TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
627 acórdão n.º 176/21 Tribunal da Relação, em 1.ª instância, no incidente de quebra de segredo profissional, assim não admitindo o recurso interposto pela CMVM. ZZZZ. O que se apresenta desconforme à Constituição e assim tem sido considerado pelo Tribunal Constitucional, como se concluiu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 122/00. AAAAA. Nos casos em que o legislador consagrou a irrecorribilidade da decisão de quebra do segredo profissional, não só o referiu expressamente como atribuiu competência decisória ao Supremo Tribunal de Justiça (cfr. artigo 13.º-A, n.º 1, do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, aprovado pela Lei n.º 5/93, de 1 de março). BBBBB. Deveria o Supremo Tribunal de Justiça, perante eventuais dúvidas acerca da interpretação de certa norma com reflexo em matéria de direitos, liberdades e garantias, convocar a aplicação do conjunto de regras e princípios de interpretação próprias, entre os quais releva, desde logo, o princípio da máxima efetividade ou da interpre- tação efetiva e o princípio da aplicabilidade direta dos direitos fundamentais. CCCCC. O princípio da máxima efetividade ou da interpretação efetiva impõe que a uma norma constitucional deva ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê, devendo em caso de dúvida preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais – cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 480/13, datado de 05.09.2013 e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido a 07.03.2019 (Processo n.º 848/18.0BESNT-S2) DDDDD. Cumpre ainda convocar o princípio da interpretação das leis em conformidade com a Constituição, cuja formulação básica consiste, no essencial, no seguinte: existindo normas polissémicas ou plurissignificativas, deverá dar-se preferência à interpretação que lhe dê um sentido em conformidade com a Constituição, tendo por referência, designadamente, o princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais. EEEEE. No que em concreto se refere à recorribilidade, quando a jurisprudência constitucional se pronuncia, no âmbito da apreciação de existência de um duplo grau de jurisdição, alude, frequentemente, à possibilidade de o legislador ordinário moldar o âmbito do direito ao recurso, estabelecendo os termos e condições em que o mesmo pode ser exercido (vejam-se, assim, e designadamente, e a título meramente exemplificativo, os Acór- dãos do Tribunal Constitucional n. os 31/87, 65/88, 489/95, 673/95, 234/98, 276/98, 77/01 e 571/01 […]). FFFFF. Mais, quando o Tribunal Constitucional se pronuncia quanto à conformidade constitucional de normas restritivas de acesso, em sede de recurso, ao Supremo Tribunal de Justiça, estriba o seu entendimento, por um lado, na liberdade de conformação do legislador processual civil, e, por outro, na limitação das situações de um triplo grau de jurisdição – cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 159/19. GGGGG. O Supremo Tribunal de Justiça, ao acolher o entendimento de que a decisão do Tribunal da Relação que, em primeira instância, quebrou o segredo profissional da CMVM, é irrecorrível, fundando-se numa alegada interpretação extensiva do n.º 2 do artigo 671.º do CPC, restringiu indevidamente direitos, liberdades e garantias sem para tal estar habilitado por mandato de lei, atuando em violação do princípio da reserva de lei. HHHHH. O entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão proferido, ao não permitir – sem lei expressa que o preveja – o recurso da decisão de quebra do segredo profissional da CMVM envolve a res- trição de um direito fundamental (direito de acesso ao direito e aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 20.º da CRP, que, in casu , é instrumental da defesa do direito à reserva da intimidade da vida privada, previsto no artigo 26.º da CRP) por não permitir que uma entidade (não tendo sido previamen- te ouvida quanto à intenção de quebra do segredo) recorra da decisão proferida. IIIII. Pelo que o entendimento de existência de uma irrecorribilidade fundada na interpretação extensiva do n.º 2 do artigo 671.º do CPC é inadmissível à luz do disposto no artigo 18.º n. os 2 e 3 (que consagram o princípio da reserva de lei restritiva), conjugado com o consignado no artigo 20.º (direito de acesso ao direito e aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva), ambos da Constituição da República Portuguesa. JJJJJ. Assim, é inconstitucional a norma contida no n.º 2 do artigo 671.º do CPC, na interpretação (extensiva) segundo a qual é irrecorrível a decisão proferida pelo tribunal superior, que decide o incidente de quebra do segredo profissional, por violação do princípio da reserva de lei restritiva, previsto no artigo 18.º, n. os 2 e 3, conjugado com o consignado no artigo 20.º (direito de acesso ao direito e aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva), ambos da CRP.»
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