TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
637 acórdão n.º 176/21 externa da pessoa, constituindo um dado individualizador da sua identidade. E o sujeito pode ter, também no plano pessoal, um interesse tutelável, e tutelável constitucionalmente, a que, não só o montante e o conteúdo do seu património, mas também certas vicissitudes, favoráveis e desfavoráveis, que ele pode experimentar (saída de um prémio de um jogo, recebimento de uma herança, encargos com uma determinada opção de vida, por exemplo) sejam mantidos fora do conhecimento dos outros. Não custa, assim, admitir “uma esfera privada de ordem económica, também merecedora de tutela” (Alberto Luís, Direito bancário, Coimbra, 1985, 88), como componente da mais geral esfera da privacidade. No caso particular dos dados e documentos na posse de instituições bancárias, concernentes às suas relações com os clientes, há um argumento suplementar, que cremos decisivo, nesse sentido. Mormente no que respeita às operações passivas de movimentação da conta, não é apenas, nem é tanto, o conhecimento da situação patrimonial, em si mesma, que pode ser intrusivo da privacidade. O que sobremaneira importa é o facto de esse conhecimento, numa época em que se vulgarizou e massificou a realização de transações através dos movimentos em conta, desig- nadamente pela utilização de cartões de crédito e de débito – o chamado “dinheiro de plástico” – propiciar um retrato fiel e acabado da forma de condução de vida, na esfera privada, do respetivo titular. É sobretudo como instrumento de garantia de dados referentes à vida pessoal, de natureza não patrimonial, que, de outra forma, seriam indiretamente revelados, que o sigilo bancário deve ser constitucionalmente tutelado.» Aceita-se, assim, que existe uma dimensão do direito de segredo profissional que protege o direito à reserva da vida privada consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, representando um instrumento de garantia de dados referentes à vida pessoal dos sujeitos titulares dos dados compilados. A recondução do direito ao sigilo profissional à tutela da privacidade tem como consequência que a respetiva fundamentação jurídica assuma uma dimensão e implicações jurídico-constitucionais. Desta forma, adquiriu uma resistência reforçada a intrusões no âmbito protegido, já que, por integrar o direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição), ao direito ao segredo sobre os dados respeitantes ao sujeito titular será aplicável o regime dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrado. Cumpre salientar, porém, que o segredo profissional da CMVM, tal como o segredo bancário, se loca- liza no âmbito da vida de relação, à partida fora da esfera mais estrita da vida pessoal, a que requer maior intensidade de tutela (cfr. relativamente ao segredo bancário, o Acórdão n.º 42/07, 2.ª Secção, ponto 7). Ainda que compreendido no âmbito de proteção do direito fundamental, ocupa uma zona de periferia, mais complacente com restrições advindas da necessidade de acolhimento de princípios e valores contrastantes. Como se refere no Acórdão n.º 602/05, da 3.ª Secção, ponto 3.2, «tal como o sigilo profissional, a reserva do sigilo bancário não tem carácter absoluto, antes se admitindo exceções em situações em que avultam valores e interesses que devem ser reputados como relevantes como, verbi gratia , a salvaguarda dos interesses públicos ou coletivos». De facto, o Tribunal não deixou de ressalvar, também no Acórdão n.º 442/07, ponto 16.3., que «uma coisa é o âmbito de proteção, prima facie , de uma previsão de um direito fundamental, outra é o seu âmbito de garantia efetiva (cfr. Gomes Canotilho, “Dogmática de direitos fundamentais e direito privado”, in Ingo Sarlet (org.), Constituição, direitos fundamentais e direito privado, 2.ª edição, Porto Alegre, 2006, pp. 341 e segs., esp. pp. 346 e segs.). Este só se recorta, neste caso, em resultado de um balanceamento entre os interesses e valores ligados à tutela da privacidade e os interesses, também constitucionalmente protegidos, com eles conflituantes». Assim, apesar de o sigilo bancário se integrar no âmbito de proteção do direito à reserva da intimidade da vida privada, ele «não é um direito absoluto, antes pode sofrer restri- ções impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos» (Acórdão n.º 278/95, da 2.ª Secção, ponto 8.). 14. Aceitando-se que existe uma dimensão do direito de segredo profissional que protege o direito à reserva da vida privada consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, isso significaria que a decisão juris- dicional que ordena a quebra de segredo impõe uma restrição do direito fundamental à reserva da vida pri- vada. Assim sendo, numa análise prima facie , poderia entender-se que a proteção deste direito fundamental
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