TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

66 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL autoadministração das referidas substâncias; imediatamente antes de esta se ter iniciado, o primeiro tenha confirmado junto do segundo a vontade de antecipar a sua morte, na presença de pelo menos uma testemu- nha, devidamente identificada; e a cedência e autoadministração dos fármacos letais tenha sido, respetiva- mente, realizada pelo médico orientador ou na presença deste. Do exposto resulta assim que, na parte em que estabelece os pressupostos da ação causadora ou auxilia- dora da morte que tem lugar após procedimento formal de verificação das condições previstas no artigo 2.º do Decreto n.º 109/XIV, a causa de exclusão da punibilidade prevista no mesmo Decreto é integrada apenas por elementos descritivos e conceitos determinados, o que coloca o autor material do facto em condições de poder motivar e dirigir a sua atuação. Este – que só pode ser, como vimos, um profissional de saúde – dis- põe, pois, e em suma, dos meios necessários para orientar a sua conduta de modo a evitar a punibilidade das condutas tipificadas nos artigos 134.º e 135.º do Código Penal, em termos que satisfazem as exigências de determinabilidade, conforme vêm sendo delineadas pela jurisprudência deste Tribunal. F) A insuficiente densificação normativa dos conceitos descritivos dos critérios de acesso à morte medicamente assis- tida questionados pelo requerente face ao princípio da determinabilidade das leis 38. De todo o modo, a conclusão anterior não permite responder às dúvidas e questões colocadas pelo requerente (cfr. supra o n.º 10). Para o fazer, e uma vez que está em causa uma norma destinada a permitir a avaliação da existência de um direito no âmbito de um procedimento regulado pela lei e em que intervém com poder autorizativo uma entidade administrativa independente – a CVA –, justifica-se convocar o prin- cípio da determinabilidade das leis, enquanto corolário do princípio do Estado de direito democrático e da reserva de lei parlamentar, decorrentes das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição (cfr. supra o n.º 35), por referência ao direito à vida (artigo 24.º da Constituição), interpretado de acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana. Saliente-se que a exigência de um especial cuidado em matéria de determinabilidade da lei ou de den- sificação normativa pode resultar não só de se estar no âmbito de domínio abrangido pela reserva de lei parlamentar, mas igualmente das exigências do princípio da legalidade administrativa (vide, em especial, o artigo 266.º, n.º 2, da Constituição), na sua vertente da precedência da lei. Como se afirmou no Acórdão n.º 296/13 (II, 46), «a norma legal habilitante da atuação administrativa tem de apresentar um mínimo de densidade, i. e. , tem de conter uma disciplina suficientemente precisa (densa, determinada), de forma a, no mínimo, poder representar um critério legal orientador da atuação para a administração, permitindo o respetivo controlo por juízos de legalidade e a defesa dos direitos e interesses dos cidadãos. A falta de um critério legal efetivo, garantindo a imparcialidade e evitando a arbitrariedade, priva a função administra- tiva de parâmetro de atuação)». Tal preocupação faz todo o sentido no presente contexto, uma vez que os segmentos normativos questionados no requerimento, por força do procedimento clínico e legal instituído pelo Decreto n.º 109/XIV também se dirige – como decorre da argumentação do requerente – à atuação da própria Administração, nomeadamente a CVA, a qual não pode ficar subtraída ao controlo judicial da legalidade da sua atuação. Assim, cumpre apreciar se os dois concretos segmentos normativos, contidos no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto n.º 109/XIV, identificados pelo requerente – o critério de antecipação da morte por decisão da pró- pria pessoa, maior, quando “em situação de sofrimento intolerável” e o subcritério relevante para o mesmo efeito de antecipação da morte medicamente assistida não punível, “lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico” – cumprem as exigências do princípio da determinabilidade da lei. 39. Estando em causa a proteção do direito à vida, consagrado no artigo 24.º, n.º 1, da Constituição e, bem assim, o mínimo imposto pela dignidade humana quanto à liberdade de ação e de autodeterminação pessoal, enquanto dimensão do direito ao desenvolvimento da personalidade (artigo 26.º, n.º 1, em articu- lação com o artigo 1.º, ambos da Constituição), dúvidas não restam de que o diploma em análise se situa no

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