TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
624 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL no n.º 2 do artigo 671.º do CPC, seria recorrível, pelo que ocorreu uma diferenciação de tratamento sem um fundamento razoável, legítimo e objetivo. OOO. Ou seja, se o legislador, no n.º 2 do artigo 671.º do CPC, pressupõe o duplo grau de jurisdição quanto às decisões interlocutórias, não poderia o Supremo Tribunal de Justiça, à luz da Constituição da República Por- tuguesa, ter excluído do duplo grau de jurisdição as decisões interlocutórias respeitantes à quebra do segredo profissional, proferidas nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 135.º do CPP. PPP. Pois que de outro modo se permite uma diferenciação de tratamento no acesso ao direito e aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, pelo que foi violado o princípio da igualdade no acesso ao direito e aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva. QQQ. Como salienta o Tribunal Constitucional “se se concebe que nem todas as decisões tenham de admitir recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, « o que a lei já não poderá fazer é admitir o recurso em toda uma categoria de casos e depois excluí-lo apenas em relação a um sector dessa categoria, sem que nenhuma justificação objetiva se verifique para tal discriminação ».” (Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 359/86) (itálico nosso) RRR. Sublinha, ainda, o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 752/14, que “O que está garantido no artigo 20.º da CRP é que o legislador assegure a «todos» os cidadãos o acesso a um grau de jurisdição e que, sempre que estabeleça vários graus de jurisdição, que garanta igualmente a todos, sem discriminação de natureza econó- mica ou outra, o acesso a esses graus. Nesta dimensão normativa, reafirma-se o princípio geral da igualdade consignado no n.º 1 do artigo 13.º da CRP, pelo que as limitações ou restrições ao direito ao recurso não podem estabelecer diferenciações arbitrárias, sem fundamento material justificativo ”. (Itálico nosso) SSS. Mais refere o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 266/15, que “ viola a proibição de arbítrio a adoção de um critério que conduza a que sujeitos afetados com a mesma intensidade por decisões judiciais sejam colocados em posição diversa quanto às condições de impugnação da decisão que lhe é desfavorável. Por esse motivo, neste caso, o referido fator deve ser considerado como critério arbitrário ou ostensivamente inadmissível, por tratar desigual- mente sujeitos em posição idêntica nas condições em que pode aceder ao tribunal superior ”. (Sublinhado nosso) TTT. A decisão de quebra do segredo profissional da CMVM foi proferida em primeira instância pelo Tribunal da Relação do Porto, pelo que para se assegurar o duplo grau de jurisdição deve ser admitido o recurso da decisão proferida para a instância imediatamente superior, in casu , o Supremo Tribunal de Justiça. UUU. Pois que, se assim não suceder, ocorre uma discriminação ilegítima quanto à aplicação de um direito previsto na ordem jurídica portuguesa – o direito ao duplo grau de jurisdição quanto às decisões interlocutórias pro- feridas em processo judicial. VVV. O que se conjuga, ainda, com o direito de acesso ao direito e aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 20.º da CRP, que, na interpretação que se tem por devida, impõe a reapreciação judicial de uma decisão que, em primeira instância, decidiu no sentido de quebra do segredo profissional, tudo con- catenado com o facto de o segredo profissional que impende sobre a CMVM contender com direitos e bens jurídicos constitucionalmente consagrados. WWW. Deste modo, a dimensão interpretativa do n.º 2 do artigo 671.º do CPC, consignada na Decisão recorrida, que não admitiu o recurso interposto pela CMVM da decisão proferida, em primeira instância, pelo Tribu- nal da Relação do Porto, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição da República, conjugado com o disposto no artigo 20.º da CRP, que consagra o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva. XXX. A reserva da intimidade da vida privada é um direito, liberdade e garantia (cfr. artigo 26.º, n.º 1, da CRP), pelo que em relação a qualquer atuação jurisdicional que o afete – como é uma decisão de quebra de segredo profissional da CMVM – deve ser assegurado um duplo grau de jurisdição. YYY. Não obstante, na Decisão recorrida, se admitir que a letra da norma prevê que a irrecorribilidade do n.º 2 do artigo 671.º do CPC se refere à apreciação de uma decisão interlocutória (proferida pelo Tribunal da Relação) sobre decisão de 1.ª instância, pretende-se, por interpretação extensiva, ultrapassar os estritos limites (claros e expressos) da lei.
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