TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
715 acórdão n.º 266/21 contraordenação, em direito da concorrência, não tem o direito de assistir e participar, por intermédio dos seus mandatários, na inquirição de testemunhas indicadas por outras covisadas, a título de diligência complementar de prova, no decurso da instrução realizada na fase organicamente administrativa do processo de contraordenação, infringe os direitos à audiência e à defesa, em processo de contraordenação, enquanto garantias fundamentais, pessoais, consagradas no artigo 32.º (Garantias de processo criminal), n.º 10, da Constituição? 2.ª) As alegações d[o] recorrente procedem, nomeadamente, das premissas da igualização entre o processo de contraor- denação e o processo penal, e da igualização entre a fase de instrução do processo de contraordenação e a fase de instrução do processo penal, que a lei constitucional [ art. 32.º, n.º 10, e 165.º, n.º 1, als. c) e d) , a lei comum (RGCO), a juris- prudência constitucional (acórdãos n. os 158/92 e 73/12) e a melhor doutrina (Pinto de Albuquerque, Silva Dias, Mitsch, Klusmann, Lobo Moutinho et al., Engisch), todas infirmam, com boas razões, tornando infundadas as teses de inconstitucionalidade que propugna. 3.ª) A história, o sistema interno e a letra do artigo 32.º, n.º 10, da Constituição, (Nos processos de contraor- denação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa) traçam categoricamente a linha de fronteira que distingue o sentido e o âmbito das garantias constitu- cionais no processo criminal e das garantias constitucionais no processo de contraordenação (e demais processos sancionatórios). 4.ª) Este par de garantias (audiência e defesa), está em contraponto com a pluralidade de garantias do “pro- cesso criminal”, consagradas analiticamente nos anteriores n. os 1 a 9 do mesmo artigo 32.º (Garantias de processo criminal), da plenitude das garantias de defesa (incluindo o recurso), presunção da inocência, direito ao defensor e ao advogado, jurisdicionalização da instrução, estrutura acusatória, julgamento in absentia , proibições de prova, tutela do ofendido, juiz natural. 5.ª) Mas convém acrescentar que, afinal, as garantias constitucionais dos visados em processos de contraordenação não estão confinadas aos direitos de audiência e defesa, pois ainda está consagrada a decisiva garantia constitucional da via judiciária, através da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, processo judicial esse que deverá ser resolvido em “prazo razoável” e de modo ‘equitativo’ (arts. 20.º, n.º 4, e 268.º, 4). 6.ª) Por outra parte, a lei comum materializa este conceito constitucional, na medida em que concebe e estru- tura o regime jurídico do direito de mera ordenação social, e do correspondente processo de contraordenação, constantes do RGCO, como um ‘ordenamento sancionatório alternativo e diferente do direito criminal’. 7.ª) Quanto ao articulado do RCGO, releva neste contexto, o aspeto orgânico, segundo o qual o processa- mento das contraordenações, e a aplicação das coimas e das sanções acessórias competem, em princípio, às ‘autori- dades administrativas’, que não às autoridades judiciárias (RGCO, art. 33.º). 8.ª) Depois, há a salientar a garantia do acesso à via judiciária, em duas modalidades: o direito de impugnação, e o direito de recurso judicial, integrados por um princípio da proibição da reformatio in peius, e ambos com caráter de plena jurisdição, assim conferindo plena efetividade à garantia da via judiciária (RGCO, 64.º, n. os 3 a 5, 75.º, n.º 2, als. a) e b) . 9.ª) Atento este regime jurídico, não há que falar em fase administrava e fase judicial do processo de contraor- denação, como se fora apenas um único processo (sem embargo da relação de necessária pressuposição que entre ambos intercede, pois de impugnação de prévia decisão administrativa se trata) e tem, portanto, todo o cabimento, como vem sublinhado no acórdão recorrido, afirmar que entre a fase da instrução no processo de contraordenação por infrações à concorrência e a fase de instrução do processo penal, apenas intercede uma (falaciosa) similitude lexical, que não substantiva. 10.ª) Nas normas jurídicas constantes dos n. os 4 e 5 do artigo 25.º (Instrução do processo), do RJC, não vem estabelecido o direito vindicado pel[o] recorrente, do covisado assistir e participar, por intermédio dos seus mandatários, na inquirição de testemunhas indicadas por outras covisadas, a título de diligência complementar de prova, no decurso da instrução realizada na fase organicamente administrativa do processo de contraordenação por infrações ao direito da concorrência. 11.ª) Porém, não há aqui qualquer lacuna (normativa), como pretende [o] recorrente, a ser integrada através do recurso ao preceitos do processo criminal, ou seja, ‘à aplicação subsidiária, no processo de contraordenação, do
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