TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

64 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Mas, não se vê que esta exigência possa, sem mais, ser reconduzida ao princípio da legalidade da inter- venção penal do Estado. A indeterminação conceitual, quando aplicada a qualquer condição de exclusão da responsabilidade jurídico-penal, tende a alargar – e não a restringir – as possibilidades de, em concreto, um comportamento não ser punido. Nessa medida, agirá, em regra, a favor de uma maior proteção dos cida- dãos contra a atuação punitiva do Estado – ainda que aja em prejuízo da tutela penal dos bens jurídicos em questão. Se a indeterminação conceitual criticada pelo requerente deve ser, na verdade, censurada, não na medida em que desprotege os destinatários da norma incriminadora – isto é, por aquilo em que compromete a pos- sibilidade de compreensão e controlo pelos potenciais agentes do crime do desvalor que continua a expres- sar-se no tipo legal –, mas, primacialmente, os bens jurídicos que nela se tutelam, então o juízo reclamará a convocação do princípio da determinabilidade das leis – não já (ou, pelo menos, principalmente) enquanto dimensão do princípio consagrado no artigo 29.º, n.º 1, da Constituição – mas como corolário do princípio do Estado de direito democrático, e da reserva de lei parlamentar, decorrentes das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição da República Portuguesa, por referência ao direito à vida consagrado no artigo 24.º do mesmo normativo (interpretado, segundo o requerente, de acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana). 37. Ainda que pretendesse reconduzir-se a exigência de determinabilidade invocada no pedido ao prin- cípio da legalidade criminal, sempre se imporia indagar se, em face do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, e 27.º, ambos do Decreto n.º 109/XIV, pode realmente afirmar-se que o diploma vota os profissionais de saúde intervenientes no procedimento ou habilitados a «praticar ou ajudar ao ato de antecipação da morte» (identificados no artigo 17.º, n.º 1, do mesmo Decreto) a uma situação de insuperável incerteza quanto aos pressupostos de que depende em concreto a punição. A este respeito, recorde-se que este Tribunal tem reiteradamente afirmado que «[s]em que isso signifi- que qualquer espécie de renúncia à função de garantia desempenhada pelo tipo legal […], do princípio da legalidade não decorre para o legislador penal qualquer ónus de, ao definir o universo das ações e omissões criminalmente relevantes, se socorrer sempre e só de formulações normativas integralmente descritivas e fechadas.» (vide o Acórdão n.º 606/18 – II, 18). Por conseguinte, tem admitido com alguma amplitude a utilização de conceitos indeterminados (vide o Acórdão n.º 20/19, n.º 16, e a jurisprudência aí citada) bem como o recurso à «técnica remissiva subjacente às normas penais em branco [que] apresenta a vantagem de assegurar a permanente sincronização do direito penal com a evolução registada em áreas específicas de conhecimento ou atividade, desiderato este não concretizável através de uma preferência por enumerações descritivas e fechadas, por inerência tendencialmente incompletas e estáticas.» (Acórdão n.º 606/18, II, 18). Coerentemente, tem-se considerando que as disposições incriminadoras são conciliáveis com as exigências do princípio da tipicidade sempre que a sua redação, «ainda que indeterminada e aberta, for materialmente adequada e suficiente para dar a conhecer quais as ações ou omissões que o cidadão deve evitar» (vide o Acórdão n.º 76/16, II, 6) – designadamente quando os conceitos materialmente indeterminados se tornem determináveis por via da remissão para outras disposições legais, regulamentares ou até para pronúncias administrativas de diversa ordem, e bem assim por apelo às leges artis ou a regras técnicas que os destinatários das normas devam conhecer (vide entre muitos outros, os Acórdãos n. os 545/00, 115/08, 146/11, 698/16). O Decreto em apreço, como se referiu já, propõe que sejam introduzidos preceitos no Código Penal que determinem a não punibilidade de condutas, por remissão para as condições estabelecidas na Lei a que viria a dar origem. Com efeito, a formulação adotada pelo legislador, seja para o n.º 3 do artigo 134.º, seja para o n.º 3 do artigo 135.º, é a de que a «conduta não é punível […] quando realizada no cumprimento das condições estabelecidas na Lei n.º xxx». Tomado o texto da lei no seu sentido mais natural, não pode enten- der-se que o legislador, ao referir-se às «condições estabelecidas na Lei n.º xxx» pretendeu referir-se (apenas) às “condições estabelecidas no n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º xxx”. Deste modo, não se vê que um destinatário minimamente diligente venha a ser induzido em erro quanto à interpretação dos preceitos em questão: a

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