TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

636 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL seus trabalhadores e prestadores de serviços. O dever legal de silêncio, no caso destas pessoas, está associado ao seu estatuto profissional ou exercício de atividade económica. A disciplina definida para a CMVM encontra paralelo no regime previsto para outras atividades simi- lares igualmente sujeitas a segredo profissional, desde logo as instituições de crédito e sociedades financeiras, como decorre dos artigos 78.º e 79.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro. Nesse caso, trata-se de proteger o sigilo associado ao exercício a funções que geram especial proximidade e confiança entre quem as exerce e quem a elas recorrem. Assim sendo, é manifesto que os interesses a proteger com o dever de sigilo imposto à entidade de supervisão dessas instituições são, por um lado, a privacidade dos respetivos clientes e a pro- teção da vida interna dos operadores de mercado (e dos seus segredos comerciais e industriais) e, por outro lado, a relação de confiança destes com as instituições com que operam. Para além disso, tratando-se de uma entidade de supervisão, acresce a preocupação da eficácia da sua atuação no mercado dos instrumentos financeiros. 13. Sendo esses os interesses protegidos pelo segredo profissional imposto à CMVM, certo é que o artigo 354.º, n.º 3, do CVM permite ao interessado dispensar voluntariamente a entidade de supervisão do cumprimento do dever de observância do sigilo. A disponibilidade do direito aqui evidenciada (à semelhança do que se passa com o sigilo bancário, cfr. artigo 79.º, n.º 1, do RGICSF), revela que o legislador concebe o segredo como proteção do direito fundamental à reserva da vida privada. Tendo em conta a semelhança de regimes e de interesses em presença, podemos, neste âmbito, recor- rer à jurisprudência do Tribunal Constitucional relativa ao segredo bancário. No Acórdão n.º 442/07, do Plenário, proferido em sede de fiscalização preventiva, o Tribunal conclui «que o bem protegido pelo sigilo bancário cabe no âmbito de proteção do direito à reserva da vida privada consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição» (ponto 16.2.). Pela relevância que assume para a decisão do presente recurso, transcrevem-se, de seguida, aspetos determinantes da respetiva fundamentação: «16.1. Das três manifestações em que se fraciona o conteúdo do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar – direito à solidão, direito ao anonimato, e autodeterminação informativa – é esta última a sua expressão cimeira e mais relevante, e aquela que particularmente nos interessa quando está em causa o estatuto constitucional do sigilo bancário.  Por autodeterminação informativa poderá entender-se o direito de subtrair ao conhecimento público factos e comportamentos reveladores do modo de ser do sujeito na condução da sua vida privada. Compete a cada um decidir livremente quando e de que modo pode ser captada e posta a circular informação respeitante à sua vida privada e familiar. (…) Sem embargo do que fica dito, e sem prejuízo da unidade do valor coenvolvido no dever de reserva enquanto autodeterminação informativa, reconhece-se, todavia, que é possível e justificado estabelecer graduações diferenciado- ras entre zonas da vida privada, consoante a sua maior ou menor ligação aos atributos constitutivos da personalidade. (…) 16.2. A integração no âmbito normativo de proteção do direito à reserva da intimidade da vida privada dos dados relativos à situação económica de uma pessoa em poder de uma instituição bancária é de molde a provocar alguma perplexidade, se tivermos em conta a natureza e o sentido tutelador dos direitos da personalidade, que, neste ponto, constituem a matriz do imperativo constitucional. Poderá, na verdade, pensar-se que, estando em causa a proteção dos atributos da pessoa, dos bens constitutivos e expressivos da sua personalidade, só podem ser abrangidas situações subjetivas existenciais, sendo de rejeitar, à partida, a inclusão de aspetos patrimoniais, respei- tantes ao ter da pessoa.  A isso há a contrapor que não é possível estabelecer, sobretudo nas sociedades dos nossos dias, uma separação estanque entre a esfera pessoal e a patrimonial. A posição económica de cada um não deixa de ser uma projeção

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