TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

634 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «Como se referiu, designadamente, no Acórdão n.º 202/99, o direito que o artigo 20.º, n.º 1, da Constituição a todos assegura de “acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos” consiste no “direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos respetivos pontos de vista (designadamente sem que a insuficiência de meios económicos possa prejudicar tal possibilidade)”. Da previsão constitucional decorre ainda que a tutela jurisdicional dos direitos e interesses legalmente protegidos deve ser efetuada “mediante processo equitativo” e cujos procedimentos possibi- litem uma “decisão em prazo razoável” e sejam “caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos” (n. os 4 e 5 do referido artigo 20.º da CRP). A exigência de um duplo grau de jurisdição apenas está expressamente consagrada no âmbito do processo penal e relativamente a decisões condenatórias ou que afetem a liberdade do arguido (artigo 32.º, n.º 1, da CRP). Para além disso, esse direito é considerado por alguma doutrina e jurisprudência, embora com fundamentação não inteiramente coincidente, como inerente à proteção contra decisões jurisdicionais que imponham restrições a direitos, liberdades e garantias pessoais. Fora desses domínios específicos, o legislador ordinário goza de ampla margem de conformação do direito ao recurso, podendo regular diversamente a possibilidade e o modo de impugnação das decisões jurisdicionais. Refere Lopes Do Rego: “fora do âmbito processual penal, vem sendo uniformemente entendido pela jurisprudência constitucional que a garantia de um duplo grau de jurisdição não goza de proteção generalizada, não se podendo, nomeadamente, considerar incluída no direito de acesso aos tribunais – e gozando, consequentemente, o legislador infraconstitucional de uma ampla margem de discricionariedade legislativa” (Estudos em Memória do Conselheiro Luís Nunes de Almeida, 2007, p. 853).» Efetivamente, como foi sublinhado no Acórdão n.º 151/15, da 2.ª Secção, ponto 2 da fundamentação, «tem sido orientação uniforme e repetida deste Tribunal [que], fora do processo penal e quando não esteja em causa a violação pela decisão jurisdicional de direitos fundamentais, a Constituição não impõe a consa- gração do direito ao recurso, dispondo o legislador do poder de regular, com larga margem de liberdade, a recorribilidade das decisões judiciais.» No entanto, a liberdade de conformação do legislador não é ilimitada. O Tribunal Constitucional já referiu, no Acórdão n.º 328/12, da 3.ª Secção (cujo sentido foi reiterado no Acórdão n.º 70/21, do Plenário): «7. OTribunal Constitucional tem uma vasta e uniforme jurisprudência no sentido de que o legislador ordiná- rio goza de ampla margem de conformação do direito ao recurso em processo civil, domínio em que a Constituição não consagra o direito a um duplo grau de jurisdição (salvo, segundo algumas opiniões, em matéria de direitos, liberdades e garantias; cfr., por todos, Acórdão n.º 44/08 […]). Todavia, com um primeiro limite decorrente da própria previsão constitucional de tribunais superiores: não é constitucionalmente tolerável que o legislador ordi- nário elimine pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso. (…)  Porém, além daquela genérica limitação à ampla discricionariedade do legislador na conformação do regime dos recursos em processo civil, designadamente quanto às próprias condições de admissibilidade, um outro limite (um limite interno) conhece essa liberdade de conformação, que decorre desde logo do princípio do Estado de direito (artigo 2.º da CRP) e, mais especificamente, do princípio da igualdade. Com efeito, como se recordou no Acórdão n.º 360/05, no processo civil, o que o legislador tem de assegurar sempre a todos, sem discriminações de ordem económica, é o acesso a um grau de jurisdição. Mas, se a lei previr que o acesso à via judiciária se faça em mais que um grau, tem ele que abrir a todos também a essas vias judiciárias, garantindo que o acesso a elas se faça sem discriminação alguma (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 163/90, de 23 de maio de 1990 […]). Aquela margem de discricionariedade (a ampla margem de discricionariedade na concreta conformação e delimitação dos pressupostos de admissibilidade e do regime dos recursos que deve ser reconhecida ao legislador ordinário em processo civil) tem, porém, como limite a não consagração de regimes arbitrários, discriminatórios ou sem fundamento material

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