TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
621 acórdão n.º 176/21 GG. A invocada violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais assenta, no essencial, na circunstância de não se admitir a reapreciação judicial de uma decisão que, em primeira instância, decidiu no sentido de quebra do segredo profissional, tudo concatenado com o facto de o segredo profissional que impende sobre a CMVM contender com direitos e bens jurídicos constitucionalmente consagrados. HH. Importa ter em conta que o Tribunal Constitucional tem afirmado que a consagração de um duplo grau de jurisdição decorre da exigibilidade constitucional de se assegurar um elevado grau de asseguramento de direitos e garantias fundamentais, sendo certo que entre os direitos e garantias fundamentais há de constar o direito à reserva da intimidade da vida privada e que o segredo profissional que impende sobre a CMVM salvaguarda a reserva da intimidade da vida privada dos supervisionados e das pessoas que com aqueles se rela- cionam, bem como a eficácia da supervisão do mercado dos instrumentos financeiros, exercida pela CMVM. II. À luz da Constituição da República Portuguesa, deve existir e ser efetivamente assegurado um duplo grau de jurisdição pelo menos quando estejam em causa direitos, liberdades e garantias, bem como direitos e bens jurídicos, constitucionalmente consagrados – como é o caso dos presentes autos. JJ. Como tem vindo a ser jurisprudencialmente sustentado: (a) o direito de defesa deve incluir a defesa contra atos jurisdicionais (o que apenas se efetiva com a recorribilidade dos atos jurisdicionais praticados); (b) a Constituição prevê a existência de tribunais de recurso (cfr. artigo 209.º da CRP). KK. Assim decorre, designadamente, do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 287/90, onde se refere que “o direi- to de ação incorpora no seu âmbito o próprio direito de defesa contra atos jurisdicionais, o qual, obviamente, só é exercível mediante o recurso para (outros) tribunais. Por outro lado, a favor da tese de que o direito de recurso (de atos jurisdicionais) tem dignidade constitucional milita também a explicita previsão da existência de tribu- nais de primeira instância e de tribunais de recurso [cfr. a alínea b) do n.º 1 do artigo 212.º da Constituição”. LL. Quanto a decisões judiciais que restrinjam direitos fundamentais, o Tribunal Constitucional refere, no Acór- dão n.º 686/04, que “a tutela constitucional do direito de recorrer quanto a decisões que impliquem uma definitiva afetação de direitos háde implicar a garantia efetiva do recurso, no caso de tal ser possível (por exis- tir instância adequada e superior), nas decisões que restringem direitos fundamentais”. (Sublinhados nossos) MM. Ainda, refere o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 512/18, datado de 17.10.2018, “o legislador ordiná- rio goza de ampla margem de conformação do direito ao recurso no âmbito do processo civil, a Constituição não consagra sequer o direito a um duplo grau de jurisdição, salvo, ainda de que apenas segundo um certo entendimento, em matéria de restrição de direitos, liberdades e garantias, ou quando esteja em causa a consa- gração de regimes arbitrários, discriminatórios ou sem fundamento material”. (Sublinhado nosso) NN. Considerando que o segredo profissional da CMVM visa proteger direitos e bens jurídicos com tutela cons- titucional, designadamente o direito de reserva da intimidade da vida privada, o mesmo assume-se como um instituto de garantia e proteção desses direitos que se enquadram na categoria de direitos, liberdades e garantias (cfr. artigo 26.º n.º 1 da CRP). OO. A reserva da intimidade da vida privada, com assento constitucional no n.º 1 do artigo 26.º da CRP, respeita quer às pessoas singulares quer às pessoas coletivas, tendo igualmente acolhimento na Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigo 12.º) e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (artigo 8.º). PP. Tendo em conta o conteúdo do segredo profissional da CMVM, a possibilidade de a CMVM intervir no incidente de quebra do segredo profissional e de, no seu âmbito, poder recorrer apresenta-se como um pata- mar mínimo de proteção dos direitos e bens jurídicos fundamentais dos titulares primários da informação, considerando que os aludidos titulares primários da informação – informação a que a CMVM tem acesso no exercício das suas atribuições legais – não são sujeitos processuais no incidente de quebra do segredo profis- sional nem são chamados a intervir no processo. QQ. Uma vez que o segredo profissional da CMVM pode incorporar segredos de um conjunto de sujeitos, a forma de assegurar a adequada tutela de tais segredos poderia ocorrer por duas vias: (i) ou se assegurava a partici- pação direta desses sujeitos no incidente de quebra do segredo; (ii) ou se reconhecia à CMVM, enquanto entidade sujeita a segredo profissional e que acede a um conjunto de informação, o poder de garantir a devida tutela dos segredos em causa.
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