TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
63 acórdão n.º 123/21 criminal, Claus Roxin, Strafrecht. Allgemeiner Teil. Grundlagen. Der Aufbau der Verbrechenslehre, C.H. Beck, Munique, 1992, p. 67). Enquanto garantia pessoal de não punição fora do âmbito de uma lei escrita, prévia, certa e estrita, o princípio da legalidade criminal opera como um princípio defensivo, que constitui, por um lado, «a mais sólida garantia das pessoas contra possíveis arbítrios do Estado» no âmbito do exercício do ius puniendi (cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal , I, Coimbra: Coimbra Editora, 1974, p. 96, e Acórdão n.º 324/13) e se apresenta, por outro, como uma condição de previsibilidade e de confiança jurídica, no sentido em que permite a cada cidadão dar-se conta das condutas humanas que relevam em cada momento no âmbito do direito criminal (vide Acórdãos n. os 41/04, 587/04 e 606/18). Compreende-se, assim, que a exigência de lei certa se dirija direta e centralmente à lei que cria ou agrava responsabilidade criminal, impondo-lhe a suficiente especificação dos factos que integram o tipo legal de crime (ou que constituem os pressupostos da aplicação de uma pena ou medida de segurança) e a defini- ção das penas (e das medidas de segurança) que lhes correspondem. E, inversamente, que tal exigência possa não encontrar rigorosa simetria no domínio da descriminalização ou da atenuação da mesma responsabili- dade, sob pena de, tal como explica Figueiredo Dias, «o princípio passar a funcionar contra a sua teleologia e a sua própria razão de ser: a proteção dos direitos, liberdades e garantias do cidadão face à possibilidade de arbítrio e de excesso do poder estatal.» (Autor cit., Direito Penal – Parte Geral , tomo I, 3.ª edição, Gestlegal, Coimbra, 2019, p. 216). A este respeito, o Tribunal entendeu reiteradamente que também a competência para delimitar pela negativa a intervenção penal do Estado recai no âmbito da reserva de lei formal consagrada na alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição (vide, entre outros, os Acórdãos n. os 56/84, 173/85, 254/86, 427/87, 158/88, 349/93, 592/93, 797/93, 663/98 e 596/99). Mas, no que respeita à exigência de determinabilidade, já teve ocasião de afirmar categoricamente que a precisão ou determinabilidade é «exigida ao nível constitu- cional e legal mais para a definição do crime do que para a descrição das causas de exclusão de ilicitude ou de culpa, como é sabido por todos aqueles que se dedicam a estes problemas.» (cfr. o Acórdão n.º 25/84, VII, 3). Ora, o artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV reporta-se à antecipação da morte medicamente assistida não punível, mas é por efeito do artigo 27.º do Decreto que opera a despenalização do homicídio a pedido da vítima (previsto e punido no artigo 134.º do Código Penal) ou do incitamento ou ajuda ao suicí- dio (previsto e punido no artigo 135.º). Conforme previsto nessa disposição do Decreto, passaria a constar dos artigos 134.º e 135.º do Código Penal uma hipótese de exclusão da punibilidade das condutas aí tipifica- das. Quer se entenda tratar-se de uma causa de exclusão da tipicidade baseada na «diferença de conteúdo de sentido social da ação» (Figueiredo Dias, “A “ajuda à morte”: uma consideração jurídico-penal”, cit., p. 212) ou antes de uma causa de justificação integrada pelo consentimento, do que não há dúvida é que está em causa uma medida legislativa que restringe ou limita a responsabilidade jurídico-penal e que, portanto, se situa fora do âmbito nuclear próprio do princípio da legalidade da intervenção penal do Estado. É certo que a determinabilidade da norma incriminatória assegura, como também esclarece Figueiredo Dias, «que a descrição da matéria proibida e de todos os outros requisitos de que dependa em concreto uma punição seja levada até a um ponto em que se tornem objetivamente determináveis os comportamentos proibidos e sancionados e, consequentemente, se torne objetivamente motivável e dirigível a conduta dos cidadãos.» (vide ob. cit. , pp. 218-219). Poderia, pois, argumentar-se que a determinabilidade das causas de exclusão da responsabilidade jurídico-penal pode ser – como parece ser na situação em análise – igualmente relevante quando se trate de estabelecer os pressupostos cuja verificação determina a subtração de determi- nada conduta ao universo dos comportamentos puníveis, especialmente em domínio tão sensível como o que está em causa. Parte deste pressuposto a argumentação desenvolvida no requerimento, que conflui para a conclusão de que é ainda o princípio da legalidade criminal que demanda «que o legislador forneça ao médico inter- veniente no procedimento um quadro legislativo minimamente seguro que possa guiar a sua atuação» (cfr. o ponto 8.º).
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