos óbvios, a analogia que [o]s recorrentes estabelecem, ora entre a audição oral e o debate instrutório regulado no artigo 297.º do CPP, ora entre aquela e as declarações do arguido, em primeiro interro- gatório (artigo 141.º do CPP) ou em audiência de julgamento (artigos 343.º e 345.º do CPP). Diga-se apenas que o primeiro interrogatório judicial de arguido detido perante o juiz de instrução não tem qualquer equivalente em sede de processo contraordenacional; e que se alguma correspondência pudesse ser feita entre as declarações do arguido em audiência de julgamento e o procedimento contraordenacional, apenas se concluiria que aquelas se incluem na fase do julgamento, destinada, nomeadamente, à produção de prova, enquanto que a audição oral aqui em questão visa – repete-se – a apresentação da defesa sob a forma oral (em substituição ou complemento da defesa escrita). É igualmente inoportuna a comparação entre a audição oral prevista no artigo 26.º, n.º 2, da LdC, e a audi- ção regulada no artigo 100.º do Código do Procedimento Administrativo. Enquanto que aquela concretiza uma dimensão qualificada do direito de audiência, traduzida no direito de defesa, que é exigência de qualquer processo de tipo sancionatório, nos termos do n.º 10 do artigo 32.º da CRP, a audiência dos interessados em procedimento administrativo (não sancionatório) constitui uma concretização legislativa do direito de participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes disserem respeito, estabelecido no n.º 5 do artigo 267.º da Lei Fundamental. É, aliás, esta diferença fundamental que justifica que a falta de audiência no procedimento administrativo possa dar origem a diferentes desvalores jurídicos (nulidade ou anulabilidade – cfr. Mário Esteves de Oliveira/ Pedro Costa Gonçalves/ J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo, 2.ª edição, Coimbra, 1997, 449-451). Tudo isto para concluir que a interpretação do n.º 2 do artigo 26.º da LdC no sentido de não conferir direito à presença das coarguidas (e seus defensores) na audição oral de uma das arguidas, não ofende o princípio do contraditório garantido pelo n.º 10 do artigo 32.º da Constituição, pois nesta garantia não se inclui a possibilidade de as coarguidas presenciarem ou intervirem na apresentação da defesa por uma outra arguida, mesmo quando esta apresentação decorra sob a forma oral. Também não se vislumbra qualquer violação do princípio do processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da Constitui- ção). Muito pelo contrário, um tal princípio constitucional seria mais pertinentemente invocável na interpretação nor- mativa pugnada pel[o]s recorrentes, na medida em que esta levaria a admitir a intervenção das demais coarguidas no ato procedimental destinado ao exercício da defesa de uma outra arguida (e apenas no caso de esta optar por exercer essa defesa oralmente). Entender, como pretende [o] recorrente, que o direito ao contraditório faculta às outras arguidas, não apenas o direito de assistência a esse ato, mas a possibilidade de nele colocar questões ou solicitar esclarecimentos, significaria, na verdade, reconhecer que quem opta, no exercício da sua defesa, pela exposição oral não a pode desenvolver livremente, da forma que melhor entender conveniente, sem se sujeitar a interferências externas de representantes de outros interesses, eventualmente não coincidentes com os seus. Resta dizer que a invocada violação do direito do arguido ao patrocínio forense (artigos 20.º, n. os 1 e 2, e 32.º, n.º 3, da CRP) decai inevitavelmente em face do exposto. Não só não se está perante uma situação em que tenha sido negado o direito do arguido a acompanhar-se por defensor, como as mesmas razões que levaram a concluir que ao arguido não

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