TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
639 acórdão n.º 176/21 e segs.). Constituindo embora um dever de silêncio inquestionável, não tem, porém, um carácter absoluto, podendo e devendo ceder perante outros direitos, nomeadamente o da realização da justiça. Esta constatação também transparece da análise do enquadramento de Direito da União Europeia da atividade da CMVM. O artigo 25.º, n.º 1, da Diretiva n.º 2004/109/CE, do Parlamento Europeu e do Con- selho, de 15 de dezembro de 2004, relativa à harmonização dos requisitos de transparência no que se refere às informações respeitantes aos emitentes cujos valores mobiliários estão admitidos à negociação num mercado regulamentado, estabelece que «As informações abrangidas pelo sigilo profissional não podem ser divulgadas a qualquer outra pessoa ou autoridade, a não ser por força de disposições legislativas, regulamentares ou adminis- trativas de um Estado-Membro » (itálico aditado). O artigo 27.º, n.º 3, do Regulamento (UE) n.º 596/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, (Regulamento Abuso de Mercado), deter- mina igualmente que «As informações abrangidas pelo segredo profissional não podem ser comunicadas a qualquer outra pessoa ou autoridade, exceto por força de disposições previstas pelo direito da União ou pela legislação naciona l» (itálico aditado). Regimes equivalentes podem ser encontrados no artigo 35.º, n.º 2, do Regulamento (UE) n.º 2017/1129, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, relativo ao prospeto a publicar em caso de oferta de valores mobiliários ao público ou da sua admissão à negociação num mercado regulamentado, ou no artigo 76.º, n.º 3, da Diretiva n.º 2014/65/UE, do Parlamento Euro- peu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, relativa aos mercados de instrumentos financeiros. Casos há em que se verifica mesmo a imposição do dever legal de informar. Assim, por exemplo, as medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira, em matéria de recolha de prova, determina, desde a versão originária da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, que o segredo bancário cede perante o interesse para a descoberta da verdade em qualquer das fases do processo penal, mediante ordem da auto- ridade judiciária que a dirija, em despacho fundamentado (cfr. o seu artigo 2.º). Nestes casos, não se exige, pois, a intervenção judicial na fase de inquérito nem o balanceamento concreto dos interesses em conflito para quebrar o segredo profissional imposto por lei. 15. Para além de não ser constitucionalmente imposta, verifica-se que a solução normativa segundo a qual não é admissível a interposição de recurso da decisão de quebra de segredo profissional pela entidade obrigada ao sigilo, proferida no âmbito do incidente previsto no artigo 135.º do CPP, não introduz uma limitação processual desproporcional, discriminatória ou arbitrária no acesso aos tribunais. Como decorre do regime previsto no artigo 135.º do CPP, já acima descrito, o incidente de quebra de segredo profissional assume uma estrutura especial, que se caracteriza pela separação funcional entre o tribunal que aprecia a legitimidade da escusa sustentada na invocação de sigilo profissional e o tribunal que aprecia a justificação da quebra do segredo. Ora, é precisamente para assegurar a tutela jurisdicional efetiva constitucionalmente garantida que o regime legal previsto no artigo 135.º do CPP atribui a um tribunal de instância superior a decisão do inci- dente. De acordo com o regime legal ali definido, diante do reconhecimento da necessidade da quebra do dever de sigilo compete, em primeiro lugar, ao tribunal de primeira instância certificar a legitimidade da escusa. Com esta primeira decisão assegura-se a proteção do direito à reservada vida privada. Com efeito, só depois de certificada a obrigação de sigilo (e, com ela, a legitimidade da escusa), se passa à apreciação dos interesses em confronto, tendo em vista a decisão sobre a quebra do segredo. Esta ponderação surge, no entanto, apenas num segundo momento, traduzindo uma segunda fase do incidente de escusa. Esta segunda fase é da exclusiva competência do tribunal superior, que decide sobre o rompimento do segredo. Só a este cabe decidir o deferimento ou indeferimento do levantamento do segredo face a outros interesses igualmente relevantes, competindo-lhe empreender a necessária ponderação entre os interesses em conflito e decidir se, de acordo com o interesse preponderante no caso, deve ou não prevalecer o interesse subjacente ao segredo profissional. No entanto, esta decisão pressupõe, desde logo, a confirmação da legitimidade da escusa já anteriormente verificada no tribunal da causa. Por sua vez, o fundamento da quebra do segredo reside na
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