TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
658 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL na perspetiva da Constituição, os tribunais arbitrais, voluntários e necessários, são «verdadeiros tribunais»; ii) e a ideia de que, sendo-o, não são, em determinados aspetos, «tribunais como os outros » (Acórdão n.º 230/86). 2.3. A primeira asserção assenta no reconhecimento da natureza materialmente jurisdicional das funções exer- cidas pelos tribunais arbitrais e no estatuto de independência e imparcialidade dos árbitros. Verificando-se estes dois traços, um relacionado com o tipo de atividade exercida, essencialmente dirigida à composição de litígios (objeto), e outro respeitante às características exigíveis a que tem a seu cargo o exercício dessa atividade (sujeito), é possível concluir que estamos perante um verdadeiro tribunal, não relevando para efeitos constitucionais a natureza pública ou privada da entidade que reúne estruturalmente essa dupla dimensão orgânica e funcional. Como se afirma no Acórdão n.º 230/86, «embora a administração da justiça caiba em exclusivo aos tribunais, tal não significa que esse exclusivo respeite apenas aos tribunais estaduais; abrange também os tribunais arbitrais que, não podendo considerar-se órgãos de soberania, são verdadeiros tribunais» (cfr., no mesmo sentido, Acórdãos n. os 419/87, 33/88, 98/88, 250/96 e 465/97). Ora, sendo os tribunais arbitrais «verdadeiros tribunais» não se lhes pode deixar de aplicar também o regime garantistico consagrado no artigo 20.º da Constituição, nos aspetos que possam implicar com o exercício dos direi- tos fundamentais dos cidadãos e, desde logo, com o próprio direito de acesso aos tribunais aí consagrado. Em desenvolvimento desse quadro garantistico comum, a Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro, enuncia uma série de princípios de estruturação do processo arbitral e obrigações dirigidas aos árbitros, na apreciação e decisão do litígio submetido à sua apreciação, que têm no direito funda- mental ao processo equitativo a sua fonte de legitimação material – princípios e obrigações cuja violação constitui fundamento de anulação da decisão arbitral invocável perante os tribunais estaduais [cfr., designadamente, artigos 30.º, n.º 1, 42.º, n. os 1 e 3, e 46.º, n.º 2, alíneas ii) e vi) ]. E é também nessa perspetiva que devem ser interpretadas as normas que, no âmbito da arbitragem cometida ao TAD, impõem na tramitação dos respetivos processos a observância dos valores da igualdade e do contraditório garantidos pelo princípio constitucional do processo equitativo (cfr. artigo 34.º da Lei n.º 74/2013). O princípio da equivalência constitucional dos tribunais arbitrais e tribunais estaduais, na perspetiva das garan- tias dos cidadãos, sendo aplicável à arbitragem voluntária, não sofre desvios quando aplicado aos tribunais arbitrais necessários, antes pelo contrário. Como vimos, a criação destes últimos decorre de um ato do poder público, que simultaneamente impõe aos particulares o recurso necessário a essa via de composição de conflitos, o que mate- rialmente representa uma transferência para o domínio privado de uma função que originariamente pertence ao Estado – a de administrar a justiça (artigo 202.º, n.º 1, da Constituição). Ora, tratando-se de uma obrigação do Estado a que corresponde um direito fundamental dos cidadãos (artigo 20.º, n.º 1, da Constituição), parece claro que a regulamentação legal dos processos que correm termos nos tribu- nais arbitrais necessários deve estar sujeita aos mesmos princípios constitucionais que regem as normas respeitantes aos processos judiciais, competindo ao Estado assegurar, em qualquer caso, os valores tutelados pelo princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20.º da Constituição. Assim sendo, tal como sucede com os tribunais do Estado, o acesso aos tribunais arbitrais por este criados não pode ser denegado por insuficiência de meios económicos (artigo 20.º, n.º 1, da Constituição) e as custas dos processos arbitrais que aí correm termos não devem atingir valores tais que inviabilizem na prática o acesso ao ser- viço de justiça, impondo-se também neste domínio o respeito pelo princípio constitucional da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição). A ideia de que o padrão constitucional de controlo dos valores de tributação fixados pelo legislador em rela- ção ao serviço de justiça não sofre substanciais variações em função da natureza da entidade competente para a sua prestação foi recentemente sublinhada, ainda que em diferente contexto normativo, no Acórdão n.º 803/17. Estava em causa nesta decisão a inconstitucionalidade de norma, ou interpretação, que estabelecia para os hono- rários notariais devidos em processo de inventário de valor superior a € 275 000 acréscimos tributários crescentes por cada € 25 000 ou fração, sem qualquer limite máximo, não permitindo que o montante dos honorários fosse fixado de acordo com a complexidade e tempo gasto.
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