TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
707 acórdão n.º 265/21 tribunais visa evitar situações de denegação de justiça motivada pela «insuficiência de meios económicos». No já citado Parecer n.º 8/78, de 23 de fevereiro, da Comissão Constitucional, sustentou-se, com pertinên- cia, que no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, «ao assegurar[-se] a todos o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos, o legislador constitucional reafirma o princípio geral da igualdade consignado no n.º 1 do artigo 13.º; Mas indo além do mero reconhecimento de uma igualdade formal no acesso aos tribunais, o n.º 1 do artigo 20.º, na sua parte final, propõe-se afastar neste domínio a desigualdade real nascida da insufi- ciência de meios económicos, determinando expressamente que tal insuficiência não pode constituir motivo de denegação da justiça.». Concluiu-se no referido parecer que «[e]stá assim o legislador constitucional a consagrar uma aplicação concreta do princípio sancionado no n.º 2 do artigo 13.º, segundo o qual “ninguém pode ser (…) privado de qualquer direito (…) em razão de (…) situação económica”». Na situação dos presentes autos em que o recorrente, que litiga com o benefício do apoio judiciário, ultrapassa um prazo legalmente previsto para deduzir determinado impulso processual, por motivo que só a ele e ao seu representante ou mandatário é imputável e que não merece tutela da lei, não está em causa a denegação de justiça assente na insuficiência de meios económicos. Não se trata, neste caso, de evitar a denegação de justiça perante uma situação de desigualdade assente na situação económica das partes, que é, justamente, ultrapassada pela concessão do benefício da proteção jurídica nas suas diversas modalidades. Diferentemente, o que está em causa na presente apreciação é a aplicação de uma sanção processual resultante da adoção de uma conduta desviante das regras de boa-fé e diligência processual, que, por repre- sentar uma realidade de facto distinta, não reclama da parte do legislador tratamento igual. Com efeito, não decorre do princípio da igualdade aqui invocado uma imposição ao legislador ordinário que, em face da situação de insuficiência de meios económicos de um mesmo sujeito processual, estabeleça, nesse caso, tratamento igual para situações de facto distintas. Aliás, o invocado tratamento «desigual» é justificado pelo uso diferenciado que, numa e noutra situações, é feito do sistema de justiça. Por um lado, em face do reco- nhecimento da sua insuficiência económica, é concedida proteção jurídica à parte com vista a concretizar a garantia de acesso ao direito. Diversamente, a aplicação de uma multa à parte que, beneficiando daquela proteção jurídica, adota uma prática negligente, ou seja, procede à apresentação a juízo de ato processual além do prazo legal estabelecido para esse efeito, representa a contrapartida de um benefício que lhe é dado pelo legislador, que encontra justificação no atraso criado ao normal funcionamento do sistema de justiça, benefício esse que, como vimos, não decorre de uma imposição da Lei Fundamental. Resulta claro do processo em análise que o recorrente não foi impedido de aceder aos meios processuais legalmente previstos para uma normal tramitação da ação, tendo até, nesse âmbito, pela verificada insuficiência de meios económicos, beneficiado do apoio judiciário. Na verdade, o recorrente só se viu confrontado com a necessidade de efetuar o pagamento de uma multa, que, como vimos, enquanto sanção processual, não visa cumprir o objetivo inerente ao instituto do acesso ao direito, por ter deixado ultrapassar o prazo legal fixado para a prática de ato processual sem a tal ter procedido, circunstância que, atenta a benevolência do legislador, não o impede de beneficiar, bem como as demais partes processuais e independentemente de se encontrarem numa situação de carência económica, da prerrogativa prevista nos n. os 5 e 6 do artigo 139.º do CPC. Neste contexto, sob pena de se neutralizarem as normas que definem os prazos processuais e até gerar situações de desigualdade entre os sujeitos processuais que litigam com apoio judiciário e os que a ele legal- mente não têm direito, não tem razão de ser a tese aqui defendida pelo recorrente. Como se consignou na já referida decisão sumária exarada no Processo n.º 907/98, «a imposição do pagamento de multas, em certas circunstâncias, tem também a função de garante do princípio da igualdade das partes no processo, obstando a que uma das partes fique privilegiada em relação à outra, sem qualquer contrapartida», razão pela qual «[a] s multas previstas no artigo 145.º, n.º 6, do Código de Processo Civil não configuram, por isso, qualquer situação de violação do princípio da igualdade das partes no processo civil, antes pelo contrário: representam uma garantia da reposição da igualdade das partes, quando a igualdade seja quebrada em virtude do incum- primento de deveres processuais por alguma delas.»
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