TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
644 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de árbitros e € 75 de encargos administrativos, perfazendo € 3 325 –, pese embora se reconheça que o valor é elevado, não se antevê que, à partida e necessariamente ponha em causa o direito de acesso à justiça ou o condicione em termos constitucionalmente inaceitáveis, considerando as especificidades da justiça arbitral do desporto. IV – Este juízo segue, no essencial, a linha argumentativa da jurisprudência citada, cuja validade aqui se reafirma, a qual atravessa as seguintes ideias fundamentais: são admissíveis, em princípio, soluções de tributação exclusivamente assentes no valor da causa; o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) é um verdadeiro tribunal, mas essa constatação não afasta algumas particularidades, que relevam para o juízo de proporcionalidade; mostra-se necessário viabilizar, em condições de independência, o funcio- namento de uma entidade jurisdicional que tem por função prestar um serviço de justiça compatível com as necessidades próprias do sistema desportivo; e há que assegurar a competência e qualificação especializada dos árbitros, por um lado, e a prolação de decisões em tempo compatível com a natu- reza específica do tipo de litígios abrangidos pela sua jurisdição; considerando o conjunto destes argumentos, não se acompanha o recorrente quando afirma – relativamente à primeira perspetiva em apreciação – que possa estar em causa o direito fundamental de acesso à justiça (que, neste caso, repre- senta uma via necessária); ademais, este primeiro momento de ponderação não deixa desprotegidas as partes, visto que aos desequilíbrios reveladores de severa desproporção entre o valor dos custos com a justiça e o valor da causa apreciada se poderá atender num segundo momento. V – No entanto, os valores em causa no processo subjacente aos presentes autos de recurso são substan- cialmente diversos daqueles que foram apreciados em outros recursos que tinham por objeto normas idênticas: aqui, ao contrário das antecedentes, o valor das custas excede largamente o valor da ação – as custas ascendem a € 4 150 (excluindo IVA) sendo o valor da ação € 2 256, ou seja, as custas ascendem sensivelmente ao dobro do valor da ação, excedendo-o até se considerarmos o valor total a suportar, com IVA; sendo o valor da ação o principal parâmetro objetivo para determinar o valor das custas, sê-lo-á também para aquilatar da respetiva desproporção, não podendo afirmar-se, sem mais, que o juízo subjacente ao Acórdão n.º 543/19 é transponível para o caso dos autos, tanto mais que naquela decisão foi posta em evidência a necessidade de um segundo momento de ponderação da proporcio- nalidade in concreto . VI – As diferenças entre os valores de custas e o valor da ação aqui em causa não encontram explicação na natureza e objeto do processo que o TAD teve de apreciar, que, para o efeito, não apresenta particularidades dignas de nota; também não se encontra justificação para tal resultado em razões atinentes à racionalidade do sistema; se “[…] tanto as custas dos processos judiciais como as custas dos processos arbitrais (necessários) condicionam o exercício do direito de acesso aos tribunais (…), categoria que, por expressa determinação constitucional, inclui os tribunais estaduais e os tribunais arbitrais” e se, por esse motivo “[…] o critério de determinação do respetivo valor não pode condu- zir, num e noutro caso, a montantes manifestamente desproporcionados à complexidade da causa e à utilidade que as partes dela retiram, sob pena de violação das exigências de necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido restrito também aplicáveis neste domínio normativo […]”, então, perante a apontada desproporção, que é manifesta e intensa, não poderá deixar de se concluir que institui um condicionamento injustificado ao recurso à justiça arbitral desportiva, impondo-se – neste segundo momento de ponderação da proporcionalidade in concreto – um juízo de censura jurídico-constitucional da norma sub judice , por violação do disposto nos artigos 20.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição.
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