TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
62 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL o caso, por exemplo, de não respeitarem a vontade expressa do doente ou de prosseguirem com o procedi- mento mesmo depois daquele ter ficado inconsciente antes da data marcada para a antecipação da morte. Deste modo, a não punibilidade prevista nos novos n. os 3 aditados aos artigos 134.º e 135.º do Código Penal pelo artigo 27.º do Decreto n.º 109/XIV deve ser apreciada em função das condições para a emissão dos pareceres previstas no artigo 2.º, n.º 1, do mesmo normativo (sendo certo que é em relação a algumas dessas condições que a conformidade constitucional daquela norma é questionada pelo requerente); e não inversamente (cfr. supra o n.º 21). Aliás, no respeitante ao artigo 27.º do citado Decreto, a inconstituciona- lidade imputada é meramente consequencial. Os pressupostos da emissão dos diferentes pareceres, constam do artigo 2.º, n.º 1. E, como mencionado, é relativamente à determinabilidade dos conceitos utilizados para enunciar alguns desses pressupostos que o requerente levanta dúvidas. Significa isto, que tais dúvidas devem ser esclarecidas por referência aos parâ- metros constitucionais aplicáveis às normas disciplinadoras da atividade restritiva ou reguladora de direitos fundamentais – e que constitui matéria de reserva de lei formal, nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição –, e não à luz dos parâmetros aplicáveis às regras de definição, positiva mas também negativa, dos crimes – e que também integra a reserva de lei formal [cfr. os artigos 29.º, n.º 1, e 165.º, n.º 1, alínea c) , ambos da Constituição]. Por outro lado, no que se refere especificamente à invocação do artigo 112.º, n.º 5, da Constituição, cumpre ter presente o respetivo âmbito material, relativo aos atos normativos (conforme é indicado pela própria epígrafe do preceito) e a proibição nele estatuída não só de a lei – qualquer lei, seja em que domínio for – criar outras categorias de atos legislativos para além dos tipificados naquele artigo, como admitir, ela própria, por via de um reenvio para atos de outra natureza, e com eficácia idêntica à da própria lei (a “eficá- cia externa”), a interpretação, modificação, suspensão ou revogação de qualquer dos seus preceitos. Está em causa a proibição de a lei abrir a disciplina normativa que constitui o seu conteúdo à intervenção modifica- tiva de atos (normativos) que não tenham natureza legislativa e, portanto, desprovidos da força de lei formal positiva. É um problema que releva das relações recíprocas que se podem estabelecer entre atos normativos. O problema colocado pelo requerente, diferentemente, respeita à segurança e certeza na aplicação do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV, ou seja, à capacidade prescritiva da norma contida nesse preceito, isto é, à sua força normativa entendida como suscetibilidade de efetivamente dirigir e conformar as condutas dos seus destinatários. Em causa está, por conseguinte, atendendo à matéria de que se trata e à circunstân- cia de se prever a emissão por uma entidade administrativa de um parecer que autoriza uma determinada prática, a reserva de lei enquanto reserva de densificação normativa: o grau de determinação do artigo 2.º, n.º 1, enquanto norma habilitante para a emissão daquele parecer com um dado conteúdo e, bem assim, para orientar as condutas e juízos dos médicos que o mesmo também deve controlar. Ou seja, o que cumpre avaliar é o próprio conteúdo normativo do preceito em causa à luz das exigências constitucionais, nomea- damente aquelas que decorrem do princípio da determinabilidade das leis, enquanto corolário do princípio do Estado de direito democrático e da reserva de lei parlamentar, decorrentes das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição. Neste caso, o que está em causa é a distribuição de tarefas entre o autor da norma e aquele que a tem de aplicar ou executar. 36. Sem prejuízo das considerações anteriores, cumpre ter presente em relação ao princípio da legalidade criminal, que é, desde logo, muito duvidoso que o mesmo pudesse conceder respaldo seguro para qualquer juízo de censura constitucional quanto às normas do artigo 2.º do Decreto n.º 109/XIV, designadamente no que se refere aos dois segmentos (e critérios) especificamente sindicados pelo requerente. Sobretudo, se para essa censura se apontar como critério relevante o nível de determinabilidade imposto às leis que diminuem o nível de proteção concedido através do direito penal – ou, conforme se afirma no requerimento, às leis que relevam da «amplitude da liberdade de limitação do direito à vida, interpretado de acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana» –, e não, como é próprio da exigência de lei certa, o grau de concretização típica necessário para proteger o indivíduo do direito penal (neste sentido, sobre o princípio da legalidade
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