TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
623 acórdão n.º 176/21 invocado nos termos do disposto no artigo 135.º do CPP é irrecorrível, por violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 20.º, n. os 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa. EEE. Em síntese: (a) o segredo profissional da CMVM pretende salvaguardar a reserva da intimidade da vida priva- da quer dos supervisionados quer dos sujeitos que com aquele se relacionem ( v. g. clientes e colaboradores de um intermediário financeiro); (b) a reserva da intimidade da vida privada é um direito, liberdade e garantia (cfr. artigo 26.º, n.º 1, da CRP); (c) o segredo profissional da CMVM pretende, ainda, salvaguardar a eficácia da supervisão exercida pela CMVM; (d) a eficácia da supervisão do mercado dos instrumentos financeiros tem tutela constitucional [cfr. artigos 81.º, alínea f ) , e artigo 101.º, ambos da CRP]; (e) a decisão de quebra do segredo profissional, por contender com direitos, liberdades e garantias e bens jurídicos com tutela cons- titucional, deve ser recorrível. FFF. A decisão de quebra do segredo profissional da CMVM, proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, foi uma decisão proferida em primeira instância (nos termos e ao abrigo do disposto nos n. os 3 e 4 do artigo 135.º do CPP, aplicável ex vi artigo 417.º do CPC) constituindo o incidente de quebra do segredo profissional um incidente que se processou autonomamente (dos autos principais). GGG. A decisão judicial, proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, de que a CMVM recorreu, reconduz-se, expressamente, a uma das situações em que a lei processual civil admite o recurso, atento o disposto no artigo 644.º n.º 1, alínea a) , do CPC. HHH. A Constituição da República Portuguesa impõe, na situação sub judice , o duplo grau de jurisdição, com base nos seguintes fundamentos: (a) se o n.º 2 do artigo 671.º do CPC pressupõe um duplo grau de jurisdição para decisões interlocutórias, então, ao qualificar-se a quebra como decisão interlocutória haverá que admitir o duplo grau de jurisdição para a decisão de quebra do segredo profissional, por aplicação do princípio da igualdade ínsito no artigo 13.º da CRP, conjugado com o direito de acesso ao direito e aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º da CRP); (b) sendo a limitação do recurso uma restrição ao direito de acesso ao direito e aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva (previsto no artigo 20.º da CRP), numa situação que contende o direito à reserva da intimidade da vida privada (previsto no artigo 26.º da CRP), só por lei expressa poderia a aludida restrição ser consignada, atento o disposto no artigo 18.º da CRP, que consagra o princípio da reserva de lei restritiva. III. Subjacente ao n.º 2 do artigo 671.º do CPC está a limitação de acesso a um triplo grau de jurisdição quanto a decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual. JJJ. O que pressupõe que, quanto a decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual, há, pelo menos, dois graus de jurisdição: (i) a decisão proferida em primeira instância e (ii) a decisão proferi- da, em recurso, que aprecia a decisão interlocutória proferida em primeira instância. KKK. Concedendo-se, à luz da interpretação defendida pelo Supremo Tribunal de Justiça na decisão sub judice , que a decisão que determina a quebra do segredo profissional possa constituir uma decisão interlocutória (…), deve concluir-se que, à luz da Constituição da República Portuguesa, e por aplicação do princípio da igualda- de, deve ser assegurado o duplo grau de jurisdição quanto a todas as decisões interlocutórias (não excluindo de tal âmbito as decisões de quebra). LLL. Deve salientar-se que “O princípio da igualdade enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio” (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 409/99). MMM. Quanto à vinculação da função jurisdicional ao princípio da igualdade, esta relaciona-se com o disposto no artigo 20.º da CRP, que prevê, designadamente, que “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos” e que “todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo” (cfr. artigo 20.º, n. os 1 e 4, da CRP). NNN. No que se refere à decisão proferida no incidente de quebra do segredo profissional, não existe qualquer fun- damento sério nem sentido legítimo para excluir da recorribilidade uma decisão (interlocutória, segundo a decisão do Supremo Tribunal de Justiça sub judice ) proferida em primeira instância, que, à luz do consignado
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=