TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
625 acórdão n.º 176/21 ZZZ. Não só a interpretação extensiva propugnada na decisão singular proferida não pode ser sufragada como a mesma não é admissível no quadro das disposições constitucionais aplicáveis. AAAA. O legislador pretendeu, com a redação do n.º 2 do artigo 671.º do CPC, circunscrever as situações que não são passíveis de recurso de revista, aludindo não só às decisões interlocutórias como às que recaiam unicamente sobre a relação processual. BBBB. Quando o legislador entendeu restringir o recurso daquelas decisões do Tribunal da Relação teve subjacente o entendimento que se está perante uma decisão interlocutória, que não é a decisão final e que não extingue a instância. CCCC. Nas decisões interlocutórias que não extingam a instância, compreende-se a restrição de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, porquanto os sujeitos processuais ainda poderão recorrer da decisão final que vier a ser proferida, não se restringindo, com a solução consagrada no n.º 2 do artigo 671.º do CPC, de forma final e irreversível, o direito ao recurso. DDDD. Se estiver em causa uma decisão final que extinga a instância, não decorre do n.º 2 do artigo 671.º do CPC, tão-pouco de forma implícita, a restrição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. EEEE. O Acórdão do Tribunal da Relação que decidiu da quebra do segredo profissional consubstancia uma deci- são final, que extingue a instância do incidente de quebra do segredo profissional, no qual a possibilidade de intervenção da CMVM, designadamente em sede recursiva, circunscreve-se àquela instância incidental (incidente de quebra do segredo profissional), não podendo a CMVM recorrer da decisão final que vier a ser proferida nos autos principais, de que os presentes autos são apensos. FFFF. A irrecorribilidade da decisão de quebra de segredo profissional da CMVM contende de forma relevante com o direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, sobretudo tendo em conta que está em causa uma decisão de quebra do segredo profissional o qual pretende, designadamente, salvaguardar o direito à reserva da intimidade da vida privada. GGGG. Como manifestação da proteção reforçada conferida pela Constituição aos direitos, liberdades e garantias estabeleceu-se que os preceitos constitucionais são diretamente aplicáveis (artigo 18.º, n.º 1, 1.ª parte), vin- culam entidades públicas e privadas (artigo 18.º, n.º 1, 2.ª parte), não podem ser restringidos senão nos casos expressamente admitidos pela Constituição (artigo 18.º, n.º 2) e, ainda neste último caso, que a restrição está sujeita a reserva de lei (artigo 18.º, n.º 2). HHHH. Resulta do princípio da reserva de lei que qualquer intervenção restritiva de direitos, liberdades e garantias necessitará de «prius normativo» legitimador (norma legal de habilitação) que demarque a atuação do aplica- dor/intérprete do direito, bem entendida enquanto pressuposto insuprível de admissibilidade da restrição, o que significa que os direitos, liberdades e garantias não podem ser restringidos senão por via de lei. IIII. A validade constitucional da restrição legal de direitos fundamentais depende essencialmente dos seguintes requisitos: (i) que seja autorizada pela Constituição (artigo 18.º, n.º 2, 1.ª parte) (ii) que esteja suficiente- mente sustentada em lei da Assembleia da República ou em decreto-lei autorizado [artigo 18.º, n.º 2, 1.ª parte e 165.º, n.º 1, alínea b) ], (iii) que vise a salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido (artigo 18.º, n.º 2, in fine ); (iv) que seja necessária a essa salvaguarda, adequada para o efeito e proporcional a esse objetivo (artigo 18.º, n.º 2, 2.ª parte); (v) que tenha carácter geral e abstrato, não tenha efeito retroativo e não diminua a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (artigo 18.º, n.º 3, da Constituição). JJJJ. O primeiro pressuposto material de legitimidade das restrições não expressamente autorizadas pela Consti- tuição é precisamente que as restrições sem habilitação constitucional estejam previstas por lei, não se dispen- sando naturalmente o crivo de legalidade e determinabilidade da restrição. KKKK. Considerando que a concreta dimensão normativa em causa na fiscalização concreta da constitucionalidade se centra precisamente na inexistência de um normativo (constitucional ou infraconstitucional) que, de for- ma expressa, legitime a restrição ao direito de recurso quanto à decisão de quebra de segredo profissional da
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