TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

626 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL CMVM, não se cumpre o primeiro e essencial pressuposto de legitimidade das restrições não expressamente autorizadas pela Constituição. LLLL. Pelo que não pode legitimar-se a restrição em causa à luz da admissibilidade das restrições não expressamente autorizadas pela Constituição, não se verificando as exigências de legalidade (reserva de lei e determinabilida- de ou densidade normativa) necessários à sua aplicação. MMMM. Não só a irrecorribilidade da decisão proferida pelo Tribunal da Relação que decidiu o incidente de quebra do segredo profissional da CMVM não decorre do teor do n.º 2 do artigo 671.º do CPC (pois que a previsão normativa não abrange “a hipótese sui generis aqui em causa”) como, por outro lado, não pode a aludida norma, por interpretação extensiva, abranger a decisão de quebra do segredo profissional. NNNN. Estando em causa uma restrição a um direito, liberdade e garantia (o direito de acesso ao direito e aos tribu- nais e à tutela jurisdicional efetiva, ínsito no artigo 20.º da CRP, que é, por sua vez, instrumental da defesa do direito à reserva da intimidade da vida privada, previsto no artigo 26.º da CRP), a aludida restrição, para ser conforme à Constituição, teria, entre o mais, e como se disse, que obedecer aos pressupostos consignados no artigo 18.º, n. os 2 e 3 da CRP. OOOO. Sendo de sublinhar, adicionalmente, e como decorre dos pressupostos consignados no artigo 18.º da CRP, que ainda que fosse admissível [que não é) a consideração de uma restrição (por interpretação extensiva) con- sagrada por lei, é certo que não se alcança (nem a Decisão recorrida o indica) que esta irrecorribilidade vise salvaguardar outro direito ou interesse constitucionalmente protegido. PPPP. Nem, por outro lado, resulta da Decisão recorrida que esta irrecorribilidade seja necessária, adequada e pro- porcional a salvaguardar um outro direito ou interesse constitucionalmente protegido. QQQQ. O que redunda, mais uma vez, numa interpretação que não se contém nos limites previstos no artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa. RRRR. Não existe (nem poderia existir) na norma-texto do artigo 671.º, n.º 2 do CPC, nenhum elemento que auto- rize o intérprete a restringir direitos, liberdades e garantias. SSSegs. Se o legislador admite o recurso das decisões proferidas em 1.ª instância e dos incidentes processados autonomamente (e, bem assim, das decisões proferidas em 1.ª instância pelo Tribunal da Relação) não pode ter pretendido excluir da recorribilidade um setor dessa categoria – os incidentes de quebra do segredo pro- fissional. TTTT. O Tribunal Constitucional tem entendido, quanto à recorribilidade de decisões judiciais, que “O que se pode retirar, inequivocamente, das disposições conjugadas dos artigos 20.º e 212.º da Constituição, em matérias diversas da penal, é que existe um genérico direito de recurso dos atos jurisdicionais, cujo preciso conteúdo pode ser traçado, pelo legislador ordinário em maior ou menor amplitude ” (Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 377/96). (Itálico nosso) UUUU. A irrecorribilidade não pode decorrer de uma interpretação de uma norma que não preveja, expressamente, a inadmissibilidade de recurso, porquanto a irrecorribilidade apenas por lei expressa pode ser consagrada, considerando o princípio da reserva de lei (ínsito nos n. os 2 e 3 do artigo 18.º da CRP). VVVV. Existindo uma lei que limita (restringe) as situações em que é admissível recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça, das decisões proferidas pelo Tribunal da Relação, aquela lei (restritiva) apenas pode ser aplicada nos termos e nas condições nela expressamente prevenidas. WWWW. O que tudo permite concluir, como refere Jorge Miranda, que “Na dúvida, os direitos devem prevalecer sobre as restrições ( in dubio pro libertate ); e as leis restritivas devem ser interpretadas, senão restritivamente, pelo menos sem recurso à interpretação extensiva e à analogia”. (Sublinhado nosso) XXXX. Tendo a Decisão recorrida lançado mão de invocada interpretação extensiva do n.º 2 do artigo 671.º do CPC (que consagra uma restrição ao direito ao recurso) para decidir pela irrecorribilidade da decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto violou o disposto nos n. os 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa. YYYY. A decisão recorrida fez corresponder a expressão literal da norma, por um exercício e esforço interpretativo, a um novo sistema, manifestamente diverso, para concluir que a norma abrange as decisões proferidas pelo

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