TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

669 acórdão n.º 178/21 Caberia, pois, ao Tribunal Constitucional, proceder ao controlo da constitucionalidade de tal automa- ticidade à luz do princípio da proporcionalidade e do direito fundamental de acesso aos tribunais e à justiça, previsto no artigo 20.º da Constituição. 3. Os tribunais arbitrais são, nos termos do seu artigo 209.º, n.º 2, da Constituição, um dos tipos de tribunal que integra a nossa ordem jurídica. Neste âmbito, e com alguns limites decorrentes do texto cons- titucional, o legislador pode consagrar regimes de arbitragem necessária. Quando o faz, no entanto, deve ter o cuidado de garantir que os tribunais arbitrais necessários têm um regime que assegure independência, imparcialidade e qualidade de decisão pelo menos equivalente à dos tribunais estaduais. Da mesma forma, é necessário garantir que a instituição de um regime de arbitragem necessária não implique uma restrição constitucionalmente inadmissível do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º, n.º 1, da Constituição). Quando impõe aos cidadãos o dever de recorrer a tribunais arbitrais para obter acesso à justiça, o legisla- dor fica obrigado a estabelecer um regime, nomeadamente de custas, que não torne tal acesso excessivamente oneroso, esvaziando-o de conteúdo. A liberdade do legislador para a instituição de sistemas de arbitragem necessária implica que este deva assegurar o seu financiamento de forma a garantir a independência e impar- cialidade dos juízes arbitrais, mas igualmente que o regime de custas aplicável não restrinja excessivamente o acesso à justiça. Contrariamente ao que acontece em casos de arbitragem voluntária, em que o cidadão, por motivos relacionados com a celeridade dos julgamentos ou a escolha dos árbitros, no caso da arbitragem necessária, os cidadãos não têm escolha a não ser recorrer ao tribunal arbitral. Este limite – a garantia de acesso à tutela jurisdicional efetiva – é especialmente importante nas situa- ções em que é instituído um regime de arbitragem necessária no âmbito do controlo jurisdicional de atos materialmente administrativos, como é o caso de (pelo menos) alguns dos atos praticados pelas federações desportivas abrangidos pela jurisdição do TAD (artigo 268.º, n.º 4, da Constituição), tal como afirmado pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 230/13, proferido em Plenário, nos pontos 12 e 13.  4. É, pois, num tal contexto que deve ser ponderado se a introdução de um nível obrigatório de custas apurado, nas causas de valor inferior a € 30 000, de forma automática e cega às diferenças, sem possibilidade de conformação pelo julgador em função das especificidades do caso concreto, é compatível com o princípio da proporcionalidade associado ao direito fundamental de acesso à justiça. Para a necessária ponderação dos interesses envolvidos, e na linha do que tem sido a jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria de custas judiciais – aqui necessariamente aplicável por se tratar da única via jurisdicional aberta aos cidadãos –, é de referir o Acórdão n.º 615/18, da 1.ª Secção, ponto 14: «No que concerne aos critérios de fixação do montante da taxa de justiça, a jurisprudência do Tribunal tem afir- mado que a Constituição não impõe a gratuitidade da utilização dos serviços de justiça, dispondo o legislador de uma larga margem de liberdade de conformação (cfr. v. g. , o Acórdão n.º 227/07, 2.ª Secção, ponto 6). Existem, no entanto, limites inultrapassáveis a esta liberdade como as imposições constitucionais da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, segunda parte, da Constituição) e da tutela do acesso ao direito e à justiça (artigo 20.º da Constituição). A fixação de taxas de tal modo elevadas desfasadas do custo e da utilidade do serviço prestado, na prática, pode inibir o cidadão comum de aceder à justiça, comprometendo a tutela jurisdicional efetiva dos direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos. Conforme afirmado no Acórdão n.º 349/02, 3.ª Secção, ponto 11, “o que é exigível é que, de um ponto de vista jurídico, o pagamento do tributo tenha a sua causa e justificação – material, e não meramente formal –, na perceção de um dado serviço”. (…)  Por incidir sobre questão de constitucionalidade atinente ao acréscimo da taxa de justiça nas causas de valor superior a determinado montante, embora, por referência a um quadro normativo diferente, designadamente o

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