TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
620 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL S. O segredo das próprias autoridades supervisoras inclui, nomeadamente, os métodos de supervisão aplicados pelas autoridades competentes, as comunicações e as transmissões de informações entre as diferentes autori- dades competentes, bem como entre estas e as entidades sujeitas à supervisão, e qualquer outra informação não pública sobre o estado dos mercados sujeitos à supervisão e as transações nele realizadas. T. “O segredo profissional da CMVM protege (i) a reserva da intimidade da vida privada de todas as pessoas sujeitas a supervisão da CMVM e bem assim de todos aqueles que, de alguma forma, se relacionam com entidades supervisionadas pela CMVM (designadamente, clientes das mesmas), (ii) os segredos comerciais, industriais ou da vida interna das empresas supervisionadas pela CMVM, e (iii) a eficácia da supervisão dos mercados de instrumentos financeiros” (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no Processo n.º 781/16.0T9LSB-A.L1, datado de 12.02.2020). U. No caso em apreço, os documentos em relação aos quais foi determinada a quebra do segredo profissional da CMVM contêm informação que contente com a reserva da vida privada quer dos supervisionados da CMVM ( in casu , um intermediário financeiro) quer, ainda, dos sujeitos ligados ao intermediário financeiro (seja ao nível de relação de trabalho com o supervisionado, seja ao nível de relação de clientela com o mesmo). V. O Tribunal Constitucional tem entendido precisamente que os segredos profissionais, como o segredo bancário ou o segredo fiscal, visam, designadamente, salvaguardar a reserva da intimidade da vida privada, direito fundamental consignado no artigo 26.º da CRP (Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 278/95, n.º 602/05, n.º 442/07 e n.º 256/02). W. Contendo a informação sujeita a segredo profissional (e em relação à qual foi determinada a quebra de segredo da CMVM) dados nominativos de pessoas singulares, a aludida informação encontra ainda tutela constitucional no artigo 35.º da Constituição da República Portuguesa, maxime no seu n.º 4, em que se prevê que “É proibido o acesso a dados pessoais de terceiros, salvo em casos excecionais previstos na lei”. X. Estando em causa dados pessoais de terceiros, a decisão de quebra do segredo profissional da CMVM, tem uma dimensão constitucional expressamente reconhecida no artigo 35.º da CRP, que deve ser acautelada. Y. Considerando o conteúdo do dever de segredo profissional que impende sobre a CMVM, concatenado com os direitos e bens jurídicos que o mesmo pretende salvaguardar, a decisão do incidente de quebra do segredo profissional deve ser passível de recurso, atento o disposto nos artigos 18.º e 20.º da Constituição da Repú- blica Portuguesa. Z. Nos termos do disposto nos n. os 2 e 3 do artigo 135.º do CPP, invocada a escusa perante o Tribunal, pode este decidir por uma de duas vias: ou considera que a escusa é ilegítima e determina a junção dos documentos ou considera que a escusa é legítima e, oficiosamente ou a requerimento, requer ao tribunal superior, isto é, ao Tribunal da Relação, a quebra do segredo profissional. AA. O Tribunal da Relação do Porto constituiu-se, deste modo, como a primeira instância de decisão quanto à quebra do segredo profissional, uma vez que o Tribunal Judicial da Comarca do Porto apenas decidiu se a escusa era ou não legítima. BB. Para além de funcionar como primeira instância de decisão quanto à quebra de segredo profissional, o Tribu- nal da Relação pôs termo ao incidente de quebra do segredo profissional. CC. Estando-se diante de uma decisão proferida em primeira instância que pôs termo à causa ou ao incidente processado autonomamente, a mesma terá de ser considerada recorrível nos termos do disposto nos artigos 303.º, n.º 1, 629.º, n.º 1 e 644.º, n.º 1, al. a) do CPC. DD. O Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, ao não admitir o recurso interposto pela CMVM do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que, em primeira instância, determinou a quebra do segredo profissio- nal da CMVM, violou o direito de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n. os 1 e 4 da CRP. EE. A garantia do acesso ao direito e aos tribunais (consagrado no artigo 20.º, n. os 1 e 4 da CRP) é constituída por uma dupla vertente: aquela a que corresponde o direito de ação ou de defesa e aquela a que corresponde o direito a um processo equitativo. FF. O respeito pela garantia de acesso ao direito e aos tribunais no caso em apreço deve ser analisado à luz da estrutura do incidente de quebra do segredo profissional e da respetiva tramitação.
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