TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

632 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Por se afigurar relevante para a decisão a proferir, transcreve-se de seguida também o trecho da decisão recorrida que explica a interpretação do artigo 671.º, n.º 2, CPC que ali foi assumida (cfr. p. 6 do acórdão, fls. 184, verso): « (…) [E]stamos perante uma hipótese de decisão interlocutória sui generis , proferida no contexto de um inci- dente compósito (no sentido de participarem nele duas instâncias) suscitado para todos os efeitos na 1.ª instância, e sobre que recaiu o pronunciamento do tribunal de 2.º grau (a Relação). Nestas circunstâncias, a lógica do sistema aponta para que aquela norma deva ser interpretada no sentido de abarcar os acórdãos da Relação que decidam o que lhes compete decidir no contexto desse incidente compósito. Claro que ninguém duvida que a letra da norma aponta para a apreciação de uma decisão interlocutória da 1.ª instância. Como ninguém duvida que esta decisão inexiste num caso como o vertente (a decisão foi proferida ex novo , e não por via de um recurso sobre uma anterior decisão da 1.º instância). Por isso é que se diz que a aplicação da referida norma resulta de uma adaptação à idiossincrasia do incidente em questão. Ora, (…) é preciso ter presente aquilo que se julga ser o definitivo espírito da lei. A lei entende que em matéria de decisões interlocutórias que recaiam sobre a relação processual não se justifica ir para além do tribunal da Rela- ção, de modo que não é admitida a intervenção do grau superior à Relação (o Supremo).» 10. A norma sindicada veda, a quem está vinculado àquele segredo, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, da decisão de quebra de segredo decretada pelo Tribunal da Relação, ao abrigo do artigo 135.º do CPP. No entendimento da recorrente, esta norma envolve a restrição do direito fundamental à tutela jurisdi- cional efetiva previsto no artigo 20.º da Constituição que, no caso, surge como sendo instrumental da defesa do direito à reserva da intimidade da vida privada previsto no artigo 26.º da Constituição, que seria prote- gido pelo instituto do segredo profissional da CMVM. Concretamente, ao vedar a recorribilidade da decisão que restringe direitos fundamentais, a referida norma seria fundada numa interpretação restritiva do n.º 2 do artigo 671.º do CPC que seria, por isso, inconstitucional por violação da reserva de lei restritiva, prevista no artigo 18.º, n. os  2 e 3, da Constituição, conjugado com o artigo 20.º e com o artigo 26.º da Constituição. Efetivamente, a recorrente sustenta que, ao ordenar a quebra do segredo, o Tribunal da Relação cons- tituiu-se como a primeira instância da decisão (uma vez que o tribunal judicial apenas decidiu se a escusa era ou não legítima), pondo termo ao incidente de quebra do segredo profissional, cujo objeto consiste em saber se o dever de segredo profissional deve ceder perante o interesse probatório verificado nos autos. Sendo, portanto, uma decisão proferida em primeira instância que pôs termo à causa ou incidente processado auto- nomamente, terá de ser considerada recorrível ao abrigo do disposto nos artigos 303.º, n.º 1, 629.º, n.º 1, e 644.º, n.º 1, alínea a) , do CPC. Esta tese encontra algum apoio na doutrina. Reportando-se, embora, especificamente ao contexto do incidente da quebra de sigilo no âmbito do processo penal, Paulo Pinto de Albuquerque ( Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem , Universidade Católica, 2007, p. 365) defende que «a decisão do tribunal de recurso, no caso de este ser o TR, é recorrível para o STJ, nos termos do artigo 399.º, uma vez que se trata de um recurso de uma decisão do TR tomada em primeira instância sobre o requisito da justificação da quebra do segredo profissional (…)». Também Marques Ferreira defende que a decisão do incidente deve caber «exclusivamente ao tribunal para se permitir a possibilidade de recurso» (Meios de Prova, in Centro de Estudos Judiciários, Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, Coimbra, Almedina, p. 242). Independentemente desse entendimento, certo é que não cabe ao Tribunal Constitucional definir qual a melhor interpretação do direito infraconstitucional ou sindicar a aplicação do direito ordinário que foi feita na decisão recorrida. A este Tribunal compete apenas apreciar a conformidade constitucional da inter- pretação perfilhada na decisão recorrida quanto às normas impugnadas no recurso de constitucionalidade

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