TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

72 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL como se viu, inclui no seu enunciado a intenção de minorar o sofrimento – «[n]ão havendo, neste domínio, dois casos verdadeiramente iguais […], falecem os momentos de comunicabilidade suscetíveis de emprestar sentido e conteúdo rígido às categorizações legais ou doutrinais» (vide Consentimento e Acordo em Direito Penal , Coimbra Editora, Coimbra, 1991, p. 466). 43. Resta, assim, concluir que o conceito de “sofrimento intolerável”, embora amplo, não deixa de ser adequado para desempenhar a função a que se destina no contexto da norma do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV, podendo e devendo ser objetivado e comprovado em cada caso concreto mediante uma correta aplicação das leges artis . Nessa medida, apesar de indeterminado, o conceito em apreço não é indeterminável, mas antes determinável. Acresce que a sua abertura se mostra adequada ao contexto clínico em que terá de ser aplicado por médicos. Estas duas razões justificam suficientemente o grau de indeterminação em causa, não permitindo, no domínio particular da antecipação da morte medicamente assistida, a conclusão de que aquele grau contrarie as exigências de densidade normativa resultantes da Constituição. H) Cont.: a insuficiente densificação normativa do conceito “lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico” 44. Cumpre, de seguida, analisar o segundo segmento normativo questionado – em que é de exigir do legislador especial cuidado, precisamente, por não estar em causa uma doença fatal (como, aliás, o requerente não deixa de sublinhar): o conceito descritivo de um dos subcritérios do segundo critério, a lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico (requerimento, pontos 7.º e 8.º). Esta formulação terá tido origem nos projetos de lei apresentados pelo Bloco de Esquerda (artigo 1.º), bem como do Partido Socialista (artigo 2.º, n.º 1), os quais se referem de igual modo a «lesão definitiva» enquanto critério (ou subcritério) relevante para o acesso à antecipação da morte medicamente assistida por decisão da própria pessoa e de eutanásia não punível. O artigo 2.º do que viria a ser o Decreto n.º 109/ XIV – e, assim, a versão final do enunciado do subcritério que se reporta à «lesão definitiva» – foi aprovado na reunião de 6 de janeiro de 2021 da Comissão competente, na redação da proposta apresentada pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, com a introdução do seguinte inciso no n.º 1, por proposta oral do mesmo partido: “lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico” (cfr. a nota sobre os trabalhos preparatórios do Decreto n.º 109/XIV, anexo à resposta do autor da norma, p. 8 – cfr. supra o n.º 5). Está em causa uma condição cumulativa, a tratar como condição objetiva, que pressupõe um diagnós- tico consolidado. A lesão, enquanto traumatismo ou alteração patológica de um tecido, podendo ou não ser incapacitante, é verificável e suscetível de heteroavaliação. 45. A expressão adotada pressupõe o diagnóstico de uma lesão definitiva”. Se o adjetivo definitiva não suscita especiais dúvidas, o problema coloca-se a montante, desde logo, quanto à noção de lesão, uma vez que esta pode corresponder a condições de gravidade muito díspar (podendo ter na sua origem ou causa malformação, doença ou acidente traumático). O legislador qualifica-a, é certo, como definitiva, o que parece pressupor um juízo sobre o seu caráter permanente e irreversível [cfr. a “irreversível lesão” a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 142.º do Código Penal]. Mas, de modo a cingir o universo de lesões definitivas prefiguráveis, impôs que a lesão seja de gravidade extrema de acordo com o consenso científico (qualificação esta aditada, como se referiu, já na discussão dos projetos de lei, por iniciativa do Bloco de Esquerda). O segundo problema que se coloca é o de apreender o sentido de tal gravidade extrema, quando repor- tado a uma lesão definitiva, já que o legislador não concede qualquer indício do que se deva entender, para este efeito, como extremamente grave, nem é possível considerar que, por remissão para os conhecimentos da ciência médica, a norma se torne facilmente determinável pelos seus destinatários.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=