TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
67 acórdão n.º 123/21 âmbito da reserva de competência legislativa da Assembleia da República, por força da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, convocando de modo especialmente intenso – atenta a relevância da matéria para um bem jurídico fundamental como a vida humana e o caráter definitivo e irreversível das decisões que prevê quanto ao mesmo – as exigências de determinabilidade que decorrem do princípio do Estado de direito democrático. Conforme a jurisprudência deste Tribunal tem entendido – vide, por exemplo, o Acórdão n.º 225/18 (n.º 53) –, a disciplina legislativa em matéria de direitos, liberdades e garantias, que é matéria de reserva de lei parlamentar, em especial quando restritiva daqueles – mas idêntica exigência vale, por identidade ou até por maioria de razão, quanto às condições legais de admissibilidade de condutas que possam lesar definitiva e irreversivelmente os bens jurídicos por eles protegidos, como sucede in casu relativamente à vida humana, e às condições legais de exercício da autonomia pessoal que tornam possível tal lesão –, deve obedecer a critérios de precisão ou determinabilidade, decorrentes do princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição. Como referido no Acórdão n.º 285/92, e foi reiterado em juris- prudência posterior: «[A] questão da relevância do princípio da precisão ou determinabilidade das leis anda associada de perto à do princípio da reserva de lei e reconduz-se a saber se, num dado caso, o âmbito de previsão normativa da lei preenche ou não requisitos tidos por indispensáveis para se poder afirmar que o seu conteúdo não consente a atribuição à Administração, enquanto executora da lei, de uma esfera de decisão onde se compreendem elementos essenciais da própria previsão legal, o que, a verificar-se, subverteria a ordem de repartição de competências entre o legislador e o aplicador da lei. […] Reconhece-se, sem dificuldade, que o princípio da determinabilidade ou precisão das leis não constitui um parâmetro constitucional “a se”, isto é, desligado da natureza das matérias em causa ou da conjugação com outros princípios constitucionais que relevem para o caso. Se é, pois, verdade que inexiste no nosso ordenamento cons- titucional uma proibição geral de emissão de leis que contenham conceitos indeterminados, não é menos verdade que há domínios onde a Constituição impõe expressamente que as leis não podem ser indeterminadas, como é o caso das exigências de tipicidade em matéria penal constantes do artigo 29.º, n.º 1, da Constituição, e em matéria fiscal (cfr. artigo 106.º da Constituição) ou ainda enquanto afloramento do princípio da legalidade ( nulla poena sine lege ) ou da tipicidade dos impostos ( null taxation without law ). Ora, atento o especial regime a que se encontram sujeitas as restrições aos direitos, liberdades e garantias, cons- tante do artigo 18.º da Constituição, em especial do seu n.º 3, e em articulação com o princípio da segurança jurí- dica inerente a um Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição), forçoso se torna reconhecer que, em função de um critério ou princípio de proporcionalidade a que deverão estar obrigadas as aludidas restrições […], o grau de exigência de determinabilidade e precisão da lei há de ser tal que garanta aos destinatários da normação um conhecimento preciso, exato e atempado dos critérios legais que a Administração há de usar, diminuindo desta forma os riscos excessivos que, para esses destinatários, resultariam de uma normação indeterminada quanto aos próprios pressupostos de atuação da Administração; e que forneça à Administração regras de conduta dotadas de critérios que, sem jugularem a sua liberdade de escolha, salvaguardem o “núcleo essencial” da garantia dos direitos e interesses dos particulares constitucionalmente protegidos em sede de definição do âmbito de previsão normativa do preceito ( Tatbestand ); e finalmente que permitam aos tribunais um controlo objetivo efetivo da adequação das concretas atuações da Administração face ao conteúdo da norma legal que esteve na sua base e origem.» Ou seja, conforme sintetizado no Acórdão n.º 474/13: «Incumbe ao Estado inscrever na lei critérios claros, precisos e seguros de decisão, em termos de conferir à atuação da Administração espaço concretizado de vinculação – e não de volição primária – através da identifica- ção de um núcleo relevante para legitimar a intervenção restritiva do direito, liberdade e garantia afetado. Como,
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