TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

712 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL e ao direito processual penal deverá ser bastante próxima, na justa medida em que constitui uma das principais incumbências do Estado garantir a livre concorrência, afetando as regras da concorrência transversalmente os inte- resses gerais dos agentes económicos, e fazendo eco disso mesmo, a gravidade das sanções aplicáveis às infrações jusconcorrenciais. Nesse sentido, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) tem vindo a confirmar a aplicação do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem referente a um processo justo e equitativo, em proces- sos jusconcorrenciais sancionatórios. Porém, importa não olvidar as especificidades do processo contraordenacional, que permitem, designada- mente, a concentração na mesma entidade dos poderes de regulação, investigação, acusação e sancionatório. E, em atenção a tais especificidades, o Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado a não aplicação direta e global aos processos contraordenacionais dos princípios constitucionais próprios do processo criminal, desde logo, o princípio da judicialização da instrução consagrado no n.º 4 do artigo 32.º. No caso dos autos, o recorrente insurge-se contra a decisão recorrida por entender deve aplicar-se a norma prevista no artigo 289.º do Código de Processo Penal [1] para a inquirição de testemunhas em fase de instrução, por via do disposto nos artigos 13.º da LdC e 47.º, n.º 1, do RGCO. Mas não lhe assiste razão. Na verdade, como se referiu na decisão recorrida, a fase em que a questão foi suscitada não é equivalente à da instrução em processo penal, pese embora a coincidência terminológica. Tendo a Autoridade da Concorrência elaborado e notificado os Visados da nota de ilicitude, importa ter pre- sente que esta peça tem a finalidade de possibilitar ao Visado uma última e cabal oportunidade de defesa antes de ser proferida a decisão final. Como se decidiu no Assento do STJ 1/2003, de 25 de janeiro, a nota de ilicitude deve fornecer os elementos necessários para que o infrator fique a conhecer todos os aspetos relevantes para a decisão nas matérias de facto e de direito. Mas não equivale à notificação da acusação, pois não constitui a decisão final da autoridade administrativa – esta é que, uma vez impugnada judicialmente e remetida ao juiz pelo Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 62.º do RGCO, será convolada em acusação, tendo por base a decisão final da autoridade administrativa, impugnada pelo arguido e ‘apreciada’ pelo Ministério Público. Por outro lado, a acusação em processo penal pressupõe e exige o exercício prévio pelo arguido dos direitos de audição e defesa, o que não sucede obrigatoriamente no processo contraordenacional antes da notificação da nota de ilicitude. O artigo 25.º da LdC ocupa-se, pois, da segunda fase do procedimento sancionatório, que se inicia com a noti- ficação da nota de ilicitude [cfr. artigo 24.º, n.º 3, al. a) , da LdC], concretizando o direito de defesa do visado a ser ouvido, a pronunciar-se sobre as questões que possam interessar à decisão do processo e sobre as provas produzidas bem como a requerer diligências complementares de prova que considere convenientes para a sua defesa, tudo em conformidade com o artigo 50.º do RGCO e 32.º, n.º 10, da CRP. Entendeu-se no já citado Acórdão desta Relação de 20.02.2019, proferido no apenso G, que ‘o exercício do contraditório e o exercício do direito à prova implicam que o Visado, que arrolou as testemunhas, as possa inquirir e contrainquirir, produzindo a sua prova, constituindo a presença do Visado no ato de inquirição das testemunhas arroladas uma dimensão essencial do exercício do contraditório’. Compreende-se com facilidade que o exercício do contraditório e do direito à prova implicam que o visado que arrolou as testemunhas e que tem, portanto, a noção dos factos que pretende demonstrar com os respetivos depoimentos, as possa inquirir e contrainquirir, produzindo a sua prova, constituindo a presença do Visado no ato de inquirição das testemunhas arroladas uma dimensão essencial do exercício do contraditório – as diligências de prova, quando requeridas pela visada, são a materialização do direito de audição e defesa. [1] Refere-se ao artigo 289, n.º 2 do CPP; “[o] Ministério Público, o arguido, o defensor, o assistente e o seu advogado podem assistir aos atos de instrução por qualquer deles requeridos e suscitar pedidos de esclarecimento ou requerer que sejam formuladas as perguntas que entenderem relevantes para a descoberta da verdade”.

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