TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
68 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL igualmente, permitir o controlo judicial da (eventual) ausência de critérios de gestão e a proporcionalidade das suas consequências face à lesão profunda [daquele] direito […].» No mesmo sentido, afirma Jorge Reis Novais «[e]m Estado de Direito, baseado na dignidade da pes- soa humana e nos direitos fundamentais, o reconhecimento da inevitabilidade de a autonomia, liberdade e bem-estar individuais constitucionalmente protegidos poderem ser restringidos vem a par da necessidade de o sentido e o alcance da restrição, bem como a medida concreta da sua potencial aplicação, serem determi- náveis com suficiente precisão, possuírem um conteúdo normativo suficientemente denso e, como tal, iden- tificável pelos destinatários e afetados, virem estritamente recortados em função dos fins que os justificam e serem, portanto, necessários, reconhecíveis no seu conteúdo e previsíveis nos seus efeitos.» (vide Princípios Estruturantes de Estado de Direito , Almedina, Coimbra, 2019 [reimpr.], p. 267). Exige-se, assim, ao legislador, e apenas do legislador, que forneça aos intervenientes no procedimento administrativo que culmina com a emissão do parecer da CVA critérios com um grau de precisão e deter- minabilidade tal, que viabilize a adoção de decisões fundamentadas, congruentes e sindicáveis. O grau de precisão e de determinabilidade é tanto mais importante quanto se trata de normas que, estabelecendo cri- térios ou pressupostos (elementos de previsão da norma) a montante das condutas (futuras, subsequentes à sua previsão) dos seus destinatários, se destinam a orientar as mesmas no exercício da competência que lhes é cometida, num quadro procedimental instituído pelo Decreto n.º 109/XIV, sejam destinatários com natu- reza pública ou destinatários do sector privado ou social que atuam no quadro de normas jurídico-públicas. 40. O n.º 1 do artigo 2.º do Decreto em análise contempla diversos pressupostos (elementos de previsão da norma) cuja formulação não suscita dúvidas – decisão da própria pessoa; maior; vontade atual, reiterada, séria, livre e esclarecida; praticada ou ajudada por profissionais de saúde. Mas remete para o médico orien- tador, para o médico especialista e para os demais intervenientes no procedimento, com particular destaque para a CVA, a verificação em concreto do preenchimento dos requisitos de situação de sofrimento intole- rável; lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico e doença incurável e fatal – pressupostos que, afinal, e na ótica do próprio legislador, são fundamentais para que se justifique, à luz do dever de proteção da vida humana, a não intervenção punitiva do Estado. O legislador estabelece uma conexão entre estes elementos através do recurso sequencial à preposição com, seguida da conjunção disjuntiva ou, tornando claro que o sofrimento intolerável é um pressuposto fun- damental, mas apenas quando conjugado com um dos pressupostos seguidamente enunciados, seja a lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico, seja a doença incurável e fatal. Aliás, a generalidade dos projetos de lei apresentados – ainda que com variações quanto aos conceitos adotados – optou por uma articulação de dois pressupostos, associando um diagnóstico a um estado, o que consiste já num primeiro patamar de densificação da previsão normativa (cfr. os projetos de lei do Bloco de Esquerda [artigo 1.º], do PAN (artigo 3.º), do Partido Socialista [artigo 2.º, n.º 1], do PEV [artigo 3.º] e da IL [artigo 1.º]). Noutras disposições, ainda que de índole procedimental, é possível encontrar referência a outros ele- mentos, que os especialistas intervenientes no procedimento deverão ter em conta na elaboração e funda- mentação dos respetivos pareceres, reveladores dos juízos que destes são esperados. Assim, por exemplo, no n.º 3 do artigo 3.º, refere-se que o médico orientador se encontra obrigado a consultar e assumir o historial clínico do doente como «elemento essencial do seu parecer»; no n.º 1 do artigo 4.º, refere-se que ao doente deve ser prestada informação sobre o prognóstico relativo à situação clínica que afeta o requerente (e que essa informação deve constar do RCE, nos termos do n.º 2 do artigo 4.º); no n.º 1 do artigo 5.º, estabelece-se que o médico especialista deve confirmar o diagnóstico e prognóstico da situação clínica; e no artigo 6.º, admi- te-se a possibilidade de intervirem outros médicos especialistas (psiquiatras) e psicólogos aptos a avaliarem a condição psicológica do doente.
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