TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

630 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL e nos termos previstos no artigo 135.º, n.º 3, do CPP. Se excecionarmos o segredo religioso (artigo 135.º, n.º 5, do CPP) e o segredo do jornalista (que tem especificidades próprias em comparação com os demais), o dever profissional de segredo pode, assim, nos termos da lei, cessar em situações em que interesses relevantes de ordem pública o imponham por força do princípio da concordância prática entre valores constitucionais conflituantes. O incidente da quebra do segredo processa-se em duas fases distintas, descritas, respetivamente, no n.º 2 e no n.º 3 do artigo 135.º do CPP. Cabe ao tribunal da causa a apreciação da legitimidade da escusa da pres- tação de depoimento ou da informação visada, decisão que se limita a verificar se a situação está coberta pelo dever de segredo. No caso de o tribunal da causa concluir desde logo pela ilegitimidade da escusa, ordena de imediato a produção da informação. Na situação inversa, isto é, se o tribunal concluir pela legitimidade da escusa em prestar o depoimento ou a informação solicitada, designadamente por a informação visada estar protegida por segredo profissional, remete para o tribunal superior a decisão sobre a justificação da quebra do segredo. Assim, a decisão do tribunal da causa não contempla qualquer juízo de ponderação de interesses em ordem a determinar o interesse prevalecente. Esta ponderação pertence já ao tribunal superior. É a este que compete decidir se a obrigação de segredo (caso se confirme) deve ser quebrada, procedendo ao juízo de ponderação necessário entre os diversos direitos e interesses em confronto. Uma tal avaliação não dispensa, naturalmente, a confirmação da obrigação de segredo que, deste modo, é reapreciada pelo tribunal superior. Por conseguinte, no caso de se afigurar como legítima a escusa por o tribunal da causa proceder a uma apre- ciação positiva da verificação da obrigação de segredo, será o tribunal superior a decidir de forma definitiva se o interesse da descoberta da verdade deve prevalecer sobre o segredo. Ao atribuir competência para a decisão ao tribunal que, de acordo com a regra geral, seria o competente para apreciar o recurso dessa decisão, a estrutura deste incidente afasta-se das regras normais de competência jurisdicional, tendo suscitado dúvidas de aplicação que viriam a ser esclarecidas na jurisprudência. No Acór- dão n.º 2/08, de 13 de fevereiro de 2008, o Supremo Tribunal de Justiça fixou a seguinte jurisprudência: «1) Requisitada a instituição bancária, no âmbito de inquérito criminal, informação referente a conta de depó- sito, a instituição interpelada só poderá legitimamente escusar-se a prestá-la com fundamento em segredo bancário; 2) Sendo ilegítima a escusa, por a informação não estar abrangida pelo segredo, ou por existir consentimento do titular da conta, o próprio tribunal em que a escusa for invocada, depois de ultrapassadas eventuais dúvidas sobre a ilegitimidade da escusa, ordena a prestação da informação, nos termos do n.º 2 do artigo 135.º do Código de Processo Penal; 3) Caso a escusa seja legítima, cabe ao tribunal imediatamente superior àquele em que o incidente se tiver sus- citado ou, no caso de o incidente se suscitar perante o Supremo Tribunal de Justiça, ao pleno das secções criminais, decidir sobre a quebra do segredo, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo.» Proferido embora no âmbito do processo criminal, a descrição das fases em que se desdobra o incidente feita neste Acórdão n.º 2/08 é válida para qualquer contexto processual. 9. A conformidade do artigo 135.º, n. os  2 e 3, do CPP com a Constituição já foi apreciada pelo plenário do Tribunal Constitucional que, no Acórdão n.º 7/87, no âmbito de um processo de fiscalização preventiva incidindo sobre várias normas do Código de Processo Penal de 1987, não se pronunciou pela sua inconsti- tucionalidade. A questão de constitucionalidade a decidir no presente recurso é, no entanto, diferente. Não se trata já de apreciar a conformidade constitucional das normas dos n. os 2 e 3 do artigo 135.º do CPP, que estruturam o incidente da escusa e quebra do segredo profissional, tendo em vista apurar se a restrição ali implicada constitui uma “agressão desproporcionada” ao segredo profissional, designadamente o segredo profissional garantido aos jornalistas. Antes incide sobre a irrecorribilidade da decisão proferida nesse incidente por parte da entidade ou pessoa sujeita ao dever de sigilo.

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