TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

659 acórdão n.º 178/21 Considerou o Tribunal Constitucional que, havendo similitude entre a tributação processual a título de taxa de justiça e a fixação de honorários notariais, as normas que fixam o valor destes últimos «devem ser orientadas pelos mesmos critérios jurídico-constitucionais que determinam o valor das custas judiciais», pois que «do ponto de vista dos interessados, o facto de o processo de inventário ter, por decisão do legislador democrático, sido trans- ferido dos Tribunais para os Cartórios Notariais, não tem qualquer consequência na natureza dos custos que lhes cabem; mantém-se uma contraprestação pela utilização dos serviços de justiça – uma taxa – independentemente da configuração dos poderes públicos materialmente conferidos ao notário». Neste quadro de argumentação, con- cluiu-se que, «não importando a desjudicialização do processo de inventário a modificação da sua substância», era de convocar a jurisprudência constitucional desenvolvida acerca das normas de fixação da taxa de justiça, desig- nadamente no que respeita ao controlo dos concretos resultados tributários produzidos por aplicação de critérios exclusivamente assentes no valor da ação. Afigura-se que idêntica solução se impõe, por maioria de razão, em relação aos tribunais arbitrais instituídos pelo Estado, como é o caso do TAD, os quais não só exercem uma atividade materialmente jurisdicional, como assumem do ponto de vista orgânico-funcional uma estrutura global equivalente à dos tribunais estaduais. Na verdade, tanto as custas dos processos judiciais como as custas dos processos arbitrais (necessários) condicionam o exercício do direito de acesso aos tribunais (artigo 20.º da Constituição), categoria que, por expressa determinação cons- titucional, inclui os tribunais estaduais e os tribunais arbitrais (artigo 209.º, n. os 1 e 2, da mesma Lei Fundamental), cuja atividade material participa dessa teleologia garantística comum. Por isso, o critério de determinação do respetivo valor não pode conduzir, num e noutro caso, a montantes manifestamente desproporcionados à complexidade da causa e à utilidade que as partes dela retiram, sob pena de violação das exigências de necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido restrito também aplicáveis neste domínio normativo. Por isso, é de aplicar às custas dos processos arbitrais necessários o essencial da parametrização constitucional que a jurisprudência constitucional tem desenvolvido em matéria de custas judiciais. 2.4. Registando as principais linhas de força dessa jurisprudência, com interesse para o objeto do presente recurso, cumpre salientar que o Tribunal Constitucional nunca pôs em causa a constitucionalidade de soluções de tribu- tação exclusivamente assentes no valor da causa, como se sublinha no Acórdão n.º 803/17 . Tais soluções são ditadas pelo legislador democraticamente eleito, no exercício da liberdade de conformação normativa que lhe assiste também em matéria de fixação do preço do serviço público de justiça, sendo certo que a Constituição não consagra, neste domínio, uma regra de gratuidade, nem fixa valores de cobrança. Indispensável é que a aplicação de um tal critério de determinação do montante de custas não conduza à cobrança de taxas de justiça manifestamente despropor- cionais ao custo do concreto serviço de justiça prestado, atento o grau de complexidade do processo judicial e a utilidade que o cidadão dele retirou, sob pena de descaracterização da natureza necessariamente bilateral e sinalag- mática desse específico meio de tributação. É, pois, também a esta luz que se deverá aferir a inconstitucionalidade das normas a que o Tribunal a quo recusou aplicação. Com uma ressalva, porém, que se relaciona com a segunda ideia fundamental acima destacada – a de que os tri- bunais arbitrais, sendo tribunais, não são, em certos aspetos, tribunais «como os outros», o que decorre essencialmente do facto de «não [serem] órgãos estaduais, correspondendo a sua atividade a um verdadeiro exercício privado da função jurisdicional», como se esclarece no Acórdão n.º 230/13. Com efeito, nos tribunais arbitrais, sejam eles voluntariamente constituídos pelas partes, sejam eles instituídos pelo Estado, a decisão do litígio é cometida a árbitros, os quais, embora exerçam uma atividade materialmente jurisdicional, não têm o estatuto de juízes de carreira, nem fazem parte da organização do poder político do Estado. A criação do TAD, tal como as medidas previstas designadamente na Lei n.º 6/2011, de 10 de março, que sujeitou a arbitragem necessária os conflitos de consumo entre os utilizadores e os prestadores de serviços públicos essenciais, e na Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, entretanto revogada, que submeteu à arbitragem necessária os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial relacionados com medicamentos de referência e medicamentos genéricos, integram-se num fenómeno mais geral de «desintegração do caráter estadual dos tribunais»

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